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Resultados - Gladiador Moon[light] vs. Desafiante Kazuyashi

Iniciado por VincentVII, 08/11/2013 às 19:44

08/11/2013 às 19:44 Última edição: 01/12/2013 às 11:21 por VincentVII
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» APRESENTAÇÃO

Bem-vindo ao Colosseum! O duelo inicial desta categoria está marcado para o dia 25/11, onde vocês presenciarão uma grande batalha entre os membros Moon[light] e Kazuyashi pelo posto de Gladiador do Desafio Épico!

Confira as últimas palavras dos lutadores:

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Gladiador Moon[light]:
"Essas seriam péssimas palavras finais."

Desafiante Kazuyashi:
"Talvez sejam as últimas mesmo. Mas que se dane. Farei o que sempre fiz; serei eu mesmo e que vença o mais preparado para este confronto. "
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» DETALHES DO COMBATE

Então vamos logo ver os detalhes do combate:


  • Tema: Ficção Científica
  • Tamanho: e 3500 a 7000 palavras
  • Prazo de Entrega: 25/11/2013
  • Premiação: 50 ouros e o cargo de gladiador ao vencedor, 25 ouros ao perdedor
  • Adicionais: A história pode envolver cientistas loucos, viajem no tempo, alienígenas, robôs, etc; desde que se mantenha no tema principal


QUE COMECE A DISPUTA!


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Viva a lenda!



01/12/2013 às 11:21 #1 Última edição: 01/12/2013 às 11:23 por VincentVII
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Dessa vez o resultado chegou mais rápido!


FINAL DE DUELO


Os participantes [user]Moon[light][/user] e [user]Kazuyashi[/user] travaram um combate feroz, mas, esta batalha já chegou a seu fim.


» AVALIAÇÃO DO MESTRE


Moon[light]
Gladiador

Aphaca

Notas

Ortografia: 9,8
Coerência: 9,5
Narrativa: 10,0
Criatividade: 9,5

Nota Final


9,7
         

Kazuyashi
Desafiante

Simiótica Dimensional

Notas

Ortografia: 9,5
Coerência: 10,0
Narrativa: 9,5
Criatividade: 10,0

Nota Final


9,8

Vocês não tem ideia de quão difícil foi avaliar esses dois textos pois ambos estão excelentes. Como puderam perceber, a diferença entre as duas médias foi de apenas um décimo. Na verdade foi de apenas meio décimo, mas arredondei as notas porque, convenhamos, isso aqui não é faculdade de Engenharia pra ter que ficar considerando até a segunda casa decimal. Se eu pudesse eu daria o prêmio para os dois, mas infelizmente não é assim que a banda toca. Posso até ter errado nas notas, não gosto muito desse sistema de pontuação, mas espero que tenha sido o mais imparcial possível.

Aphaca:

Eu tiro o chapéu para a capacidade do Moon[light] em escrever uma história de ficção científica, um tema que eu tento fugir a toda velocidade. Os detalhes do texto, principalmente os científicos, ficaram muito bem feitos e a história se desenvolveu no ritmo certo, com um final que eu considero no mínimo inusitado. Perdeu alguns décimos devido a dois erros ortográficos que eu notei no texto. Na questão da coerência eu tirei meio ponto por causa do final que, apesar de ser bem surpreendente, achei um tanto estranho. E pra fechar, na criatividade, tirei mais outro meio ponto pois notei muitas semelhanças com a famosa série de ficção científica: Star Trek. Aliás, creio que o nome do Dr. Armand Nimoy foi uma referência ao ator que fez o papel do icônico Spock, Leonard Nimoy. Enfim, mesmo com esses dois detalhes a história está excelente. Parabéns, Moon[light]!

Simiótica Dimensional

Admito que teve alguns momentos na história que eu tive que ir buscar um dicionário pois algumas palavras fugiam do meu vocabulário extremamente informal. A narração do texto do Kazuyashi ficou muito boa, seguindo as raízes um pouco depressivas do jazz que o autor tanto gosta. Embora eu a tenha curtido, achei que ficou um pouco monótona então cortei meio ponto dela. Outros pontos foram tirados, assim como no texto do Moon[light], em vista de alguns erros ortográficos. Mexer com dimensões paralelas e misturar ainda com um pouco de elementos psicológicos pode ser uma tarefa bem difícil para um escritor, porém o Kazuyashi conseguiu utiliza-la muito bem na sua história proporcionando uma explicação bem condizente. Outro texto excelente e o autor também está de parabéns!


» O GLADIADOR

E com isto, o vencedor deste desafio é o Desafiante [user]Kazuyashi[/user]

Parabéns pela conquista e por conseguir o posto de Gladiador, agora vejam os comentários da plateia sobre sua disputa!

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Viva a lenda!



Visto o tamanho das duas histórias e o limite de caracteres tive que separar os textos do comentário de resultados.

Texto do [user]Moon[light][/user].

Aphaca
— Senhor, detectamos um sinal estranho – disse a navegadora.
— Consegue colocar na tela? – perguntou o capitão.
— Sim, senhor.
Com o pressionar de alguns botões, a navegadora fez surgir na tela projetada ao centro da sala a imagem do espaço salpicado de estrelas. A câmera gradualmente focou-se num único ponto, revelando de pouco em pouco um estranho objeto flutuando à deriva no vazio. Parecia-se com uma enorme rocha ou cristal, muito brilhante e de um tom translúcido de roxo. A rocha, ou que quer que fosse o objeto, ao mover-se, deixava para trás uma longa, fina cauda luminosa.
— Senhor, o objeto parece emitir um tipo de energia – disse o conselheiro científico.
— É radioativo? – o capitão perguntou.
— Os aparelhos indicam que não. Na verdade senhor, a energia não parece ser de nenhum tipo conhecido.
— Tem certeza disso?
— É o que os aparelhos indicam. Mas gostaria de poder estudar o objeto de perto se possível, capitão.
— Negado. Não sabemos do que se trat. Marquem a posição dele e mandem um aviso para a frota. Se eles estiverem interessados, podem mandar uma equipe cuidar disso.
— Mas, senhor, nós somos a única equipe da frota nesse setor. Até que uma equipe científica chegue aqui, podemos perder ele de vista ou ele pode ser pego por piratas. Se isso acontecer, talvez percamos uma descoberta importante.
— Você está me pedindo para trazer um objeto que emite um tipo de energia desconhecido para dentro da minha nave. Você entende isso?
— Entendo perfeitamente, capitão. Não só entendo como acredito que estamos perfeitamente equipados para lidar com isso. Acho que não preciso lembrar que essa era originalmente uma nave de exploração. Nosso laboratório tem os equipamentos necessários para que possamos lidar com qualquer eventualidade.
— Você pode me garantir isso?
— Apostaria meu posto nisso.
— Certo. Tragam o objeto para a nave. Tenente Stokes, ative os raios tratores. McGregor, vá até as docas com seu pessoal e cuide que a pedra chegue ao laboratório. Por segurança, usem os trajes de risco.
— Sim, senhor – McGregor disse.
A navegadora iniciou a sequência de comando, repassou a mensagem para a sala das máquinas, e então o raio trator foi ligando, disparando um feixe de luz em direção ao objeto, puxando-o lentamente para dentro da nave.

— Vamos entrar – disse o líder da equipe.
— Entendido – disse uma voz feminina ecoando pelas caixas de som instaladas nas paredes. – Vou baixar a ponte.
A porta atrás da equipe de recuperação se fechou. Dali em diante e até que cumprissem a missão, não poderiam voltar à nave. O líder iniciou os contadores das roupas, ajustando-os para o nível de oxigênio restante.
— Preparem as armas – o líder disse.
Os outros dois homens ajustaram seus rifles, calibraram a mira e deixaram-nas prontas para disparar. Todos os processos prontos, ao comando do líder, o grupo seguiu adiante para dentro da nave.
— Johnson, tem algum sinal de vida? – o líder perguntou.
— Sim, senhor. Bem, mais ou menos.
— O que você quer dizer com "mais ou menos"?
— O sinal é estranho. Definitivamente é uma forma de vida, mas não sei dizer mais que isso.
— Acha que pode ser alienígena?
— Não sei, senhor. Sinceramente não sei. Mas se for, não é como os que a gente vê na frota.
O terceiro homem bateu com sua arma nas costas de Johnson, que respondeu com seu melhor grito.
— Qual o problema, Johnie? – disse o terceiro homem. – Está com medo dos homenzinhos verdes?
— Vai se foder, cara!
— Silêncio, vocês dois! – grunhiu o líder. – Ainda não sabemos o que aconteceu aqui. Até onde eu sei pode haver piratas com algum tipo de equipamento esperando por nós no próximo corredor.
— Sinto muito, senhor – disse o terceiro homem enquanto continuava a cutucar Johnson.
— Vai se foder, cara – Johnson reclamou. – Vai se foder.

