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O Protagonismo Feminino e os Testes de Bechdel e Mako Mori

Iniciado por Geraldo de Rívia, 28/10/2016 às 07:48

28/10/2016 às 07:48 Última edição: 28/10/2016 às 08:04 por King Gerar



"Em uma época em que o feminismo tomou as ruas e as redes sociais, não demoraria muito para sua influência também chegar aos jogos. O passado dos video games sempre foi palco para heróis e aventureiros, porém, na contramão do senso comum, a presença do protagonismo feminino nessa história não é nulo, possui presenças extremamente marcantes e já despertava a atenção de desenvolvedores ainda na década de 80. Apesar de hoje a preocupação com as mulheres nos jogos ser muito maior do que outrora, vale a pena conferir o pretérito desse caminho e as personagens que fizeram parte e contribuíram para formar o cenário que temos hoje."

[box class=plainbox]As Primeiras Desbravadoras[/box]

     Em 1985, a primeira mulher abandonava da posição de princesa e era colocada como protagonista no jogo Baraduke. Nele controlamos Toby Masuyo, apelidada como Kissy, na missão de limpar oito mundos que estão repletos de monstros. Para realizar a tarefa, ela utilizava uma arma de tiro e uma roupa dessas de proteção contra risco biológico, o que permitiu aos jogadores descobrirem que se tratava de uma garota somente ao finalizar o jogo, quando mostrava-se uma imagem da personagem. O jogo foi lançado, na época, para os fliperamas.

     Foi no ano seguinte, 1986, que Samus Aran ficou conhecida como a primeira personagem feminina, ao protagonizar o jogo Metroid, para NES. Dentro de sua armadura, a Power Suit, ela era uma caçadora de recompensas, órfã de planeta, que tinha como objetivo retirar os metroids das mãos de foras da lei. Porém, durante todo o gameplay pensava-se que, dentro daquela armadura estava um homem. A surpresa só vinha quando, ao completar o game, a armadura era removida e Samus se mostrava uma guria, coisa que nem mesmo Yoshio Sakamoto, co-criador da série Metroid, pensava em fazer: "Quando estávamos quase terminando com o desenvolvimento de Metroid, um dos nossos funcionários sugeriu: 'Por que não fazemos Samus Aran uma personagem feminina para surpreender o jogador?' Naquela época, eu pensei que era uma boa ideia, mas não podia prever que isso teria um enorme impacto sobre o futuro da franquia. Desde esse dia, eu sou grato à pessoa que veio com essa ideia, embora eu honestamente não me lembro quem realmente fez a sugestão."
     Diferente de Baraduke, que não havia feito muito sucesso e sequer chegou aos consoles na época, Metroid alcançou muitos jogadores e certamente contribuiu bastante para a reconsideração da presença feminina nos games a partir de então.

Em alguns jogos da franquia, se o jogador completasse o game antes de um certo tempo,
a Samus removeria mais do que somente a armadura ( ͡° ͜ʖ ͡°) - Arte por Wen-JR



    1987 e a SNK que já era uma publicadora de jogos ainda não tinha um sucesso para chamar de seu, foi então que entraram na onda das protagonistas femininas e lançaram Athena, jogo que já havia sido disponibilizado para as plataformas arcades no ano anterior. Athena, personagem que dá nome ao jogo, é uma jovem estudante, princesa do Reino de Vitória, que tem uma vida entediante e procura aventuras. Eis que um dia ela abre "a porta proibida" e é teleportada para o Mundo da Fantasia, onde deverá matar todas as criaturas maléficas no caminho até derrotar o Imperador Dante, e então conseguir voltar para seu mundo natal.
     Uma peculiaridade é que, nesse jogo encontramos equipamentos para utilizar na jornada, mas para isso, Athena começa o jogo somente de biquíni. A explicação dada é que, ao ser teleportada para o Mundo da Fantasia, ela ficou no "céu" e caiu, nessa queda seu vestido ficou para trás e ela viu-se obrigada a seguir sua jornada seminua. Peculiaridade que não se repetiu na continuação do jogo, Psycho Soldier, lançado no mesmo ano mas dessa vez somente para os fliperamas, em que ainda controlamos uma Athena, mas essa é somente uma descendente mil anos distante de sua predecessora. Essa, junto com Kensou, deveria limpar a cidade de criaturas malignas.
     Aproveitando o gancho... Reconheceu os nomes? Athena... Kensou... Sim! São os mesmos que sete anos depois, em 1994, estariam em The King of Fighters 94, formando o trio da China: Athena Asamiya, Sie Kensou e Chin Gentsai.

