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"Museu da Língua Portuguesa Erra ao Adotar Linguagem Neutra"

Iniciado por Corvo, 10/08/2021 às 11:18

Concordo com todos os argumentos da moça, dissertem. E por gentileza, mantenhamos este tópico livre de visões políticas ou subjetivas. No vídeo inteiro só são apresentados argumentos objetivos.


Nunca pensei que "assassinar o português" seria levado tão ao pé da letra como estão fazendo hoje :feelsbatman:

Eu achei o vídeo com uma visão bastante elitista, e senti que nenhuma das duas têm o mínimo de consciência de classe. Elas falam de diferentes assuntos e, em alguns deles, eu acredito que os argumentos utilizados não são muito convincentes e/ou não possuem um embasamento tão profundo para me convencer. E, infelizmente, é impossível falar sobre esse assunto sem um viés político porque é exatamente sobre isso que se trata o dialeto neutro. Mas eu vou tentar me manter o mais imparcial possível, debatendo somente os argumentos delas.

Começando pela parte onde a professora Cintia fala sobre o "absurdo" do preconceito linguístico e, bem, nesse caso, eu acredito que a gente tenha que ter em mente o acesso à educação, que não funciona dessa forma ideal como ela cita. Sim, eu concordo quando ela diz que é função da escola exigir o máximo do aluno em relação a forma culta da língua, e de fato é o correto a se fazer. Mas isso só anula o dito preconceito linguístico se não levarmos em consideração que nem todo mundo tem acesso as escolas. E ela mesma faz o argumento cair por terra quando diz que "se o professor não ensinar a norma culta, quem vai?", e é justamente esse o ponto. E quem não tem a oportunidade de ver um professor? Como é que faz? O problema está nessa pessoa ou no estado que não garante o acesso igualitário?

Prosseguindo com o vídeo, quando entramos de fato no tema principal, a Cristina exemplificou com uma experiência pessoal de que pessoas trans a procuram para dizer que não se sentem representadas, não se sentem incluídas no dialeto neutro — ignorando o fato de ela ter exemplificado também com gays e lésbicas, que em nada tem a ver com gênero e sim com orientação sexual, mas ok. Pessoas transexuais são pessoas que se identificam com um gênero diferente do que lhes foi designado no nascimento (ou, se preferirem, por conta do sexo biológico). Pensando no significado etimológico, o prefixo trans- (oriundo do latim) significa "além de", "para além de" ou "o lado oposto". E ainda que o termo possa englobar pessoas não binárias por ser utilizado como um "termo guarda-chuva", não é o mais indicado justamente porque a pessoa não binária não se identifica com nenhum dos dois gêneros mais comuns — masculino e feminino — e daí o porquê do uso da palavra "binária". Já nessa parte eu percebi que nenhuma das duas tinha um conhecimento mais específico sobre a problemática em si.

Ainda nesse ponto do vídeo, o que me deixou mais estarrecido foi elas usarem como argumento o fato das trans representarem apenas 2% da nossa população, enquanto os cegos, surdos e disléxicos formam uma "massa maior" que não pode ser esquecida (pois o dialeto neutro tende a dificultar o aprendizado delas, o que eu concordo). Partindo desse pensamento, então, o nível de inclusão de uma minoria é condicional ao seu volume? Não é justamente para ir contra isso que os movimentos sociais existem? E me dói ver que pessoas aparentemente muito bem instruídas, com acesso abundante à informação, ainda tenham um pensamento tão retrógrado quanto o delas, de negar a ideologia de gênero e usar a ciência e biologia como um argumento dessa questão em específico. Não é sobre isso, não é uma tentativa de negar esses pontos e ciências, pois as identidades se baseiam na ideia de auto identificação, o que se deve fazer é entender como a pessoa se vê e respeitar isso. Ou quando elas reclamam da "imposição de uma mudança do que já é estabelecido". Como assim??? Eu preciso lembrar que a nossa sociedade precisa passar por alterações? E não só nossa sociedade atual, como a sociedade do passado precisou passar por mudanças e a do futuro também vai (se levarmos em conta esse argumento dela, nós poderíamos estar queimando umas mulheres na fogueira, olha só que bacana).