Quando a equipe de segurança terminou de carregar o objeto para o laboratório e o depositar sobre a mesa de trabalho, o conselheiro científico mandou que todos saíssem. Iria começar a trabalhar imediatamente e não queria ser incomodado de modo algum.
— Avise se precisar – disse um dos camisas vermelhas.
Uma vez sozinho em sua sala, o conselheiro científico pôs-se a admirar o objeto. Era, olhando de tão perto, muito bonito, possivelmente um dos mais bonitos que vira em toda a vida. Contudo não era para louvar a beleza que ele estava ali, portanto logo deixou isso de lado e deu início aos processos básicos. Usando do scanner embutido em sua roupa, leu o objeto para todos os tipos de radiação e ondas conhecidas nas bandas mais comuns, apenas para confirmar os resultados dos scanners da nave. De fato, a energia emitida pelo objeto era única, provavelmente de um tipo jamais catalogado. Se conseguisse estuda-lo, poderia ficar famoso. Não havendo radiação, o conselheiro científico se permitiu baixar os escudos e se expor diretamente ao material.
— Bem, bem. O que temos aqui? – ele murmurou para si mesmo.
O conselheiro ligou o gravador que deixava em sua mesa, recolheu os instrumentos e deu início ao processo sério. Posicionou o scanner de mesa e a sonda de profundidade sobre o objeto, ativou os leitores de matriz, os medidores de massa e, por fim, preparou a broca.
— Esse é o doutor Armand Nimoy e nesse momento estou prestes a começar a análise de um objeto que veio à minha atenção hoje. Trata-se de uma estrutura de rocha e cristal não radioativa que emite algum tipo de campo energético ainda não identificado. Imagens do objeto estão anexas à gravação. Pretendo tentar obter uma amostra do material para testes químicos. Acredito que ele possa conter algum tipo de composto desconhecido. Usarei a broca de diamante para isso. Os leitores de matriz e massa indicam que o objeto é quase todo sólido, porém que possui algo diferente em seu núcleo. Provavelmente não vai acabar muito danificado pela broca. Veremos.
O conselheiro ligou a broca, segurou-a firme, apontou e, com um impulso do braço, forçou-a a contra a superfície do objeto. Porém, para a surpresa do cientista, ao invés da resistência de uma massa sólida, a ponta da broca encontrou o ar e após ele a mesa de trabalho. Como um animal que tenta se esquivar, o objeto mudara sua composição física para evitar a broca. O conselheiro largou a broca ali mesmo, sem sequer desliga-la, apenas para ver, novamente, o objeto se transformar como feito de algum tipo de líquido.
Embasbacado, o cientista conseguiu apenas articular simples, ainda que claras, palavras.
— O que é você?

Logo a equipe de recuperação chegou ao final das docas. Se os mapas estivessem certos, dali eles apenas precisariam seguir pelo corredor principal e chegariam às escadas de acesso à sala das máquinas. No escuro, porém, e contando apenas com as lanternas embutidas nos trajes, era difícil se guiar pelo intrincado labirinto que era a nave. Tinham de se virar com os mapas dados pela Frota. No fim da doca, o líder ordenou que Johnson abrisse a porta de acesso ao corredor. Os controles principais, porém, não respondiam, nem o faziam os gatilhos de segurança.
— Não abre – Johnson disse. – Alguma coisa deve ter travado. Não a para passar por essa porta.
— Acha que dá para abrir com o cortador de plasma? – perguntou o líder.
— Talvez, mas vai demorar umas duas horas para passar por esse metal todo.
— Não temos tanto tempo assim. Gabriel, encontre outro caminho.
—  Sim, senhor – disse o terceiro homem.
Da mochila que carregava, Gabriel tirou uma esfera metálica e alongada e a pousou no chão. Ao ser solta, a esfera começou a projetar um mapa tridimensional da nave. Girando-o e analisando-o, Gabriel logo encontrou o que procurava.
— Tem uma saída de emergência que podemos usar – ele disse. – Vamos ter que passar para fora da nave por um momento, mas não deve ter nenhum problema com isso.
— Certo. Vamos usá-la – concordou o líder. – Ouviu isso, Tina?
— Alto e claro, chefe – disse a voz feminina.
— Ótimo. Gabriel, vai na frente.

— O que você quer que eu veja? – o capitão perguntou assim que entrou no laboratório.
No momento em que viu o capitão entrar, o conselheiro científico pediu para que ele trancasse a porta e apenas quando o capitão o fez e os dois estavam definitivamente sozinhos na sala, o cientista começou a falar.
— Acho que vai achar isso no mínimo interessante, capitão. Eu estava terminando os testes preliminares no objeto, já tinha feito todas as medições e análises e confirmado que a energia que vinha dele era diferente das que conhecemos. Pensei me pegar uma amostra do material e fazer alguns testes químicos com ela, para tentar descobrir algo sobre o material de que ele é feito. Mas quando eu ia usar a broca para retirar uma amostra, o material mudou de configuração física para evitar ser tocado. Ele literalmente fugiu da broca.
— O quê? Eu não sei se entendi o que você está tentando me dizer.
— Acho que vai ficar mais claro se eu mostrar. Só se afaste um pouco, tudo bem?
O conselheiro científico pegou a broca e com ela outra vez tentou penetrar o objeto, porém, como antes, sem dar chance para que a broca se aproximasse, o objeto se transformou. Ao ver isso, foi a vez do capitão falhar em prender uma interjeição.
— Viu o que eu disse? O objeto possui um sistema de autodefesa. Ela está tentando se proteger da broca.
— Você quer dizer que essa coisa é inteligente?
— Não necessariamente. É uma possibilidade, mas de modo algum a única. Existem outros materiais que reagem a ameaças desse modo, então pode se tratar de algo do tipo. Não tem como saber com total certeza a menos que eu faça mais alguns testes.
— Não.
— O quê?
— Eu disse que não. Vamos nos livrar dessa coisa.
— Mas, capitão...
— Eu não vou colocar mina nave em risco. Essa coisa pode muito bem ser perigosa.
— Mas, senhor, essa pode ser uma descoberta inestimável! Apenas imagine o que poderíamos fazer caso tivéssemos esse material em nossas mãos! Imagine o potencial! Apenas... apenas me deixe estuda-lo mais um pouco!
— Se eu fizer isso, vou colocar a nave inteira e toda a tripulação em risco.
— Senhor, eu posso garantir que não há perigo algum. Mesmo que o objeto tenha um sistema de autodefesa, não é nada agressivo. Eu duvido que esse objeto possa oferecer qualquer risco à nave1 Ele sequer possui uma forma de ataque! E se sua preocupação é tão grande pode deixar o pessoal da segurança aqui o tempo todo. Os camisas vermelhas vão saber lidar com qualquer problema que surgir! Isso se houver algum.
— Eu aceitei quando você me pediu para trazer essa coisa para essa nave mesmo sabendo que isso era perigoso. Agora você me pede para arriscar de novo?
— Senhor, eu posso garantir com toda a certeza que nada vai dar errado.

A saída que Gabriel indicara ficava escondida num canto das docas. Como tudo mais na nave, aquela porta parecia abandonada, mas ainda funcional.
— Acho que podemos usa-la, senhor – disse Johnson. – Está um pouco enferrujada, mas ela não depende dos computadores, então deve dar para abri-la.
— Certo. Gabriel, vai na frente.
— Sim, senhor.
Gabriel apertou as alças da mochila, prendeu a arma firmemente às costas e lá se foi. A manivela de abertura da porta estava dura, provavelmente não era usada havia um bom tempo, porém eventualmente cedeu. Johnson e o líder do grupo se agarraram às hastes de segurança.
— Vou abrir – Gabriel disse.
E ele abriu. Com o empuxo da pressurização, os três homens teriam sido arrancados para fora da nave não tivessem se agarrado firmemente. Todos os objetos que estavam soltos foram jogados para fora com absurda força. Só depois que mais nada estava sendo jogado e que o choque inicial havia se passado foi que Gabriel se aprontou para sair. Ele respirou fundo, soltou as barras e lá se foi.
Estava solto no espaço, nada o segurando, nada o protegendo. Por um momento, ele flutuou em direção ao infinito. Quando esse segundo passou, as botas magnéticas se ativaram automaticamente e se agarraram firmemente ao casco da nave.
— Vou abrir o caminho para vocês – Gabriel disse. – Esperem só um pouco.
A porta pela qual eles deveriam voltar para dentro da nave estava apenas a alguns metros de distância da saída de emergência. Não era uma caminhada particularmente difícil, embora a necessidade de usar as botas magnéticas a tornasse razoavelmente cansativa. De um modo ou de outro, não deveria dar nada errado.
Quando Gabriel alcançou a porta de reentrada, deu logo início ao processo de abertura. Não tinha muito tempo até que o traje começasse a falhar devido à temperatura, então teria de agir rápido. Ele procurou as alavancas de abertura, duas pequenas barras de aço laranja, e ao encontra-las logo se pôs a puxar. E a puxar. E a puxar. Não adiantava, a porta não abria. Provavelmente havia algum problema com a pressão no interior da nave. Se fosse mesmo isso, não teriam como entrar.
— A porta não abre – Gabriel disse. – E a minha roupa não vai aguentar muito mais. Vou voltar para dentro, senhor.
— Certo – o líder disse. – Ouviu isso, Tina? Prepare o abridor de latas. Vamos ter que reiniciar a missão.
Dessa vez, não houve resposta.
— Tina, está me ouvindo? Tina? Tina! Droga, mulher, responde! Johnson, o que diabos está acontecendo com os transmissores?
— Eu não sei, senhor. A comunicação está off-line.
— Disso eu sei, porra. Quero saber por que ela está off-line.
— Não faço ideia, senhor. Estava tudo normal um segundo atrás.
O líder do grupo ligou suas botas magnéticas e correu até a área de observação. Pelo vidro, dava para ver que a nave em que haviam vindo ainda estava lá, porém todas as luzes e até os motores estavam desativados.
— Que porra é essa?
Uma faísca metálica brilhou da porta pela qual Gabriel saíra, enquanto lentamente as placas de metal se deslocavam fechando o caminho.
— Que merda! – Johnson gritou. – As portas estão fechando! Gabriel, cara, sai daí!
Gabriel tentou correr, tentou avançar, seu corpo pesava, as botas o prendiam, a roupa estava em seu limite. Num momento de desespero, ele decidiu apostar tudo. Gabriel desligou as botas e saltou.
E então os motores da nave ligaram.
Ela disparou centenas de metros à frente. A última coisa que o líder e Johnson ouviram do canal de Gabriel foi seu grito abafado pelo ruído do capacete sendo esmagado pelo impacto da nave. A porta se fechou e tudo se calou.