The King of Fighters 94 - O primeiro jogo de uma série que inseriu muitas personagens femininas nos games
durante a décadas de 90, ainda que, na maioria das vezes de forma sexista.



     E o gênero que tanto amamos não ficaria por fora dessa tendência que, finalmente, alcançava os jogos. Em 1987, a Enix ganhava o mundo com o primeiro Dragon Quest, e a Sega, produtora do Master System, precisava de algo para bater de frente com isso. O fez, e o fez de maneira magistral. No final de 1987, os RPGs ganham sua primeira protagonista feminina, Alis Landale, em Phantasy Star.
     Além de dispor de um visual superior ao concorrente, Phantasy Star trouxe muitas inovações ao gênero, como a adição de personalidade aos personagens. Agora NPCs e inimigos não eram somente bons ou maus, mas também providos de sentimentos e motivações que os tornariam mais "humanizados". Outra novidade eram as transições em eventos, como batalhas, mudanças de mapa e em diálogos com outros personagens, um artifício para a terceira novidade, que foi a inserção do falso 3D principalmente em cavernas e masmorras, uma novidade na época em que eram difundidos os primeiros jogos em primeira pessoa. Tamanho fora o sucesso do jogo que seu preço chegou a ser somente 10 dólares abaixo do preço do próprio console que executava o jogo. Outro marco que, particularmente, acho demonstrar ainda mais o impacto dessa obra, é ter sido traduzido para o português, coisa que, se no início do século XXI não era muito comum, que dirá vinte anos mais cedo.

Phantasy Star já foi um dos jogos abordados em uma das edições do Antiquário.



[box class=plainbox]Os Anos 90[/box]

     A última década do século XX começou com a difusão da quarta geração de consoles no mundo, principalmente nos EUA e Europa, e protagonistas, ou até mesmo personagens femininas, mesmo que com poucas aparições, não eram mais inéditas como na geração anterior. Essa época também foi marcada pela significativa inserção das mulheres nos mercados de computação e informática, dentre eles o de jogos digitais, o que propiciou o estímulo e a própria cobrança por mais aparições femininas no entretenimento. Os novos consoles também dispunham de maior memória e processamento (conhecido como 16 bits na quarta geração), que viabilizava um abuso de gráficos melhores, deixando características como cabelo e curvatura do corpo mais visíveis, o que nem sempre era possível anteriormente, principalmente em situações em que o personagem era pequeno.

     E aproveitando muito bem desses gráficos, e do pause durante as lutas, veio Chun-Li, em Street Fighter II. A precursora das mulheres nos jogos de luta nasceu em 1991, no segundo game da série, em meio a outros sete personagens disponíveis e sendo a única garota. O título, por si só, já seria um enorme sucesso, revolucionando e popularizando o gênero, devido à surpreendente melhora em relação ao jogo anterior, e por inúmeros outros aperfeiçoamentos ou novidades, como: a possibilidade de um jogador confrontar o outro; movimentação e ações precisas (anteriormente existia um delay de apertar o botão até o personagem executar a função), e; a execução de combos.
     Nesse sucesso, a comunidade gamer que ligava lutas à brutalidade masculina, viu-se diante de uma mulher, que mesmo sendo mais fraca, era muito mais ágil que os demais personagens, o que incrementava ainda mais seu destaque e a boa recepção do público. A presença de Chun Li impôs a regra de que todos jogos do gênero de luta, a partir de então, deveriam possuir personagens femininas, como Sonya Blade foi em Mortal Kombat, Morrigan e Felicia em Darkstalkers e, Orchid em Killer Instinct, por exemplo.

Ao passo que os novos gráficos proporcionaram uma facilitação na criação de personagens femininas, poucas eram as vezes em que elas
assumiam posições de protagonismo, e quando isso acontecia, seus trajes eram dedicados ao público masculino.



     A chinesinha foi um marco na indústria de jogos, com muito efeito durante a quarta geração de consoles, fazendo com que outros jogos, principalmente de gêneros em ascensão na época, como os de luta versus e beat 'em up, também procurassem desenvolver seus próprios personagens femininos e também pegarem uma fatia desse bolo. Foi o que aconteceu com Golden Axe, Streets of Rage, Cadillacs and Dinosaurs e Final Fight. Todavia, mesmo com toda repercussão, o universo gamer ainda conheceria sua rainha.

