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Lembranças

Iniciado por Eyesday, 08/01/2017 às 19:11

Este conto tem como temática um apocalipse zumbi. Foi escrito em meados de 2013, logo, é um pouco antigo já.

P.S.: Sim, esse personagem também gosta de Whisky. Será uma coincidência?


LEMBRANÇAS

Spoiler
Sentou-se em sua velha poltrona cansado daquele dia fatídico. Pegou sua garrafa de Whisky 12 anos e despejou em seu copo, deu uma boa golada, suspirou e sentiu todo o seu corpo queimar. Pegou seu cachimbo e com um pouco de tabaco o acendeu, dando tragadas lentas e suaves, degustando toda aquela droga que ele tanto apreciava, sentindo sua alma tentando desligar-se de seu corpo.

Perturbando seu estado de paz, o homem ouve um barulho, um baque surdo e um latido esganiçado. Algo aproximava-se, lenta e vagarosamente. Ele sabe o que é, a verdade irrefutável era de que eles estavam chegando, aproximando-se por entre as árvores e arbustos como lobos que espreitam sua caça, os cambaleantes sentem o cheiro da carne fresca de longe e seguem embrenhando-se pela mata atrás daquele banquete que os aguardava sentado, relaxado. O som incessante dos corrompidos amedrontaria qualquer pessoa em sã consciência, mas tudo que aquele senhor pedia era que eles o encontrassem, que alimentassem-se de si, matassem-o. Para muitos a morte é um temor, mas não para ele... Os mortos-vivos passaram de meros humanos transformados, sanguessugas da humanidade, para anjos. Os guardiões do paraíso. Tudo que ele queria era que seu sofrimento acabasse, que sua solidão se findasse. Era seu último desejo.

O velho Rubens Dantas estava sobrevivendo naquele mundo desregrado e corrompido já faziam cinco meses, resultado do que afirmavam ser a Profecia Maia, para conspiradores, o fato de toda a desgraça ter começado em 2012 era o motivo principal. Todos os dias ele levantava-se e ia até o quarto de hóspedes, destrancava a porta e via sua esposa, Maria. Seu rosto consumido pela doença ameaçava arrancar-lhe o semblante da mulher pela qual Rubens havia se apaixonado. O casal conseguiu sobreviver durante quatro meses, mas neste mesmo mês os dois foram forçados a saírem de sua casa e irem em busca de suprimentos, porém, na pequena viagem que fizeram, Maria foi mordida. Os dois sabiam o que aconteceria dali em diante, aos poucos Maria seria consumida pela praga e no fim sucumbiria, morreria e voltaria como um deles.

Cabeça dura e irresponsável, Rubens ignorou os alarmes e súplicas de sua esposa, que pedia constantemente para que não a deixasse se transformar, e diversas vezes ele prometeu que faria isso. Que com apenas um tiro ele terminaria o sofrimento de sua esposa, mas ele nunca fora capaz de fazer isto. Dantas que havia ludibriado a morte tantas vezes, não conseguiria enganá-la novamente. Sua esposa estava marcada em sua lista e logo ela seria levada. Maria foi tratada com todos os medicamentos disponíveis para o casal, Rubens a tratou como se fosse sua filha. Sua filha... Laura Dantas, esse era seu nome. Ela tinha apenas dezenove anos quando saiu de casa e deixou seus pais em busca de emprego, família e acima de tudo felicidade. Ela visitava os pais semanalmente, vindo de duas à três vezes na semana, mas, com o tempo essas visitas foram diminuindo até o ponto em que não existiam mais, raramente Laura os visitava e trazia consigo seu filho, Davi, e seu marido, Igor. Por algum motivo a filha de Rubens estava mudando e transformando-se em algo que ele nunca havia imaginado, uma versão amarga e arrogante.

Com o passar do tempo Maria foi ficando cada vez mais doente, os sintomas agravavam-se cada vez mais e logo as dores de cabeça, as cólicas e a dor consumiam todo o seu corpo e de seu âmago ela sentia como se algo estivesse prestes a implodi-la. Maria fazia de tudo para acalmar Rubens, desde fingir estar melhor até dizer que o odiava, que o queria longe, apenas para poder tentar fazer com que ele não sofresse tanto quando enfim chegasse a hora de ela partir. Nada disso funcionou...

Nos primeiros meses, quando ainda havia energia nas casas e as televisões não exibiam apenas fantasmas, as notícias diziam que o período que alguém infectado levava para transformar-se num dos monstros era de dois à três dias. Maria aguentou muito mais que isso. Foram duas longas semanas de dor e sofrimento, tanto para ela como para o marido.

Foi numa quinta-feira, um dia chuvoso e triste, que Maria não aguentou mais. Antes de partir chamou Rubens e pediu que ficasse ao seu lado, ela sentia em seu interior que estava chegando a hora. Com seu revólver calibre .38 em mãos, Dantas sentou-se ao lado de sua amada e olhou-a o máximo que pôde, tentou gravar seu rosto ainda humano para guardar sempre em suas recordações, tentou lembrar-se de sua voz, de seu cheiro, de seus beijos e de seus carinhos... Ele tentou ao máximo esconder as lágrimas quando percebeu a mudança na fisionomia de Maria, ele não queria fazer aquilo, mas, empunhou o revólver na testa de sua esposa e engatou o pino. Por um momento a mulher ficou paralisada, como se estivesse hipnotizada pela visão do cano brilhante, mas logo o encanto foi quebrado e ela virou os olhos para o homem que a encarava. Rubens olhou uma última vez para sua esposa, sua amada, para a mãe de sua filha, sua companheira e eterna guia, olhou em seus olhos e sentiu como se ali ainda houvesse um resquício dela.