Assim que o capitão saiu do laboratório, o conselheiro científico correu atrás dos funcionários da segurança. Pegou os dois primeiros que viu e os arrastou ao laboratório, explicando a situação no caminho.
— Mas, senhor – disse um dos camisas vermelhas. –  onde está o tal objeto?
Quando entrou no laboratório e viu a mesa de análise vazia, essa foi a mesma pergunta que o conselheiro científico se fez. Depois disso, voaram aparelhos, viraram-se mesas, tornou-se o laboratório ao avesso e de volta. O objeto não apareceu.
— As câmeras! – o conselheiro científico disse.
Ele correu até o centro de vigilância, abriu caminho até o controle das câmeras aos gritos e aos gritos exigiu que lhe mostrassem as gravações do laboratório. O vigia não discutiu. O vídeo foi colocado para tocar no projetor. Primeiro apareceu o objeto imóvel sobre a mesa de análise, porém logo o inacreditável ocorreu. O objeto começou a se mover por conta própria, se transformar. Esticou-se, afinou-se, surgiram-lhe fios que se espalharam pelo laboratório, penetraram nas paredes da nave, desaparecendo, absorvendo. Mais e mais tentáculos surgiram até que do objeto em si não restou nada.
O vigia parou o vídeo. Ninguém disse uma palavra. Ficaram ali, olhando para a tela em absoluta perplexidade. O vigia tocou o vídeo novamente. As mesmas imagens apareceram. Tocou de novo. Mesmas imagens. Teria tocado outra vez não tivesse o conselheiro científico o impedido.
— Eu vou falar com o capitão – disse o cientista.
Ante que o conselheiro científico saísse da sala, porém, toda a nave tremeu, gritou e, por fim, parou. Todas as luzes, todos os sistemas, tudo se calou. A temperatura começou a cair, a gravidade artificial falhou, os níveis de oxigênio caíram.
Era como se, num instante, a nave tivesse morrido.
Gritos vieram de toda a parte. Uns de dor, outros de medo, ainda alguns de espanto. O conselheiro científico agarrou-se ao primeiro objeto preso que viu. Puxou a lanterna de bolso e começou a se arrastar pelo ar. Precisava, mais do que nunca, chegar ao capitão.

— O que a gente faz agora? – Johnson perguntou.
Era a terceira vez que ele fazia a mesma pergunta. O líder se segurava para não acerta-lo com seu melhor soco.
— A Tina sumiu, o Gabriel morreu e a gente está preso aqui! – Johnson disse.
— Eu sei disso, porra! Ficar repetindo não vai tirar a gente daqui.
— E o que a gente faz? Como a gente sai daqui? Está tudo trancado?
— Eu sei como...
O líder correu até a porta de acesso ao corredor principal, arrancou fora o cartucho da  sua arma, amarrou-o às travas da porta e se afastou.
— Sua arma – ele disse.
— O que você vai fazer?
— Me dá a arma e você vai ver.
Relutante, Johnson obedeceu. O líder pegou a arma, mirou no cartucho e atirou. Quando a bala atingiu o alvo, as cargas explodiram, espalhando pelas docas o som e o brilho de um raio, jogando pelos ares faíscas e lascas de aço. Quando o silêncio e o escuro voltaram, não restava mais nada das travas da porta.
— Por que você não fez isso antes? – Johnson questionou.
O líder jogou a arma de volta para Johnson e começou a empurrar a porta.
— Me ajuda aqui! – o líder gritou.
Johnson prendeu o rifle nas costas e lá se foi a ajudar. A porta cedeu, liberando o caminho para o corredor principal. O líder aumentou a potência das luzes embutidas na roupa ao máximo, revelando o estado da nave. Nesse momento, Johnson entendeu.
Por metros e metros, os cadáveres da tripulação da nave flutuavam em meio a um flutuante rio de sangue.
— Se alguma coisa se mexer – o líder disse – você atira.
— Por que eu?
— Por que você é um merda de um covarde, Johnson. Por que você é um cagão do caralho que vai apertar a porra do gatilho até se um rato aparecer. E se a porra que fez isso aqui aparecer você vai descarregar o pente inteiro. Talvez assim a gente saia daqui vivo.

A cada minuto que se passava, a situação na nave piorava. Grupos se reuniam para tentar resgatar pessoas presas em salas, enfermeiras atendiam feridos nos corredores, pessoas perdidas corriam de um lado para o outro sem saber o que fazer.
Assim que conseguiu chegar à ponte de comando, o conselheiro científico descobriu que ali nada estava diferente. O capitão urrava ordens, mandava que checassem a sala de máquinas, que buscassem o chefe da segurança, que mandassem um pedido de socorro para todas as naves presentes no setor.
— Capitão! – o conselheiro científico gritou ao entrar.
Ao ouvir a voz do cientista, o capitão  saltou contra ele, agarrando-o pelo pescoço, apertando-lhe contra a parede.
— O que está acontecendo? – o capitão grunhiu. – O que você fez?
— Foi o objeto, senhor. Ele fez algo com a nave!
— Como? O que era aquilo? Era uma arma? Era?
— Eu não sei! Ele entrou na nave e depois desapareceu! Era como um tipo de vírus... Ele deve ter tomado conta da nave.
O  capitão largou o conselheiro científico no chão e ele lá ficou, cabeça baixa, expressão estarrecida.
— Uma infecção! – o capitão disse – Eu sabia que devia ter jogado aquela coisa fora. Vamos nos livrar dessa coisa. E depois disso, você vai responder por isso!
— Eu entendo.
— Bom mesmo. Agora precisamos de um jeito de colocar essa nave de volta para funcionar.
— Talvez se conseguíssemos reiniciar os sistemas da nave pudéssemos forçar o objeto a agir de novo. Nesse meio tempo talvez pudéssemos capturá-lo.
— Tem certeza de que isso vai funcionar?
— Não. Mas é só isso que podemos fazer.
— Certo. Você vem comigo. Eu vou pegar os camisas vermelhas. E é melhor que isso funcione. Para o seu bem.
— Se isso não funcionar, capitão, estamos todos mortos.

O corredor inundado de sangue parecia vazio de qualquer forma de vida. O líder mantinha os olhos no scanner a todo o momento, esperando captar qualquer mudança. Porém, em nenhum momento surgiu algo além daquele mesmo sinal estranho. Perto do fim do corredor estavam as escadas de acesso à sala de máquinas.
— Vai na frente – o líder ordenou para Johnson.
Seguiram adiante cautelosos como ratos na toca de um tigre, descendo degrau por degrau, olhando para todos os cantos a cada segundo. Nada apareceu.
No fim da escada, uma porta levava à antessala que os levaria até a sala das máquinas. O líder se aproximou do painel ao lado da porta e pressionou o botão de abertura. Não esperava que funcionasse, porém, para sua surpresa, a porta respondeu com um resmungo mecânico e liberou a passagem. O líder fez sinal para que Johnson liderasse o caminho, e assim ele o fez.
Johnson aumentou a potência das luzes  da roupa ao máximo, vasculhou a antessala pelo lado de fora, checou todos os aparelhos. Silêncio.
— Parece limpo, senhor.
— Ótimo. Entra.
— Senhor, eu preferia não entrar.
— Johnson, se você não entrar aí, se você não for até aquela maldita sala das máquinas e ligar o motor da nave, nós vamos morrer. Você quer morrer, Johnson?
— Não, senhor.
— Então entra logo!
Johnson não cogitou reclamar. Ele checou outra vez o scanner de sua roupa e quando o resultado foi um silêncio imóvel, ele respirou fundo e entrou.
Um passo e nada.
Dois passos e nada.
Três passos e nada.
Ele checou novamente os sinais. Nenhuma resposta.
Silêncio. Ele continuou caminhando, cuidadoso, pulso corrido, coração batendo pesado, passos balançando o piso, dedos prontos para disparar, pernas tremendo.
Tudo parado. A porta estava logo ali. Só mais alguns passos. Estava perto. Faltava pouco. Não ia demorar. Não tinha nada ali. Não tinha nada ali. Não tinha nada ali.
Três passos e nada.
Dois passos e nada.
Um passo e nada.
A antessala ficou para trás. Á sua frente, Johnson via só a sala de máquinas.
— Está limpo, chefe! – ele gritou.
Não houve resposta.
— Senhor?
Um chiado vazou pelas paredes da nave enquanto as portas da antessala se fecharam antes que Johnson pudesse reagir.
— Não! – ele gritou.
Johnson tentou atirar na porta, mas as balas pararam no metal. Estava preso. Estava sozinho. A temperatura na sala das máquinas começou a subir. Ele conseguia sentir o calor invadindo sua roupa, seu oxigênio no fim. Tinha de terminar o serviço. Religar o motor, tomar a nave, tira-la dali. Daria um jeito. Sairia vivo dali. Tinha certeza disso.
Até que ele olhou para trás.