     Se a quarta geração havia se mostrado propícia o suficiente para a inovação visual dos personagens, a partir dos aprimoramentos gráficos, a seguinte se mostraria ainda mais fértil. Na verdade, a quinta geração dos consoles teve seu início já em 1993, porém, os primeiros lançamentos foram um fracasso de vendas. O quadro mudou completamente em 1995, quando a Sony resolveu entrar no ramo e lançou seu segundo mais bem sucedido console de todos os tempos: o PlayStation, comumente conhecido como PSOne. Os equipamentos dessa geração tinham o dobro do processamento da anterior (32 bits, o Nintendo 64, que também pertenceu à essa geração, tinha 64 bits), que permitiam gráficos ainda melhores, nesse meio, os visuais em 3D.
     Foi nesse tempo que Jacqueline Natla, uma empresária, decidiu contratar uma arqueóloga para encontrar um antigo artefato perdido, denominado scion. No projeto em que a Core Design já trabalhava há anos, a profissional Laura Cruz atravessaria masmorras, cavernas e ruínas repletas de puzzles para alcançar esse e outros tesouros perdidos. Após a compra da Core pela Eidos Interactive, a personagem largou sua origem latino-americana e nas mãos de Toby Gard ganhou, veementemente, inspiração inglesa e em Indiana Jones. Estamos falando de Lara Croft Mandy DeMonay, ou, Lara Croft, protagonista da franquia Tomb Raider.

A sexualização e superficialidade da personagem ao longo dos jogos e a falta de inovações na jogabilidade levou a Crystal Dynamics a preparar um reboot da franquia.
O resultado foi um sucesso e Tomb Raider voltou a ser mais um marco na presença de personagens femininas nos jogos.



     O shortinho curto marrom, top verde, coldres em ambos os lados dos quadris para o par de pistolas, luvas sem dedos e o penteado em rabo de cavalo são características que marcaram a personagem no decorrer dos anos, ainda que, nesse tempo, vários ajustes fossem feitos, principalmente na movimentação do cabelo e no tamanho do busto. E mais do que a protagonista mais conhecida nos games, Lara alcançou outras mídias, como filmes, histórias em quadrinhos, televisão, onde serviu para publicidade e propaganda de roupas, carros e até cartões de crédito, teve participações em shows musicais e chegou a ser tema da música Amami Lara, do compositor italiano Eugenio Finardi. Tudo isso, fez com que ela se tornasse uma das personagens mais significativas já criadas na cultura pop e tivesse em sua coleção seis Guinness World Records: heroína mais bem sucedida nos videogames; mulher mais reconhecível em um jogo; personagem mais detalhada em jogos ; maior número de atores usados como modelo; jogo spin-off com maior número de vendas e; personagem transferida de outra mídia para o cinema de maior sucesso.

     Também em 1996, outra grande saga nascia, e protagonizando o primeiro jogo tínhamos outra personagem feminina. Essa dividia a história com um rapaz, que juntos estrelavam em um dos jogos mais importantes e que revolucionou o gênero survival horror nos vídeo-games: estamos falando de Jill Valentine em Resident Evil. Diferente de muitas outras personagens que nasceram nessa geração, Jill não tinha apelo visual. O jogo possuía finais diferentes, se completado com ela ou com Chris Redfield (o protagonista masculino), o que incentivava muito que os jogadores também jogassem com a personagem, além de possuírem diferenças em seus gameplays. A boa recepção do público, chegando a considerá-la "um exemplo de personagem feminina em jogos de terror", garantiu sua participação em outros três jogos da série e menção em outros, além de ser eternizada na história após matar um dos maiores vilões dos jogos, o Nemesis, em Resident Evil 3. Não por menos, muitas listas de personagens femininas mais importantes de todos os tempos a colocam em segundo lugar, ficando atrás apenas da arqueóloga citada anteriormente.

No filme Resident Evil: Apocalypse, de 2004, Jill Valentine é interpretada por Sienna Guillory, um tanto mais sedutora do que se mostrou no primeiro jogo, oito anos anteriormente.