"Eu amo você, durma bem meu amor. Sentirei saudades...", foram as últimas palavras ditas por Rubens Dantas para Maria Dantas. Puxou o gatilho. O sangue espirrou por trás da cabeça da mulher, pintando a parede branca de vermelho e de massa cerebral. O corpo catatônico, os lindos olhos azuis dela, transformados em bolas de gude sem cor, haviam se fechado. No canto do olho de Dantas as lágrimas desciam, serpenteando seu rosto. Ele estava chorando... Rubens chorou como há muito não fazia, as lágrimas escorriam pelo seu rosto como quando sua filha disse que os odiava, que não queria vê-los nunca mais... Ele apenas chorou.

Agora Rubens estava sozinho naquele filme de terror. Não que o mundo antigamente já não fosse pior que isso, mas agora era um com mortos-vivos, e sem sua família.

Seu momento de torpor se quebrou quando o som dos passos arrastados dos condenados aumentou, de dentro da casa é possível ouvir as folhas secas sendo esmagadas pelo caminhar dos mortos, assim como também é audível o som dos grunhidos engasgados dos cambaleantes penetrando a parede e acordando Rubens. Estão a cerca de vinte metros da casa dele e em breve não haverá plano de fuga plano de fuga para salvá-lo.

O homem levanta-se de sua poltrona e permite-se degustar novamente de seu Whisky, dando uma golada na última bebida que molhará seus lábios, fuma pela última vez seu cachimbo, a última tragada, a última vez que seus pulmões se encherão com a fumaça corrosiva do tabaco, beija o retrato de sua mulher e filha, a última vez que irá beijar as mulheres de sua vida, as duas que ele amava incondicionalmente. Arrumou o colarinho de sua camisa xadrez vermelho e preto e coçou a barba uma última vez. Visitou todos os cômodos da casa, entrou no seu quarto e lembrou dos momentos que passou com sua mulher, dos carinhos, das conversas e brigas, lembrou dos últimos dias antes de tudo começar e sentiu as lágrimas lavando-lhe o rosto; foi até o antigo quarto de sua filha e viu a pintura rosa das paredes, os móveis de seu quarto, os posteres de bandas e garotos famosos que ela gostava e lembrou-se dos dias em que ia até lá acordá-la para levá-la para a escola, os dias em que entrou com presentes e lembrou-se de como sua filha ficava feliz em vê-lo, em abraçá-lo, lembrou-se do brilho em seus olhos... As lágrimas percorrem seu rosto amargurado e sofrido.

Caminhou até a porta dos fundos de sua casa sabendo que ao abrir aquela porta de madeira teria o último vislumbre do mundo que um dia ele tentou tornar o melhor possível para sua família, mas, resolveu fechar os olhos e não abri-los mais. Queria que a última coisa que visse fosse a imagem de Maria e de Laura, aquela deveria ser a última coisa em sua mente. Respirou fundo e girou a maçaneta, com as lágrimas ainda escorrendo de seus olhos, Rubens foi até o meio de seu jardim dos fundos e ajoelhou-se. Com custo ele conseguiu alguns segundos de tranquilidade para dizer poucas palavras.

Os cambaleantes aproximavam-se, avistando o banquete fácil que teriam e começavam a estender os braços podres em direção ao homem, grunhiam como esfomeados, batiam os dentes como se tivessem frio, mas era apenas o sinal de que se preparavam para o almoço.

O sol batia fraco no rosto de Rubens, as nuvens tempestuosas cobriam os raios que iluminariam sua casa, e em poucos segundos as primeiras gotas de chuva começaram a despencar, como se todas as pessoas do paraíso chorassem para o último homem vivo, como se sua família chorasse...

Rubens tomou fôlego uma última vez enquanto os infectados quebravam sua cerca e como se falasse com sua família, gritou em voz alta para o céu: "Querida, não chore pelos caminhos que deixamos de percorrer, não chore pelo que deixamos de dar a nossa filha e acima de tudo não chore por mim. Eu sei que você não queria que acabasse assim, mas me perdoe, eu não posso viver desse jeito... Não sem vocês duas! Por favor meu amor, não chore, eu estou chegando."
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Saudações!

Muito bom! Parabéns! Gostei muito!

Até mais!
Canal YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCYZbBHdVs1zKPJi-epNZB-w

Visitem também minha idéia de jogo (A Jornada): http://centrorpg.com/index.php?topic=14189.0

E...gostaria de ter um review do seu jogo/projeto? Veja como em: http://centrorpg.com/index.php?topic=14491.0

Citação de: Romeo Charlie Lima online 08/01/2017 às 19:31
Saudações!

Muito bom! Parabéns! Gostei muito!

Até mais!

Obrigado pelo comentário, fico feliz que tenha gostado do conto. :]
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Esse final me deu arrepios, adorei  :clap:
YO :3

Citação de: Akugam online 08/01/2017 às 20:34
Esse final me deu arrepios, adorei  :clap:

Agradeço por ter gostado e espero que goste dos outros que publiquei/publicarei!
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