O grupo liderado pelo capitão cruzou os corredores sem parar por nada até chegarem à antessala. Diante da porta de aceso, porém, tiverem que se deter. Estava trancada.
— Abram fogo! – o capitão ordenou.
Os camisas vermelhas descarregaram a primeira carga dos rifles na porta, sem, contudo, conseguir penetra-la. Ao que o capitão se preparava para ordenar uma segunda salva, porém, a porta se abriu.
— O que é isso? – o capitão perguntou.
— Talvez seja o sistema de autodefesa da nave. Ela abriu a porta para evitar danos maiores à estrutura.
— Isso não faz sentido.
— Não consigo ver outra explicação.
— Que seja. Em frente!
O pessoal da segurança foi na frente, marchando e apontando. Atravessaram a antessala em questão de segundos e chegaram então à sala das máquinas.
— Capitão – um dos camisas vermelhas disse. – Acho que você deveria ver isso.
O capitão e o conselheiro científico correram para a sala das máquinas e quando seus olhos cruzaram o vidro de segurança e avistaram os motores da nave, suas bocas articularam um grito acuado. Os motores da nave, os cristais que eram seu coração, pulsavam sob centenas, milhares de fios arroxeados.
— Aquilo dominou a nave – o capitão murmurou.
Os motores da nave ativaram, todas as luzes de emergência se acenderam, um gigantesco sinal de alerta ecoou por dentro das paredes. As portas da antessala e da sala das máquinas se fecharam prendendo a todos.
Em seu scanner, o conselheiro científico captou novamente o sinal do objeto, porém não mais vindo de nenhum ponto, mas de toda a nave, muito mais intenso, muito mais claro. E conforme a imagem das leituras se formou, o conselheiro científico compreendeu a horrenda verdade.
— O objeto não é uma infecção... – ele murmurou. – O objeto não fez nada... é a nave. Foi a nave que o dominou.
— O que isso quer dizer? – o capitão perguntou.
— O sinal não era um pedido de ajuda. Era um chamado de acasalamento. A nave, capitão, a nave está viva...

Enquanto jazia deitado no chão esperando a morte, Johnson assistia silenciosamente o desenrolar da canção da nave. Seu coração pulsante enviava sinais para todo o espaço, esporos sonoros que atrairiam outras naves e nelas plantariam suas sementes.
Nos seus últimos momentos, Johnson viu a nave ligar seus projetores e lançar diante dele a imagem do espaço e dos milhares de outras naves que como ela viajavam pelo espaço sozinhas, como dentes-de-leão ao vento procurando terreno fértil onde plantarem-se, crescer e um dia também lançarem suas crias. Assim prossegue o ciclo da vida.
[close]

Viva a lenda!



Texto do [user]Kazuyashi[/user].

 Semiótica Dimensional
Bem aqui, neste banco horrível de boteco, ao intercalar de um copo ou outro de uísque sem gelo, ao som do consolo frágil e despercebido do barista, meus pensamentos parecem destruir mais ainda a pouca sanidade que tanto custei para manter. Como se algo assim fosse possível.
Sim, raios, sim. Eu me lembro de você, Patrícia, e de como desgraçou minha vida tão amorosamente. Não precisa martelar minha cabeça com essas vozes burocráticas e ensandecidas. EU SEI QUE VOCÊ MORREU POR MINHA CULPA. Eu sei; os sessenta cigarros diários atochados nos meus alvéolos sabem; até mesmo esses ébrios escalafobéticos do meu lado, que nunca me viram e tampouco te conhecem, parecem saber, já que provavelmente estou aos berros, tentando espantar de mim o grande incômodo de ti que me restou.
Essa claridade artificial fosca de tons marrons; esse verniz vomitado e escarrado no balcão e nas paredes; essa musica ambiente – Ray Brown, "My Funny Valentine", se o meu senso de jazz permaneceu inalterado durante estes cinquenta anos – me fazem querer arrancar os meus próprios olhos e enfiá-los cada um em uma orelha. Essa fossa e esse zum-zum-zum demisso já estão me dando nos nervos.
Não sei se é dia, não sei se é noite, não sei, sequer, quanto tempo passei sentado aqui, tentando ejetar-me desta dura e ingrata realidade. E pensar em tudo o que já fiz pelo meu país! Diabos, um jornalista deveria ser melhor recompensado. Ou, pelo menos, deveria receber um estoque vitalício de vodca "Balkan" em sua aposentadoria. Seria, talvez, menos frustrado assim. De uma forma ou de outra, isso já não me interessa mais. Beber já não está mais dando certo, uma vez que eu ainda lembro o meu nome. Preciso encontrar outra fuga. Preciso encontrar uma solução. Sarah talvez seja a minha resposta. Preciso vê-la.
Paguei a conta e saí.
Do lado de fora, descubro, ou melhor, comprovo, que o Rio de Janeiro fervoroso, receptivo, expoente da beleza mais irresistível, é completamente uma falha ideológica que só existe na imaginação de quem não é carioca. Olhando o céu empanado de névoa e garoa, é fácil chegar à conclusão de que ele deveria permanecer para sempre cinza, em respeito à tristeza que é olhar para a falta de bom senso, em termos de moda, dos moradores da zona sul. Se vestir mal deve ser um bálsamo para esse povo. Esse cidadão vestido de "astronauta" do outro lado da rua, por exemplo, com certeza confirma o meu pensamento. Não deve haver outra explicação mais plausível. Será que ninguém mais percebeu o traje ridículo que aquele homem está usando? Bando de insanos.
Enquanto contemplo nas ruas aquela deturpação extravagante de todo trato universal tecido ao longo das eras, um táxi responde ao meu chamado. Entrei. Do lado de dentro, descubro que ainda são vinte e duas e trinta e cinco de uma tediosa sexta-feira. O táxi andou. Saímos da Rua Barão de Jaguaribe, em Ipanema, e peço para que ele me leve à Rua Rodolfo Dantas, em Copacabana. Tomara que Sarah esteja em casa. E tomara que Rodrigo não esteja lá.


Vou no carona. Tenho a sorte de pegar um taxista, hum, digamos, mudo. Isso me poupa das entediantes e previsíveis conversas sobre o clima, sobre como a cidade é maravilhosa, ou sobre o "jogaço" do Flamengo da última quarta-feira. No rádio, a voz e o violão de Edu Lobo, interpretando Chico Buarque, embalam mais uma vez os meus pensamentos mais intrincados. "Vivia a te buscar, porque, pensando em ti, corria contra o tempo. Eu descartava os dias em que não te vi como de um filme; a ação que não valeu[...]". Maldição. Como não reconhecer "Valsa Brasileira"? Essa foi a música que dediquei à Patrícia, no momento em que a havia conhecido.
Deve ser a distração do movimento do carro, mas pelo menos dessa vez as vozes nauseantes não vieram me atormentar. Ou então sequer as percebi; o uísque gerou efeito tardio e me deixou numa embriaguez singular e improvável, já que ainda sei como me chamo. Pouco provável, realmente. Costumo beber e apagar. Enfim.
Olho lá fora. Uma senhora atravessa a rua "adeus dará" e quase é atropelada pela Mercedez-Benz SLG do nosso lado. É engraçado como a vida pode acabar a qualquer instante e de forma tão banal. Isso me faz pensar no porquê de nos esforçarmos tanto por algo. Vale a pena? Bom, talvez valha. Quem sabe se eu tivesse me esforçado mais, me profissionalizado em outra coisa, num golpe de sorte não pudesse ser eu a dirigir aquela máquina que vai de zero a cem em três segundos. Não, mentira. Não poderia. Além de todo o esforço, quem tem um carro daquele não pode ser boa gente. Não que eu seja, mas daí a me tornar mafioso é outra história. E eu tive outras prioridades na vida. Enfim. A chuva começa a apertar e o taxista prefere ligar o para-brisas. Continuamos calados.
O trajeto todo dura mais ou menos uma hora, uma hora e meia. A chuva parou, mas a neblina permanece. Engarrafamento. Pegamos a Visconde de Pirajá, depois caímos na Francisco Sá, cruzamos boa parte da Nossa Senhora de Copacabana, manobramos na Belfort Roxo, na Avenida Atlântica e, por fim, chegamos à Rodolfo Dantas. Quando saio do carro, já prestes a pegar o dinheiro, o taxista se pronuncia pela primeira vez. Diz-me que a corrida fora de cortesia e que, portanto, não é necessário o pagar.
Onde já se viu uma coisa dessas? Não no Rio de Janeiro, com certeza. Será que eu saí do estado por engano? Claro que não. Não teria como algo assim ser possível. Será que meu dinheiro vale menos que o das outras pessoas? Isso seria ainda mais ridículo. Ou ele sabe que eu sou um jornalista aposentado e frustrado e resolveu se compadecer? Quem sabe.
Enfim. Acho melhor agradecer ao exótico taxista e ir para o edifício de Sarah. Ao me afastar alguns passos, no entanto, não só o vi ainda ali, estacionado, como também o pude ouvir a me chamar. Resolvo me virar e acabo notando um sorriso embuçado, desenhado embaixo daquele bigode português proeminente. Por si só já é estranho, mas... "Cuidado com o que você enxerga. Esquizofrenia e realidade não são tão diferentes. Separam-se apenas por uma única dimensão". Ele sorri por mais um tempo e vai embora. Assim, desse jeito. Sem mais, nem menos, nem nada. O que posso dizer? Muito estranho. Muito estranho mesmo. Sequer sei mensurar o quanto e sequer sei achar outra palavra para definir a situação. Atitude realmente suspeita, amedrontadora e estranha. Mais estranha do que tudo. O que diabos será que ele quis dizer? Enfim. Estranho. A chuva torna a cair.