[box class=plainbox]A Primeira Década do Séc XXI[/box]

     As inovações gráficas, principalmente pela inserção do 3D, aliado à exemplos de belas mulheres que decolaram no papel protagonistas, como Lara Croft, incentivaram e mostraram um mercado promissor; aproveitar desses recursos para atrair o olhar dos jogadores, em sua maioria, homens. E assim nasceram muitas personagens nos jogos que tinham presença essencialmente sensual, afinal, eram mulheres feitas por homens e destinadas à homens.
     Porém, a entrada das mulheres no mercado de tecnologias, acentuada durante o decorrer da década de 90, veio a produzir frutos no início deste século, aliada à boa recepção do público à apresentação de personagens femininas e à crescente solicitação da diminuição do sexismo nas mesmas. O que continuou se intensificando durante a primeira década do século XXI e, a cada ano que se passa, estamos mais próximos de uma igualdade entre os gêneros dentro e fora dos jogos. Isso pois, em 1989, somente 3% dos desenvolvedores de jogos eram mulheres, entretanto, em 2015, já somavam-se 22%, e ao levarmos em conta que o mercado de jogos expandiu absurdamente nos últimos vinte anos, vemos que são números bastante significativos. Do outro lado do controle, mais da metade dos jogadores em dispositivos móveis já pertencem ao público feminino, que também emerge nos consoles e nos PCs.

     E foi nesse cenário que, em 2007, Chell e Glados protagonizam Portal: um dos jogos mais marcantes e relevantes na história, principalmente pela física que apresentava. Enquanto pensando como resolver um puzzle, o jogador ouvia os comentários sádicos e cruéis de Glados, que consistia na antagonista do jogo, mas que também narrava todo o decorrer do gameplay com essas características, além de cantar durante o zeramento. Chell, por sua vez, era a personagem jogável, com visual pouco marcante (afinal se trata de um FPS), mas ainda assim memorável como personagem feminina, claro, ao lado de Glados.

     Ainda em 2007, uma das séries que viria a ser das mais exponenciais nascia, com a proposta de personagens profundos e um enredo que fizesse jus à isso. Das mãos da BioWare, uma empresa que consolidou vários temas sociais em seus projetos, Mass Effect trazia como protagonista o(a) comandante Shepard, que opcionalmente poderia ser homem ou mulher. Mas foi no mais recente jogo da franquia, Mass Effect 3, que a comandante ganhou um rosto canônico, e assim passou a contribuir de igual para igual com sua versão masculina, principalmente na divulgação do jogo, em que, inclusive a capa da mídia física jogo possuía um lado impresso com a figura masculina e, do outro, a feminina, cuja cor do cabelo - ruivo - foi votado pela comunidade. Não só essa preocupação (que para muito pode nem ser tão relevante), ao longo do desenvolver dos três jogos, é visível a melhora do enredo, o impacto e liberdade de escolhas, e a profundidade dos personagens, especialmente femininos, que também tiveram espaço como coadjuvantes importantes.

Mass Effect Andromeda não será uma continuação da série, mas sim o que tende a ser uma nova trilogia. O maior investimento da BioWare até então,
que promete personagens e enredos ainda melhores dos que os já vistos, tem data de lançamento para março de 2017.



     Como não bastasse uma garota, Mirror's Edge escolheu por trazer também uma personagem de traços orientais. No action-adventure em primeira pessoa da Eletronic Arts, Faith Connors estreou em 2008, em um jogo bem recebido pelo público, mesmo com ausência da adrenalina dos tiros e combates, característica de gêneros que ascendiam na época. Tal foi o sucesso, que o jogo voltou a aparecer esse ano, em Mirror's Edge Catalyst, que foi aguardado por muito tempo após o primeiro, como uma sequência, mas na verdade se trata de um reboot.

     Éclair Farron não foi a primeira protagonista principal a aparecer em Final Fantasy, afinal esse título é de Terra Branford, do melhor Final Fantasy da franquia, o Final Fantasy VI, mas as características da personagem a faz ser uma das mais relevantes da série, se não a mais, ao levarmos em conta sua retratação como mulher. O que faz a presença de Claire (nome ocidental que Éclair ganhou) ser tão importante é seu comportamento frio, forte, calculista e corajoso, características que comumente víamos ligadas aos homens, mas dessa vez, faziam parte de uma mulher, cavaleira, que ainda assim mantendo sua feminilidade tinha como objetivo salvar sua irmã; nada intrínseco a nenhum homem, nenhum romance. Tais traços fazem de Lightning uma personagem que realmente representa a mulher contemporânea, em Final Fantasy XIII.

O nome original de Lightning, Éclair Farron, era originalmente temporário, mas permaneceu até a versão final. Seu primeiro nome foi alterado
em outros países para Claire devido à semelhança com o nome de um doce.