Quando elas partem para o ponto onde a disseminação do dialeto neutro parte das universidades, eu meio que perdi a vontade de terminar de ver o vídeo (mas assisti para não deixar passar nada). Pelo menos pela minha experiência em um ambiente universitário que frequento, eu nunca ouvi um professor sequer usar o dialeto neutro. Para ser sincero eu não ouço nem os alunos falando sobre isso. A rejeição tão grande que as pessoas tem com militante não faz muito sentido para mim porque militante é quem se envolve em causa social, quem fica arrumando briga no twitter só é chato, inconveniente. Enfim, meus amigos, acho que a pauta da alteração da língua é muito válida, mas o vídeo é totalmente unilateral. É muito claro que ambas possuem visões conservadoras e excludentes. E só para deixar claro, eu também não sou a favor do dialeto neutro em seu estado atual, mas não acho que os argumentos delas tenham alguma propriedade além do "eu não gosto, então não quero".

Agora, a minha opinião sobre o assunto: sou muito a favor da discussão, eu amo a língua portuguesa e também concordo que o dialeto neutro, da forma que estão tentando inserir na língua, não está correto. Infelizmente esse tipo de alteração é sim muito subjetiva. Como citei acima, as identidades se baseiam na ideia de auto identificação, e eu acredito que a utilização do dialeto neutro deva ser inserido de forma excepcional. Se você tiver contato com uma pessoa não binária, você pode simplesmente perguntar como ela gostaria que você se referisse a ela. Pronto. As pessoas precisam aprender que não tem problema em perguntar o que não sabe, nós precisamos, aliás, falar mais sobre isso. É muito mais fácil ter essa consciência de que a intenção do dialeto é ser inclusivo, fazer com que as pessoas que são referidas com ele se sintam parte do coletivo. Eu entendo que a gente tende a rejeitar tudo aquilo que vai contra o que já estamos acostumados, principalmente quando, né, é o adolescente que vai te encher o saco na rede social por conta de uma questão que não faz parte do seu cotidiano (e torno a dizer, militante é quem se envolve em movimento social, o adolescente chato do twitter só é chato mesmo). Mas a gente também precisa entender que existem pessoas que não se sentem representadas pelo estabelecido (como diz a Cristina), e eu concordar ou discordar disso não vai mudar o fato de ela como pessoa continuar se sentindo assim, excluída e, muitas vezes, marginalizada. Somos seres humanos, o nosso dever é respeitar um ao outro. Se você pisa no pé de alguém e essa pessoa diz que está machucando, você não questiona se está ou não de fato machucando. Você respeita e tem o dever de parar. Esse tipo de coisa não deve ser discutida, mas sim respeitada. Por conta disso que eu acredito que o mais ideal é levar as suas relações de forma individual e respeitar como alguém gostaria de ser referido.

E claro, quase me esqueço a pauta principal. O museu da língua portuguesa mostra a evolução da língua em todas as suas formas, não necessariamente oficiais, vindas da academia de letras ou qualquer coisa do tipo. A língua é algo cultural, culturas vão se adaptando ao longo do tempo e o fato do museu ter exposto o dialeto neutro não quer dizer que a partir de amanhã você vai acordar na sua casa e falar "bom dia à todes". Mas gostando ou não, o dialeto neutro é uma tentativa de adaptação da língua (ainda que precise de muitos ajustes) e o museu não está ali para questionar a adaptação linguística, mas sim expor seu histórico.

Citação de: Syureri online 10/08/2021 às 14:24
Nunca pensei que "assassinar o português" seria levado tão ao pé da letra como estão fazendo hoje :feelsbatman:

Ele é assassinado todos os dias. :rick9:



Quanto ao comentário do Sr.Misty, também tentarei me ater exclusivamente ao tema do idioma. Entendo que a alteração está diretamente ligada às questões identitárias e afins, mas justamente por serem elas absolutamente subjetivas é que quero descolar uma coisa da outra pra tentar entender melhor.

Primeiro, concordamos na maior parte: sim, o objetivo do Museu é registrar as mudanças da língua, que estão de fato acontecendo e são usadas por uma boa parcela dos falantes. O acesso à educação é sim um problema, diretamente ligado ao idioma. E também concordo que linguagem neutra não foi criada nas universidades, mas é onde ela mais aparece pra quem olha de fora. Olhando de longe, é difícil identificar o militante (usando a sua definição) porque a turba dos chatos é literalmente muito mais barulhenta e afasta quem está tentando conversar.