Decido, em todo caso, ignorar aquilo. Já tenho problemas demais na cabeça e ficar pensando em possibilidades que frases tortas podem significar não me parece agradável. Tomara que não signifiquem nada e que nunca mais eu veja aquele lunático. De louco, aqui, eu já me basto. Enfim. Ah, eu preciso parar com esse vício chato de "enfim". Acho que não vou conseguir. Enfim.
Tenho de me concentrar no meu objetivo: Sarah. Preciso falar com ela, que, a propósito, mora com o marido, Rodrigo, um neurocirurgião de fama internacional, num tríplex de trinta milhões, praticamente de frente para a praia.
É. Ela tem uma boa vida. Quer dizer, menos quando o animal do seu companheiro bebe e resolve descontar nela o estresse do dia-a-dia profissional com uma surra bem dada. Coitada. Se já não bastasse um alcoólatra asqueroso convivendo com ela no mesmo teto, precisou se envolver com outro de um teto à parte. Mas eu nunca a agredi. Aliás, nunca agredi mulher alguma. A não ser em momentos íntimos, mas essa é outra história.
Mal me aproximo da portaria e já vejo Jaime, o porteiro, interfonando para a cobertura de Sarah.
— Boa noite, seu Alberto — diz-me com aquela voz rouca de fumante, que, por sinal, eu também possuo. — Não imaginei que o senhor viesse essa noite, ainda mais com esse toró que desabou.
— Nem eu, Jaime.
— Está com sorte. O Doutor Rodrigo não está.
Jaime sorri maliciosamente quando termina de articular as últimas palavras. Ele sabe do, digamos, "caso extraconjugal" de Sarah comigo. E isso nem de longe é ruim.
Se há uma coisa que aprendi em todos esses anos é que, nesse tipo delicado de situação, o porteiro pode ser tanto o seu salvador como o seu carrasco. É preferível, então, tê-lo como um bom amigo. Deixe-o a par do problema, dê alguns presentinhos para ele e sempre o terá do seu lado, dando cobertura.
Jaime é uma espécie de escudeiro e isso é benéfico, mesmo que o "escudo" tenha sido caro – uma televisão cinquenta polegas, o conserto do carro, um aumento salarial de dois mil reais e um extra de três mil por mês – e mesmo que, uma hora ou outra, precise ser reparado.
Apesar de me acobertar e de me extorquir amigavelmente, entretanto, não gosto muito de conversar com ele. Além do português grosseiro que prolifera, muito por ser analfabeto, o seu fedor de cigarro é irritante, quase insuportável. E fumantes inveterados como eu só toleram a própria fumaça.
Antes que qualquer papo prosseguisse, desconfortável, Sarah autoriza minha entrada. Jaime me dá um asmático "até logo" e eu me mando com a roupa aos pingos para o elevador. Molhei todo o caminho e Jaime que se vire depois para limpar. Enfim. Assim que adentro, surpresa: um aparato metálico, completamente bizarro, espremido na cabine, me rouba a atenção. Nunca vi aquele tipo de tecnologia, quem dirá num elevador. E o mais assustador é olhar para o lado e ter uma segunda surpresa: presenciar, tão superapertado quanto o aparato desconhecido, uma espécie de dinossauro metade robótico, metade orgânico, a o operar e a emitir um estranho rugido enquanto o faz.
Pisco os olhos várias vezes; esfrego as mãos na vista incansavelmente, mas a imagem permanece. Céus. Que porre louco. Nunca fiquei assim. Talvez eu deva ter fantasiado as palavras insanas daquele taxista, no fim das contas. Minha birutez deveria ganhar um prêmio. Engraçado é que aquela coisa parece nem me notar. Enfim. Quem se importa com isso? Preciso é ver Sarah logo. E me livrar desse cheiro horrível de tabaco alheio. Tchau, dinossauro robô-orgânico, emissor de gemidos grotescos e operador de maquinários esquisitos. É melhor me controlar na bebida se for para que me afete deste modo.