     Enquanto a personificação da mulher caminhava em direção ao corpo sem exageros e vestimenta que não realçasse seu decote, uma bruxa apareceu nesse meio para dividir opiniões, entre haters e lovers. E ela se chamava Bayonetta, que estrelou no jogo de mesmo nome em 2009. O hack and slash apresentava uma protagonista hipersensualizada, que alternava entre o ballet e o strip dance, e se já não bastasse isso, ficava nua ao executar certos golpes com seu cabelo - vez que esse também formava sua roupa e era fonte de seu poder. Mas isso caracteriza um sentido contrário ao que a maré da igualdade de gênero seguia, não? Vejamos pelo lado de que ser casta, santinha e pura são características que uma mulher devia ter para ser considerada boa. Bayonetta rompe esse estereótipo usando sua sensualidade sem receio e como arma, encaixando no que consideraríamos "vadia", e mostra que é muito mais do que isso à medida em que aprofundamos sua história. Uma chance que também deveríamos dar às pessoas na vida real: que deixemos que mostrem quem realmente são antes de criarmos um pré-conceito (veja bem a grafia), geralmente, errado.

     Vamos pular para 2013, onde encontramos Nilin, protagonista de Remember Me. Por se tratar de seu primeiro jogo, o estúdio Dontnod Entertainment teve de procurar empresas que publicassem o jogo, o que foi aceito pela Capcom, mas Jean-Maxime Moris, diretor criativo do game, conta que não foi fácil achar quem aceitasse a empreitada. Ele conta que alguma das respostas foram como "Bem, nós não queremos publicá-lo [o jogo Remember Me], porque isso não vai suceder. Você não pode ter uma personagem feminina em jogos. Tem que ser um personagem masculino, simples assim", e isso já em 2013, há apenas três anos atrás. Mas graças aos bons deuses, o jogo foi lançado, porém obteve críticas medianas, pesando para o lado ruim, devido sua genericidade.
     O que a Dontnod não repetiu dois anos depois no seu segundo título, em 2015, ao lançar Life Is Strange, um jogo episódico do gênero história interativa de exploração, também em torno de uma protagonista feminina: Maxine Caulfield. O game conquistou merecidos elogios, como "um dos melhores jogos de história interativa desta geração", e prêmios, como o de melhor Games for Impact no The Game Awards 2015. Muito disso pela narrativa excelente, tocando em questões sociais como machismo, competitividade feminina, bulling, suicídio, vazamento de fotos e vídeos de mulheres jovens, stalking, luto, depressão e auto-estima. Dontnod: uma empresa que pareceu aprender com erros e uma potencial desenvolvedora de protagonistas femininas pelo visto.

Life is Strange é dividido em 5 episódios, sendo que o primeiro você pode baixar jogar gratuitamento pela Steam.



     E falando em aprender com erros e protagonista feminina, como não citar Ellie, em The Last of Us, de 2013. O segundo jogo mais premiado da história, com 249 prêmios, à frente de The Elder Scrolls V - Skyrim e atrás de The Witcher 3 - Wild Hunt (eu tinha que citar esses dois <3) e desenvolvido pela renomada Naughty Dog, também desenvolvedora da série Uncharted, colecionou elogios e mudou a definição de narrativa no mundo dos jogos. O enredo riquíssimo, cenários divinamente bem acabados, a tensão que o jogo consegue passar acompanhada de uma soundtrack insubstituível, são alguns dos pontos que viraram os holofotes para Ellie e outras personagens, como a própria Tess, e as fizeram despontar como personagens femininas importantes. Tais relevâncias são justificadas diante de sua complexidade à medida em que imergimos na história, uma experiência que só vai entender quem jogar, já que a grandiosidade desse game é digna de uma matéria por si só.

     ReCore é um jogo ainda recente, lançado em setembro deste ano (2016), cuja protagonista é uma guria: Joule Adams. Ainda é cedo para analisar ou perceber algum impacto que esse game possa ter em torno do assunto, mas é legal de ver mais um jogo estrelando uma mulher fora dos estereótipos que, ao longo do tempo, estão sendo derrubados e deixados de lado. Vale lembrar também que, assim como ReCore e Mirror's Edge, as desenvolvedoras estão largando o medo de um único personagem, e feminino. Vemos isso também pelos próximos lançamentos, como Horizon Zero Dawn e Bloodstained: Ritual of the Night, não ficando à frente de jogos que possuem personagens de ambos os sexos, como o já mencionado Mass Effect: Andromeda, e os aguardados Dishonored 2 e Gears of War 4. Nos resta esperar para ver o quão bem nossas donze... digo, heroínas, serão representadas.