Deixo a cabine e paro por uns dois minutos em frente à porta, que logo se abre. Lá está ela: linda, com aquele típico cabelo negro, longo e liso, a emoldurar o belo e jovial rosto branco, casto como neve, e repleto das sardas que me fazem enlouquecer. Lá está ela, com aqueles grandes olhos azuis, penetrantes e expressivos, a instigar os meus desejos mais lúbricos. Lá está ela. Sim, lá está, com aqueles lábios túmidos, cobertos por um batom vermelho-sangue que faz meu sangue ferver. Com as costas e o colo à mostras, lá está Sarah, roupida num elegante e bem trabalhado vestido de cetim, tão vermelho quanto o batom, a contornar o esguio e charmoso corpo, com o qual fantasio aventuras loucas a cada noite de sobriedade. Lá está minha Sarah. Ou melhor: minha Sarah e a Sarah de outrem. Céus. Minha vertente poética é mais aguçada e ridícula do que eu pensava. Preciso parar com isso.
— O que faz aqui, Alberto? — quebrando meu raciocínio, diz-me Sarah, um tanto irritada, outro tanto complacente, mas tomando o cuidado para a voz não sobressair além do necessário. — Se você vinha, por que é que não me ligou?
— Você sabe que eu não sou de ligar.
— Realmente — faz um gesto com a mão para que eu entre. — Venha, antes que alguém perceba. E tente não molhar muito minha casa.
Entrei. Sarah me guia por uma série de corredores luxuosos que, juntos, são provavelmente maiores que todo o meu apartamentinho desprezível na Nascimento e Silva. Cruzamos, depois, duas imensas galerias lotadas de obras de arte – "coleção do Rodrigo", havia me dito na primeira vez em que estive por lá –, para só então chegarmos à terceira galeria, chamada por ela de "sala de visitas".
Maldição. Por que diabos eu não me tornei um neurocirurgião? Antes fosse um psicopata milionário e independente que um obsessivo compulsivo, escravo e pobretão. Minha vida foi pior que a de um cão sarnento. Tive de abanar o rabo e balançar a cabeça para patrões ignorantes e corruptos, criar e destruir reputações, realizar pautas inúteis em prol de seus interesses mercantis, e prestar desserviços à população que um dia jurei informar. Digo: informar da maneira certa.
Depois de viver décadas assim, acordando antes do sol raiar e dormindo depois da lua se pôr, tomando café e entornando álcool como se não houvesse amanhã para me manter ligado e esquecer do trabalho que tanto odiava, o que foi que eu ganhei? Digo: o que foi que eu ganhei, além de uma esposa que se atirou da janela e de uma vida desgraçada, imperatriz do estresse, das manias, do alcoolismo, do tabagismo, do envelhecimento precoce, dos filhos nunca tidos, das festas perdidas, das amizades mundanas, e de um apartamentinho na Nascimento e Silva – presente carinhoso pelos serviços prestados? Diabos. Estou com cinquenta e cinco anos. Raios. Será que é comum chegar ao fim da vida e ver que tudo o que você fez foi uma grande merda sem propósito? Eu triturei meus sonhos e minha existência no ventilador e joguei os excretos na sarjeta, bem como fiz com a vida daqueles que me rodeavam. Mas pelo menos conheci Sarah. Foi a única pessoa, além de Patrícia, com quem tive qualquer relacionamento que não se restringisse ao "olá".
Estávamos boicotando nossas memórias ingratas naquele bar da Barão de Jaguaribe, cada um com seus problemas, e acabamos esbarrando nossas tristezas num copo de Martini. Achei incrível como aquela mulher com metade da minha idade e dona de beleza e inteligência rara, capaz de encher de inveja a qualquer outra do mundo, já tinha passado por tanta coisa. E estava ali, se embebedando do meu lado.
Ela poderia ser modelo, ser advogada, ser médica, ser odontóloga, ou até mesmo ser jornalista – embora seja, até hoje, difícil acreditar na existência de uma pouco louca e desbocada, e tão bonita e bem arrumada – mas, dentre todas essas, escolheu ser esposa de um neurocirurgião multimilionário. Uma ótima escolha, devo concordar, embora às vezes pague preços altos por ela, como uma agressão aqui e outra acolá. Nada que o dinheiro não compre, no entanto. Enfim.
Ela me dissera, na ocasião, que seus pais eram franceses. Vieram ao Brasil por alguma razão que desconheço e inauguraram a própria perfumaria. Isso explicava o seu cheiro único. Era como o de um cardume de bacalhaus podres. Não. Esse cheiro não era o dela. Era o que exalava do homem na mesa ao lado. Felizmente, o aroma hipnotizante de Sarah o fazia camuflar. De tão pomposo e agradável, não sabia nem com o que compará-lo. Quando a questionei, me dissera que aquela essência fora feita especialmente para ela. Era um perfume único, extrato de alguma vegetação exótica da Amazônia que não me recordo o nome agora.
Mas ignorando isso, que sorriso encantador ela exibia naquela noite! Era quase um pecado ser tão caquético, depressivo e sem dinheiro. Mas se não fossem as minhas mazelas, provavelmente não a teria conhecido, afinal, provavelmente eu não estaria ali. Enfim. O importante é que ela havia notado o meu interesse e eu a pude perceber retribuindo-o.
Era um flerte desesperado o da parte dela. Pude enxergar naqueles olhos a necessidade de ser compreendida e aceita. Se fazia de forte, mas de forte nada tinha. Estava a um passo de desabar e parecia que ninguém a seguraria quando o fizesse. Provavelmente, viu a mim como uma âncora que a prenderia no solo firme e a impediria de cometer besteiras, nem que fosse apenas naquela noite. A comparação não teve sentido algum, eu sei. Efeito do álcool. Enfim. Mas quem sou eu para analisar alguém? Que isso fique para lá.
A verdade é que qualquer um poderia ter servido aos seus propósitos. Eu apenas estava no lugar e no momento propício. Depois de alguma conversa fiada, saímos do bar e eu a levei para a cama sem molas de um pulgueiro qualquer. Nós nos relacionamos desde então.
E pensar que isso faz dois anos. Agora, estamos aqui, nesta "sala de visitas" com três vezes as dimensões do meu apartamento. Sarah interrompe meus pensamentos e minhas observações sobre ela para ditar o rumo da conversa.
— Ainda bem que Rodrigo viajou. Você é louco por vir assim, Alberto.
— Louco, mas não idiota. Sempre me informo antes com Jaime.
— Mesmo assim — comede Sarah, ao resvalar compassadamente as mãos por entre os cabelos e dissimular uma arrumação de mechas. — Preferiria mesmo que me ligasse.
— Você me excita com essa jogada de cabelo — desconverso e me aproximo para abraçá-la, mas ela logo se desvencilha.
A vejo caminhar até a janela mais próxima e a repousar as mãos no vidro úmido de chuva. Parece admirar, pensativa e silenciosamente, a paisagem negra que a noite lhe expõe. Silêncio atordoante.
Decido me sentar na poltrona do lado. Cruzo as pernas, acendo um cigarro e, entre meias tragadas, enquanto me ponho a observar as costas nuas de Sarah, tento quebrar o hiato que se formara.
— Não quer saber o que vim fazer aqui?
— Não preciso — retruca de pronto.
— Não? Por quê?
— Seu cheiro de bebida já me disse tudo o que precisava.
— Então você sabe o que eu quero agora.
— Alberto — Sarah se vira e me encara nos olhos antes de continuar. Um inverno abrupto me congela os sentidos, não sei dizer o porquê. — Vamos parar por aqui.
Silêncio. Essa conversa provavelmente não vai acabar bem. Aproveito para dar outra tragada no cigarro. Sarah prossegue:
— Eu estou cansada disso tudo. Cansada de ficar de porre para aguentar o monstro que chamo de marido; cansada de me relacionar com alguém que, ao invés de me animar, simplesmente me afunda mais nessa droga de vida. Você só me machuca mais.
— Está dizendo que o culpado disso tudo sou eu, é isso? Não se esqueça de que foi você quem buscou refúgio no sexo fácil, garota. "Me coma, mas não se envolva comigo mais que isso". Foi você quem disse isso. Concordei e cá estou. Nestes dois anos, transar é tudo o que tenho feito contigo além de trocar meias palavras e, por mais que eu quisesse me aproximar, você nunca deu brechas. Não consigo te entender.
— "Garota"?
— É. "Garota". Você me conheceu assim e quis se envolver. Não foi como se eu apontasse uma faca para o seu pescoço e te forçasse a isso.
Sarah se cala. Algumas lágrimas marcam partes do vestido, mas nenhum soluço ecoa. Na verdade, ela já chorava silenciosamente antes mesmo de eu me pôr a falar. É notória a sua tentativa de esconder os olhos marejados, mas o lápis preto que escorre na face destrói qualquer chance de disfarce. A olhando melhor agora, percebo alguns hematomas recentes no rosto, no pescoço e nos braços. Rodrigo deve tê-los feito antes de sair. Ela está confusa e sofrendo. Não fui muito amigável, também. Melhor deixá-la sozinha.
— Enfim. Tanto faz. Só peço para que não seja outra Patrícia na minha vida. E não precisa me acompanhar. Eu conheço a saída.
Afundo o cigarro no cinzeiro mais próximo e vou embora. Eu sei que não terei sexo e nem nada nesta noite. Nada além do álcool, do tabaco e dos olhares tortos do garçom querendo fechar o bar, mas comigo ali, a o importunar e a frustrar suas expectativas de voltar para casa no horário.
Antes que eu alcance a porta, contudo, ouço alguns passos de salto alto e sinto uma mão puxar de leve minha camisa.
— Espera... Fica.
A voz de Sarah ecoa nas minhas têmporas, mas, de súbito, um sensação estranha, misto de saudade e tristeza, me atinge o âmago. Esse toque. Esse jeito de andar. São familiares demais. Ao me virar, no entanto, descubro o porquê da impressão estúrdia: Não era Sarah quem puxava minha camisa. Era Patrícia.
— Alberto — questiona Sarah. Ou Patrícia, não sei. — O que aconteceu?
Minha feição de pânico, pavor e agonia provavelmente causou esta pergunta nela. Nunca me vira neste estado. Aliás, eu também nunca me vi assim. Como pode. Como pode essa mulher aparecer de novo na minha frente? Não consigo acreditar que seja efeito só do álcool. Alguém deve ter posto algo na minha bebida. Maldição. Quem terá sido? Mas... Isso não faz sentido. Nunca, em momento algum, desgrudei dos meus copos. O barista não me sacanearia de forma tão barata, também. Mas é inegável que algo está acontecendo. É inegável que esta na minha frente é Patrícia. Ou Sarah.
— Alberto — vocifera.
— Calada — titubeio à gagueiras. — Só fique... Calada.
Não sei de mais nada. Sei é que ponho as duas mãos na cabeça e vou deslizando devagar e involuntariamente o meu corpo na parede, até que ele se sente e se encolha. Estou olhando para o chão agora. Minhas mãos pressionam as minhas têmporas com força e tudo parece rodar. Minhas pernas não respondem e eu não sei o que fazer. Jurei para mim mesmo que nunca mais a veria. Não por ódio, mas sim por covardia. Rasguei todas as fotos, todas as cartas. Tudo o que me fazia lembrá-la. Sequer fui visitar seu túmulo no Jadim da Saudade. Maldição, Patrícia. Por que você olhou novamente nos meus olhos? Ou melhor: por que diabos eu olhei nos olhos teus? Você continua a mesma. Está exatamente igual ao que era há três anos. Esse cabelo chanel louro; essa íris caramelada e brilhante; essas covas na bochecha. Maldição. Até o corpo permanece o mesmo. Poucas vezes vi curvas tão esbeltas numa só mulher.
A voz parou. Ela finalmente fechou a boca. Ainda estou a olhar para baixo, encolhido entre os joelhos. O controle do corpo ainda não me pertence, embora possa me sentir tremer. O suor se mistura com a chuva e pinga da testa, lânguido. De repente, um toque suave aquece minha nuca, enquanto a massageia com delicadeza. Eventualmente, alguns dedos resvalam nos meus cabelos e me fazem arrepiar por inteiro. Aquela mão macia é de Sarah, mas a sensação é completamente a de Patrícia. Posso sentí-la, ali, sentada a meu lado. Com este acalento, já não sei mais se me acalmei ou se estou tão nervoso que o próprio cérebro não consegue precessar.
O fato é que se eu analisar bem, chegarei à conclusão de que o dia fora estranho desde o princípio. Não me refiro só a essa noite, no elevador, quando aquele dinossauro robô operava um equipamento tão bizarro quanto ele, ou quando aquele taxista lunático me disse aquelas palavras ainda mais insanas. Na parte da manhã, quando saia do meu apartamento, lembro de ter visto um guerreiro com armadura medieval segurando uma metralhadora hipermoderna e, a seu lado, um rato de uns dois metros dirigindo uma espécie de tanque militar. Acreditei que fosse efeito da ressaca da noite anterior – um porre muito intenso, certamente – e por mais louco que seja, penso agora que não era. Se parar para pensar bem, até aquele homem vestido em trajes espaciais, andando por Ipanema, deve ter algum significado. Será realidade ou alucinação? Não posso estar louco. A propósito: "Cuidado com o que você enxerga". Qual era mesmo o restante da frase? Ah, sim. "Esquizofrenia e realidade não são tão diferentes. Separam-se apenas por uma única dimensão". De certa forma, isso não parece tão estranho assim. O que raios essas palavras significam?
— Alberto.
Ela volta a me chamar, mas, curiosamente, a sensação perturbadora fora embora. O suor ainda pinga; ainda estou tremendo e mal consigo piscar. A mulher, então, aproxima o corpo do meu e me envolve num abraço acolhedor. Não sentia mais Patrícia ali. Inclino levemente a cabeça na direção dela e uso o campo periférico da visão para tentar entender o que acontece. Não vejo muita coisa, mas consigo peceber ao menos um longo e escuro cabelo, caído sobre meus ombros. Sarah havia voltado.
— Está melhor?
— Sim.
— Que bom.
— Sarah...
— Oi.
Faço silêncio. Ela estranha e se desvencilha do meu corpo aos poucos, parecendo aguardar o que viria. Ainda não consigo olhá-la diretamente, então mantenho a cabeça baixa.
Esquizofrenia e realidade não são tão diferentes. Separam-se apenas por uma única dimensão. Isso faz algum sentido para você?
Recupero os movimentos aos poucos. Já a consigo olhar. É mesmo Sarah. Após a pergunta, ela me encara de um jeito completamente estranho. Deve achar que surtei de vez.
— Não, nenhum. De onde foi que tirou isso?
— De lugar nenhum. Deixa.
— Tudo bem... Você quer um copo d'água?
— Água? — sorrio, claramente irônico, tentando disfarçar a tensão que o momento anterior me causou. — Se for um copo de aguardente, tudo bem. Agora, água, em si, já faz um bom tempo que eu não sei o que é.
Ela sorri e se levanta.
— Vou providenciar um drinque, um instante.
— Não, não precisa — aproveito para também me levantar. Sinto meu corpo ainda meio pesado e a suar frio. Maldição. — Eu vou para casa.
Sarah nada diz e fica apenas a me olhar. Se eu não estou entendendo nada do que se passa nesta noite, não quero nem imaginar como está a cabeça dela. De uma forma ou de outra, não posso continuar aqui.
— Preciso ir. Sinto muito por tudo. Fique bem.
— Você também. Te vejo de novo?
— Quando quiser.
Um beijo frígido e vou embora. Pego o elevador sem grandes problemas, tirando um tropeço aqui e outro acolá – ainda estou fraco do pânico. Ao menos confirmo que não há mais dinossauros robóticos nem maquinários bizarros aqui. Aonde será que eles foram? Aonde será que Patrícia foi? Por que raios justo ela aparecera na minha frente? Tenho certeza de que não foi uma ilusão, e ficar pensando horas a fio sobre isso não vai resolver nada. Preciso é encher a cara. Amanhã nem me lembrarei mais.
Chego ao térreo. A porta da cabine se abre.
— Foi rápido essa noite, hein, seu Alberto? — ironiza, sarcástico.
— Boa noite, Jaime — respondo, seco.
— Até mais! Cuidado com essa chuva.
Maldição. Se não bastasse, ainda tenho de aturar esse porteiro patife e o seu cheiro de tabaco vagabundo. Enfim. Já estou do lado de fora no momento em que uma Hilux branca SW4 passa por mim e adentra o edifício. Aquele é um dos carros de Rodrigo. Deve ter esquecido algum documento e teve de voltar às pressas. Ou então foi obrigado a cancelar a viagem por causa das intempéries. Não importa qual seja a razão, Sarah certamente pagará o pato. Aliás, ainda bem que saí no momento certo. Espero que ela tenha limpado o chão ou a situação não será nada boa.


Vago a esmo por Copacabana. O termômetro de rua marca meia-noite e cinquenta e cinco; dezesseis graus. Não quero pegar mais táxi algum hoje. Minha vontade é a de entrar em algum bar por aqui e amanhecer da forma que só Deus sabe, de preferência estirado num balcão, com espuma na boca e algumas garrafas vazias de 51 a me cercar. Mas não será possível. Já tive demais por um dia. O melhor é ir para casa.
O ponto de ônibus mais próximo fica quase na esquina com a Avenida Atlântica. Caminho a passos trôpegos até lá. Céus, só aqui, embaixo desse pé d'água e depois de toda essa situação amalucada pela qual passei, é que me dou conta do quão lastimável estou. Pareço um desses mendigos cracudos. Só espero não contrair uma pneumonia. Se bem que morrer, na minha situação, não seria lá tão ruim.
Chego no ponto. Deserto, naturalmente. Só mesmo angustiados suicidas para se aventurarem a céu aberto, embaixo dessa chuva. Ao menos encontro abrigo na marquise improvisada.
Perco alguns minutos aqui, mas o ônibus não vem. Alguns carros passam e logo somem na neblina, quase que espessa demais. A iluminação fraca já começa a me irritar. Um cachorro magricelo e vira-lata cruza o meu caminho. Parece sentir fome e frio, ainda mais com aqueles pelos ensopados. Felizmente, logo encontra uma caixa de papelão qualquer para passar a noite.
Outros minutos passam e, ao longe, observo uma forte luz atravessar, com alguma dificuldade, a densa névoa. De repente, ouço pneus friccionando no asfalto e um motor se acalmando. O farol alto embaça minha visão por alguns segundos, mas posso deduzir que o veículo está ali, parado do meu lado. Quando a recupero, percebo que não se trata apenas de um carro. O veículo é, também, um táxi.
Olho com algum receio e percebo a janela do carona se abrindo. Do lado do motorista, constato aquele bigode português safado que tão bem gravou-se na minha memória. Se não é o lunático da palavras insanas! – ou não tão insanas assim. Eu já não sei de mais nada.
Ele sorri de canto ao notar os meus olhos esbugalhados, misto de pavor e uma gama de sentimentos incompreensíveis, e abre a porta do carona.
— Entre.
— Como me encontrou? Quem é você, afinal? E, aliás, o que diabos quis dizer daquela vez?
— Quanta pergunta. Felizmente — imposta certa arrogância ao falar. — Tenho resposta para a maioria. Venha comigo.
Percebo pela primeira vez que não é só o bigode: o sotaque também é o de um português legítimo, apesar de bastante comedido. Será que ele se chama Manoel ou Joaquim? Enfim. Sou definitivamente louco por pensar em piadas de português nessas horas. O baque inicial ao menos passou. Acho que depois do que vi hoje, nada mais me assusta.
— Eu nem te conheço, "Manoel", e não vou entrar no seu carro. Responda as minhas perguntas aqui mesmo.
— "Manoel"? Meu nome é Horácio, se quer saber. E entre logo. Eu sei o que está havendo com você e quero te ajudar.
Mesmo contrariado, resolvo acatar. De alguma forma, ele realmente parece saber o que está havendo. Entrei. Horácio dá a partida e vai para algum lugar que desconheço. Engatou a quinta marcha. De trilha sonora, só a chuva, o vento e, agora, a voz dele.
— Eu soube desde o momento em que te peguei. Você olhava fixamente para algum ponto do espaço e deduzi que enxergava algo além da imaginação. O tempo que levou olhando e a expressão que fez ao olhar me confirmou isso. Por essa razão, decidi alertá-lo com aquelas palavras, embora, talvez, elas tenham ficado meio nebulosas.
Ele deve estar falando do "astronauta". Cena realmente estranha. Horácio faz silêncio por um momento e tira do porta-luvas uma toalha de mão para se secar. As gotas de chuva e suor que escorriam da testa provavelmente o incomodavam. Quando se dá por satisfeito, a repousa na coxa e retoma de onde parou.
— Só depois imaginei que talvez você tivesse problemas para interpretá-las, então fiz o contorno e fiquei esperando que deixasse o prédio. Quando saiu, estava completamente perturbado. Um tipo diferente de perturbação. Preferi ver que ação você tomaria e aproveitei para escolher o melhor momento para me aproximar. E aqui estamos.
— Certo. Coisas estranhas realmente aconteceram. Por um momento pensei que fosse só a minha bebedeira, mas certamente é algo que vai além. Mas e aquilo de "Cuidado com o que você enxerga. Esquizofrenia e realidade não são tão diferentes. Separam-se apenas por uma única dimensão". O que significa?
— Exatamente o literal.
— Como assim?
— A esquizofrenia é tratada erroneamente como doença, pois é mal compreendida. Na verdade, não é nenhuma desregulação do senso de realidade. Ela – que, em casos extremos, implica ver, ouvir e sentir coisas que, em teoria, não existem – é o início da transgressão para outro universo e, portanto, para a percepção da realidade em seu estado perfeito. A "esquizofrenia" simplesmente rompe a dimensão que separa a realidade que conhecemos da que nunca vimos. Ela nos leva à mundos paralelos.
Retiro o que disse sobre nada mais me assustar. A expressão que estou esboçando agora é indescritível.
— Eu sei o que é esquizofrenia, mas isso que você me descreveu não passa de MUITA loucura. E não: eu não sou esquizofrênico.
— É sim.
— Com base no que pode inferir isso?
— Meu amigo — Horácio faz uma pausa dramática, como a de alguém que está prestes a revelar algo bombástico. — Você passou os últimos minutos dentro de um prédio abandonado.
Silêncio. Segundos que não sei contar passam.
— Isso é algum tipo de piada sem graça?
— Não. Se quiser, eu tiro uma foto e te mostro. Ele até será implodido em breve. Simplesmente não há nada e nem ninguém lá. Ou, pelo menos, não nesse universo.
— Está dizendo que Jaime, Sarah, Rodrigo... Não existem?
— Sim. Bem... Não. Depende. Talvez existam em outro universo, mas não nesse. Ou talvez até existam, mas possuem vidas completamente diferentes e pode até ser que eles nem se conheçam.
— Mas eu convivi com Sarah por dois anos...
Horácio não mais falou. Ficamos alguns minutos em silêncio. Não acredito que tudo o que eu vivi nesses dois anos não passou de loucura. Um trovão ecoa ao longe. Horácio corta algumas ruas.
— Admito que tive visões estranhas — retomo, não querendo acreditar naquilo. — Mas elas não interagiam comigo, diferentemente de Sarah e companhia. Eles não são visões, então. Como você pode me explicar isso?
— Não há explicação. Se eu fosse inferir alguma coisa, diria que a Sarah de um universo paralelo conheceu você, por acaso, neste universo. Ela, lá, estaria na mesma situação que você, aqui. O mesmo vale para os outros. Mas é como disse: não há resposta. Ninguém ainda compreende isso.
Silêncio novamente.
— Como posso saber o que é real, então? Como posso saber que VOCÊ é real? Minutos atrás eu vi, ouvi e senti minha ex-mulher morta! Tem noção do que é isso?
— A questão é essa. TUDO é real, mesmo que, talvez, não neste universo. E eu sou real e estou aqui, no mesmo universo que você. Se fosse diferente, eu não teria a consciência sobre este fato e não poderia te alertar dele, assim como as pessoas com quem se envolveu. Já sua ex-companheira é uma situação diferente. É algo bem mais bizarro.
Silêncio. É difícil digerir tudo. Horácio prossegue minutos depois.
— A partir do momento que você vê, ouve e sente coisas que para as outras pessoas não existem, já pode se considerar um esquizofrênico – e do tipo grave. E é simples: suas frustrações chegaram num ponto tão alarmante que a cada pensamento transitório que tem, mais você se aproxima do limiar de outra dimensão. As criaturas estranhas e até mesmo as imagens inconsistentes que vê – sua ex-mulher morta, por exemplo – são produtos genuínos desta reação. É uma semiótica estranha.
— Não entendo.
— Tudo bem. Realmente é difícil assimilar no início. Em outras palavras, sua depressão está acabando com você. Ela está, por uma razão ainda desconhecida, te fazendo cruzar outra dimensão e ir para um universo a parte – o que as outras pessoas tratam por esquizofrenia – e isso é grave por uma série de fatores. Não importa se não entender isso, o importante é: você não deve cruzar esse limiar.
Silêncio. Uma série de raios eclode bem próximo. Poucos minutos se passaram desde que a partida do carro fora dada, mas a sensação de mil anos terem transcorridos neste meio-tempo persiste em mim. Isso tudo só pode ser um grande pesadelo. Não quero nem saber o que acontece ao cruzar o tal limiar, também. Mal consigo aceitar tudo isso, mas... Como ele sabe essas coisas? É só um taxista. Quer dizer, eu acho. Já não sei de mais nada.
— Você parece querer perguntar como eu sei tanto sobre o assunto sendo apenas um taxista — retoma a conversa, me encarando de relance.
Não me diga que ele lê mentes. Diabos.
— Pelo seu silêncio, deve ter acertado. Bom, sou, realmente, apenas um taxista. O que acontece é que já passei pelo mesmo que você. Houve uma época da minha vida que tudo o que podia dar errado, de fato, deu, e meus pensamentos transitórios ganharam proporções tão monstruosas que comecei a enxergar coisas "estranhas". Você está passando por isso agora, então você sabe do que estou falando: coisas fora do eixo normal do mundo.
Silêncio.
— Bom — ele prossegue. — De início achei que tivesse enlouquecido e até cheguei a tomar medicação controlada por um tempo, embora as visões loucas nunca sumissem. Elas se tornaram mais frequentes e coisas mais estranhas ainda aconteceram, como pessoas do meu convívio desaparecendo aos poucos. Eu não sabia naquele momento, mas não eram elas que sumiam, mas sim eu mesmo. Estava, pouco a pouco, sendo tragado para um universo paralelo; um acessado por meio da quarta dimensão.
— Quarta dimensão?
— Sim. É como é chamada a dimensão aberta pela esquizofrenia que mencionei antes.
— Como descobriu tudo isso?
History Channel.
— O canal de TV a cabo?
— Esse mesmo. Por causa dessas "visões", eu não conseguia dormir e passava as noites assistindo aos documentários mais insanos que você pode imaginar. Num dia, me deparei com um que falava sobre o conceito de "Multiverso", realidades paralelas e dimensões extras no cosmos.
— Loucura.
— Eu pensava o mesmo na época. De qualquer modo, o assisti até o final por o achar interessante, mas ainda não havia caído a ficha de que eu estava experienciando aquilo tudo. Sou completamente ignorante quando o assunto é computadores, então pedi para meu filho fazer pesquisas sobre na internet e só assim consegui saber mais. Eventualmente, tomei conhecimento do que estava acontecendo comigo.
Horácio se cala e me observa. Silêncio. Ele prossegue.
— No dia seguinte, liguei para um astrofísico renomado da UFRJ, pioneiro em alguns estudos sobre o tema, e ele me disse que a probabilidade de eu estar passando por aquele tipo de situação era alta, mas que precisaria fazer alguns testes antes de afirma com contundência. Felizmente, ele identificou e conseguiu reverter o processo inteiro.
— Então há "cura"?
— Sim, há, e eu estou te levando para ela agora. O doutor Araújo saberá o que fazer.
Outros minutos passam. Tantas coisas na cabeça que nem sei. Olho pela janela. Reconheço esta rua. Texeira de Melo, na altura da Praça General Osório.
— Não sei onde fica a casa desse doutor e nem no que consiste essa cura, mas me deixe aqui.
— Como?
— Isso mesmo. Me deixe aqui.
— Você é idiota? Não vai conseguir superar isso sozinho. Precisa de ajuda e eu sei como par–...
— DANE-SE! Eu nunca pedi a sua ajuda. Não me interessa. Só me deixe aqui.
O táxi para. Abro a porta e desço.
— Já que é assim, tudo bem. E que Deus tenha compaixão por você.
— Nunca fui inclinado à religião — bato a porta com força, enquanto o táxi acelera para uma direção que não me importa.
Sento num banco qualquer da praça. Mil diabos. Não quero ser "curado". Não ganharia nada se fosse. Continuaria a viver num eterno mar de lama até o fim dos meus dias. Não sei o que vai acontecer daqui para frente, mas não ligo se for mesmo engolido para um universo diferente e morrer quando chegar lá. Poderei, ao menos, saborear isso de modo inédito. Afinal, quantos poderão dizer que morreram num universo alternativo? De qualquer forma, não muda o fato da minha vida ter sido uma desgraça só. Se não bastasse, a única parte relevante dela não passa de um amontoado de loucuras cíclicas.
Esse som mecânico já está me incomodando. A qual universo será que pertence este "megazord" na minha frente, afinal? Será do mesmo do de Sarah? Não. Mais importante que isso: se eu romper esta tal de quarta dimensão, será que poderei entrar em contato com uma outra Patrícia, de carne e osso, que não seja uma "imagem inconsistente", movida por flutuações quânticas insanas e aleatórias de pensamento, seja lá o que isso venha a significar? Enfim. Que se dane.
— Alô. Sarah, sou eu.
— Você me ligando, Alberto? Isso é raro.
— Rodrigo já foi?
— Ele voltou para pegar um documento, mas saiu. Como você sabe?
— Isso não importa. Posso passar essa noite com você?
— Claro.
Não sei o que vai acontecer, mas isso realmente não me importa. Vou rumar pelo desconhecido. Só espero não encontrar nenhum doppelgänger meu. Enfim. Que se dane toda essa semiótica dimensional. Será que eu deveria passar num bar e encher a cara antes? Enfim. O jeito é pegar outro táxi.
[close]