Aloy é a protagonista de Horizon Zero Dawn, jogo exclusivo do PlayStation 4 (T~T)



[box class=plainbox]Os Testes de Bechdel e de Mako Mori[/box]

     Não diretamente aplicado aos jogos, em 1985 a cartunista norte-americana Alison Bechdel expressou em um de seus quadrinhos a ideia de uma de suas personagens. Esta assistiria filmes somente se passassem em um teste, que consistia em três requisitos:
     • Que o filme tenha ao menos duas mulheres;
     • Que essas mulheres conversem entre si;
     • Que o assunto dessa conversa não seja homens;
     O teste, conhecido como Teste de Bechdel, ganhou mais repercussão e força nos anos 2000, onde as mulheres ganharam maior representatividade em meios pop e geek, solicitando que tivessem melhor e maior apresentação nas mídias, como os próprios filmes, séries e, como vimos, jogos. De certo, se tornou uma ferramenta auxiliar para avaliar as obras, por vezes até ganhando outro requisito; que as personagens femininas em questão tenham nomes, e também a relevância do tempo em que prevaleciam em cena.

     A obra que passa no teste comprova a presença feminina, porém, não certifica o quão bem as personagens estão sendo representadas. Levemos em consideração que Alison propôs o teste em uma época que a presença da mulher no entretenimento era bastante escassa, então, seu principal propósito era fomentar a ideia e incentivar, o público e a crítica, a querer mais protagonistas femininas nessas mídias.
     Quase 30 anos depois, as mulheres já integravam parte considerável de elencos e muitas protagonizavam seus próprios longas-metragens. Ainda assim, a forma como eram retratadas nem sempre agradava o público alvo, ou ainda seguiam estereótipos quebrados há anos atrás. Obras passavam no teste, mas criavam uma visão depreciativa ou submissa da mulher, enquanto outras agradavam, possuíam personagens que fugiam dos padrões, mas eram barradas. Um filme que mudou esse cenário foi Círculo de Fogo, ou no nome original, Pacific Rim, de Guillermo del Toro em 2013.

Mako Mori, interpretada por Rinko Kikuchi, em Pacific Rim (2013).



     Nele, temos 56 atores, sendo que somente 3 são mulheres, e com poucas falas, o que impedia a passabilidade da obra no teste de Bechdel. Entretanto, mesmo não passando, todos personagens são bem retratados, principalmente Mako Mori, que ganhou muita atenção do público. Mako é forte, inteligente, luta para se livrar da proteção de seu pai. Seu objetivo é se tornar um piloto, foco este que domina quase toda a narrativa do filme. Além disso, ela  não é ocidental, o que é um grande passo para a representatividade de orientais sem estereótipos negativos e propósitos sensuais. Sendo assim, o filme merecia passar pelo teste, ou melhor, esse teste precisava ser reformulado.
     Assim surgiu o Teste de Mako Mori, que, assim como seu predecessor, seria mais uma ferramenta para avaliação das mídias de entretenimento. Ele também consistia em três requisitos:
     • Que a obra tenha ao menos uma personagem feminina;
     • Que essa personagem tenha seu próprio arco narrativo;
     • Que esse arco narrativo não exista somente para suportar a história de um personagem masculino;
     Vale ressaltar que um teste não substitui o outro. Uma obra, seja ela filme, jogos (que hoje apresentam cinematics dignas do próprio cinema), ou qualquer outra mídia, pode passar em somente um dos testes e ainda assim ser boa e produzir muito bem seus personagens. Agora, se não passar em nenhum dos dois, fica veemente que a representatividade feminina mandou abraços.

[box class=plainbox]Concluindo[/box]

     Com o passar dos anos, a sociedade, aos poucos, evolui, e vai deixando para trás preceitos primitivos. Além de o desejo de se ver personagens femininas estrelando os jogos, a aceitação do público foi fundamental nesse processo, afinal, mais do que diversão, os jogos são produtos e devem gerar lucro para as empresas. A comunidade gamer acolhendo bem esses jogos, pavimentou um caminho sólido para que mais jogos protagonizados por mulheres viessem a nascer, e hoje temos diversos exemplos e com mais por vir.
     Tão importante quanto, foi a iniciativa dos desenvolvedores em romper com o padrão da época e inovarem, em uma direção que todos diziam não levar a lugar nenhum. Isso mostra a necessidade desses profissionais se reciclarem e estarem dentre os mais diversos tipos, contribuindo assim para uma diversidade maior de ideias, e uma pluralidade maior e melhor representada nos jogos. Ontem e hoje, foram e estão sendo as mulheres a integrarem esse meio. Não estamos longe de também termos mais personagens LGBT, principalmente devido à fomentação desse público na atualidade.

     Há vinte anos atrás, o que despertava o interesse nos games era a pancadaria e sanguinolência. Hoje, os triple A procuram utilizar da disponibilidade gráfica e recursos de hardware no mercado para fazer com que os jogadores se sintam mais próximos da trajetória do jogo. A coisa ficou séria a ponto de God of War - considerado por muitos o melhor hack'n slash de todos os tempos - ganhar um reboot significativamente mais... novelizado. É o progresso que a humanidade faz, também chegando nos games.

[box class=errorbox]
E aí, como está o seu projeto olhando no quesito personagens ou mesmo protagonistas femininas? Tem muitas?
E seu projeto passa em um dos testes? Passa nos dois? Deixe sua resposta aí.
O meu, até então, tinha vários personagens, mas somente homens. Já to dando um jeito de colocar gurias :3
[/box]



:wow:
Até a próxima matéria!

Eu SEMPRE fiz jogos com personagens femininas, sempre todas muitíssimo variadas. Aliás, era um problema, eu colocava muitas personagens femininas e poucos masculinos. Chega a ser engraçado.
Pra mim é muito mais interessante quando temos uma garota como herói da história, por que além de ser raro, é muito mal usado, geralmente vemos gurias sorridentes e fraquinhas, ou fofuchas que só servem para usar magias ou curar o principal e servir como encosto romântico. Eu gosto de um bom romance, mas é muito mais divertido uma personagem que pode quebrar a cara de um vilão e beijar seu amado ao mesmo tempo!

Matéria sensacional! Não abordei isso em 'A Representatividade nos Jogos', esqueci totalmente. Parabéns Gerar! A matéria realmente ficou ótima e maneira como foi desenvolvida, retomando a história e tals, ficou ótimo.

Hoje em dia as moças estão ganhando cada vez mais força, não só no cenário dos games, podemos classificar isso como algo geral! Este é um bom assunto para se abordar e refletir, para trazer inovações ou muita das vezes quebrar certos tabus que o pessoal cria. xD

Ótima matéria Gerar:XD:

Adorei a matéria. Muito interessante como você foi seguindo a história dos jogos, apresentando várias referências, e reforçando o quanto a representatividade feminina é importante. Que este cenário de mudanças positivas continue e que tenhamos cada vez mais personagens femininas diversificadas e desenvolvedoras de jogos atuando no mercado! :XD:
     

Curti a matéria. Realmente, o protagonismo feminino é importante.
Espero a próxima, heim?

A matéria ficou legal, bem completa. Thumbs up, Gerar.
Particularmente, não me importa ter ou não personagens femininos. Eu não sei se seria exatamente saudável chegar e dizer "hm, tem poucos personagens femininos no meu jogo, eu devia colocar mais", se isso não flui naturalmente para você. Eu não me preocuparia muito com nenhum dos dois testes.

Mas de qualquer forma, show de bola. Redação nota 4 de 3 juquinhas.

30/10/2016 às 13:25 #7 Última edição: 30/10/2016 às 14:06 por King Gerar
Citação de: Strong Rock online 30/10/2016 às 13:03
A matéria ficou legal, bem completa. Thumbs up, Gerar.
Particularmente, não me importa ter ou não personagens femininos. Eu não sei se seria exatamente saudável chegar e dizer "hm, tem poucos personagens femininos no meu jogo, eu devia colocar mais", se isso não flui naturalmente para você. Eu não me preocuparia muito com nenhum dos dois testes.

Mas de qualquer forma, show de bola. Redação nota 4 de 3 juquinhas.

Eu discordo. Acho que fazer o teste e verificar que não passou e, por isso, incrementar personagens femininas, não é algo que vai contra "a fluidez da naturalidade". Muito pelo contrário, acredito que seja uma forma de expansão artística que lhe permitirá desenvolver uma nova personagem, abrir ares, explorar o que não foi explorado, enfim, um grande reforço à criatividade do jogo. É como um aviso de 'psiu, você pode melhorar nesse aspecto, melhorar isso aqui!'. Além de reforçar a diversidade e criatividade do jogo, expandir seu horizonte artístico, ainda estará, como brinde, atuando elegantemente em uma boa causa social. É unir a arte, o hobby, a diversidade com uma boa causa social e que é, também, uma tendência global! Veja só, você não deixa de ganhar:


  • Abre-se o seu horizonte artístico;
  • Permite inovar;
  • Atua socialmente;
  • Não fica por trás de uma tendência global.