Viva a lenda!



Hahaha. Isso foi bastante excitante. Para ser sincero, esse foi o desafio mais difícil até agora, até porque eu não fazia ideia do que escrever e sabia que se eu não desse tudo ia perder essa. Até considerei escrever sobre mechas, mas, no fim, deu isso.
Bom, de um jeito ou de outro, foi um puta duelo. Parabéns, Kazu. E tente não perder até eu poder te desafiar de novo o/

Eu realmente estou ficando muito babaca... ou muito velho. Você decide.

Carilhos, isso foi phoda. Sério mesmo.

Dois estilos completamente diferentes de narração, e duas historias completamente diferentes também. Ambas no nível que se espera desses dois caras. Nada mais a dizer alem de parabéns.


Agora derrubem o Kazu, antes que seja tarde!! \o




Que duelo meus amigos, haja coração  :lol: rsrs

realmente os dois são ótimos escritores/narradores, palmas pro tio Moonwalker Moonlight ótimo texto
agora o tio Kazuyashi, ta de hack ein! não é possivel rsrsrsrs

mais uma vez digo dois ótimos escritores parabéns aos dois!

Meu Deus! Acabo de entrar e me deparo com essa supresa! Nem estou acreditando. Moon, meu amigo, compartilho da sua excitação. Sabia que essa disputa seria difícil. Se já não bastasse a escolha de um tema que me é de pouco domínio, ainda pegaria o rival mais incrível que poderia. Você é formidável, rapaz. Com toda a sinceridade. Aprendo um pouco mais cada vez que leio os seus trabalhos. Só tenho a te agradecer pelo duelo. Foi um aprendizado e tanto. E pode deixar que vou deixar! Ficarei muito feliz em te dar uma revanche. Um grande abraço e até a próxima, meu amigo. Mais uma vez, muito obrigado.



Guilhermão, meu amigo! Muito obrigado pelos parabéns! Hhaha, não fale assim, homem. Não quero que cortem minha cabeça fora, rs.

Um grande abraço!



Fala, Simon! Hack, eu?! Que nada! Só tive sorte no X1. Quase fui a nocaute, hehe. Obrigado mesmo, rapaz. Um grande abraço!

Kazuyashi.

Isso foi ... muito interessante!  :wow:

Parabéns pela conquista Kazu, seu texto estava ótimo! E parabéns pela ... conquista Moon, teu texto também estava ótimo!

Que venham mais duelos como esse, e feliz em saber que o Colosseum está, de alguma forma, ajudando pessoas a aprimorarem ainda mais suas habilidades.