Vou me corrigir em uma coisa: não acho que é ruim se preocupar em adicionar personagens femininos, só que ter isso como pré-requisito ou como qualquer fator determinante não me faz muito sentido.
Foi mal se deixei isso confuso, ou se ainda está confuso.

Quanto ao que eu disse de fluidez, quero dizer isso: "Eu quero fazer um jogo, e nesse jogo existem esses personagens". Quebra a fluidez quando eu digo "Mas acho que esse personagem devia ser assim ou deviam ter mais personagens de outra forma, porque sociedade", o que pode ser ruim, ou não.

Mas, uh, não acho que um jogo vai melhorar porque tem um personagem feminino pelo bem de feminismo. Ou algum personagem negro porque diversidade racial.

Também não acho que o jogo melhorará se eu colocar uma personagem pelo bem do feminismo - acho que melhorará se eu der um toque criativo e novo ao elenco dos personagens, acredito que um elenco com homens e mulheres é bem mais interessante do que um exclusivamente masculino. Claro que há contextos e contextos, e digo de uma forma geral. Não faz sentido, obviamente, eu desenvolver uma mulher no grupo dos heróis dos homens de Arcádia. Mas o lance é exatamente o verbo que usei: desenvolver. Não é que devamos sair criando personagens mulheres por aí ou transformar aquele herói ali em mulher apenas para ter mulher, a proposta da matéria é - penso eu- incentivar o desenvolvimento de mulheres no jogo. Não dizer que devamos criá-las arbitrariamente para cumprir uma cota, é mais que isso, é dar vida a uma personagem para diversificar seu universo (o do jogo). Não se trata, claro, de dizer que seu jogo ficará melhor ou pior se tiver X ou Y tipo de personagem.

Aliás, uma curiosidade, você é mulher? Devido ao nickname não tenho certeza. :P


30/10/2016 às 16:00 #11 Última edição: 30/12/2016 às 23:53 por Strong Rock
@Nandikki: Sim, eu peguei o objetivo da matéria. Por isso a única coisa que eu apontei ser contra foram o uso dos testes. De novo, não sou contra se preocupar com a inclusão de mulheres. Pelo contrário: você faz você. Só não acho que vai deixar melhor do que um jogo só com homens, necessariamente.

30/10/2016 às 18:06 #12 Última edição: 30/10/2016 às 18:11 por Mistyrol
Já comentei em outro lugar o que eu achava sobre a matéria e seus detalhes, então não tenho muito a acrescentar em relação ao texto (muito bom, por sinal).

Eu concordo em parte com o ponto de vista da Rockie. O fato de não ter personagens do sexo feminino não quer dizer necessariamente que o enredo é falho ou que precisa ser alterado de alguma forma. Como ela mesmo disse, é tudo uma questão de contexto, é importante entender que os testes não servem para você ver se precisa adicionar uma mulher na sua história ou não, eles servem para você perceber como que anda a representatividade dela.

Não adianta nada eu colocar um jogo com várias mulheres sendo que elas são representadas de maneira errada, sexualizadas ou inferiorizadas de alguma maneira. Vale lembrar que existem muito jogos, por exemplo, onde existem várias mulheres mas elas são todas representadas de uma maneira muito errada, só para agradar o público em massa: o masculino.

Um caso muito próximo é o da Rikku, do Final Fantasy X-2. O jogo tinha tudo para quebrar vários tabus sobre o assunto das mulheres tomando a frente, sendo independentes, girl power all the way, mas ele fez uma curva em seu caminho que acabou levando-o à ruína. Por mais que eu jogue o jogo várias vezes, eu ainda não consigo entender qual a necessidade de roupas tão curtas, sério, isso é irreal. A personalidade forte da personagem é mais do que o suficiente para ela ser agradável, sexualiza-la era completamente desnecessário e só serve para agradar a massa machista.

Finalizando, eu sempre fui a favor de colocar personagens mulheres (inclusive, nos meus dois projetos, as protagonistas são do sexo feminino), pois, como o Nandikki disse, isso diversifica bastante e abre muitas portas para serem exploradas em um enredo, mas eu super prefiro que elas fiquem de fora à serem inseridas em um contexto que inferiorize sua imagem de alguma forma. Por isso, adicione personagens mulheres se isso for acrescentar alguma coisa, não apenas para dizer "mas ué, tem mulher aí, passei no teste".