Segundo, eu não tenho problema algum com o uso da linguagem neutra em si. Ninguém é dono do idioma e, se um grupo de pessoas quiser usar variações próprias, excelente. Acabaram de criar um novo dialeto que, no futuro, será destacado em um novo idioma, o que é excelente. Meu problema é, caso eu não concorde com as mudanças e me recuse à utilizá-las, estas mesas pessoas entendam isto como um ataque pessoal. Se eu me recuso à colocar pronomes no perfil, eu só achei desnecessário pra minha realidade. Não quer dizer que eu seja um aristocrata disposto a (e com intenção de) exterminar um punhado de gente que eu não conheço só pelo prazer da matança.

Voltando ao assunto. Como todos sabemos, o idioma está em constante mudança. Historicamente, as alterações tendém à redução do símbolos (grafia e fala) com ligeiro aumento da abstração do significado. O exemplo mais comum: vossa mercê. Se hoje você cometer a atrocidade de só escrever vc, todas as pessoas conseguem entender à quem se refere a palavra. Aqui, a evolução acontece garantindo que o idioma cumpra seu propósito: transmitir informações entre dois ou mais indivíduos de modo que todas as partes entendam seu significado com clareza.

Tivemos também, há pouco tempo, a reforma ortográfica. Foi um conjunto de mudanças que já estavam em vigor na prática, só foram oficializadas. Perceba que foram alterações que também não causaram problema algum: as pessoas que escreviam agüentar continuaram podendo utilizar esta grafia e serem entendidas. Assim como entender perfeitamente quem sempre usou (ou passou a usar) a palvra sem o trema (ä). O ponto e vírugla (;) está indo pelo mesmo caminho. Outro aspecto importante é que nenhuma evolução natural reduziu o vocabulário. As palvras continuam existindo com o mesmo significado, embora a representação tenha sido alterada.

Agora, aí entram os problemas linguísticos da linguagem neutra. O primeiro deles é o excesso de abstração. Eu preciso mesmo saber o gênero de uma pessoa durante uma conversa? Na maior parte das vezes não importa, mas em situações específicas faz diferença. É onde entram as discussões sobre biologia versus identificação¹. Se você remove, deliberadamente, todas as representações possíveis do que consideramos masculino / feminino, temos um problema. Uma vez que o ideal era incluir um aspecto individual dentro do coletivo, acaba-se por diluir todos em uma massa cinzenta sem forma.

Não é um problema de hoje, é exatamente o mesmo caso do you inglês. Às vezes, se o contexto não colabora, fica impossível discernir o singular do plural.¹ Por isso eu digo que dá pra tratar a questão sem envolver política. É um problema de comunicação.

¹ Não querendo entrar no assunto, mas achei válido incluir este vídeo como referência. Não enveredemos neste tema aqui.
² Ah, mas esta palavra está aí há séculos e ninguém nunca notou este problema. Justo, pode ser uma dificuldade minha.

Eu acho que há muita gente que recusa a linguagem neutra por puro preconceito e "medo" por mudanças. Todas as línguas sofrem mudanças quer seja uma evolução lenta quer uma rápida. Eu sou de Portugal e há palavras que são faladas normalmente e mesmo assim não são encontradas em um dicionário. Algumas delas vêm do estrangeiro ou derivam da ciência, outras surgem da própria população. Não é por isso que sua importância seja irrelevante. Se não ocorressem mudanças então não ocorreriam evoluções e todos nós sabemos que as línguas são todas diferentes umas das outras por algum motivo.
Eu concordo com uma adaptação da linguagem neutra e eu concordo com o museu. É realmente algo importante para a língua (independentemente de alguém achar bom ou mau).
Se a linguagem neutra deveria ser desenvolvida ou não por especialista isso já é outra história. A verdade é que existem diversos tipos de ideias para neutralizar o português. Existe o controverso "elx" e o mais-ou-menos-popular "elu". São ambas sugestões interessantes.
Talvez daqui a uma ou dez ou vinte ou mais décadas o português adote pronomes neutros. Talvez um dia o português se livre do sistema de dois géneros gramaticais e isso indica que se tornou uma "nova" língua.
A verdade é que pessoas que não se identificam dentro do espectro binário de género existem (pessoas não-binárias ou bináries [a propósito, uma palavra de género neutro]) e aos poucos vamos descobrindo mais e mais sobre como nós e o mundo à nossa volta funciona. Devemos dar assim tanta importância a uma coisa tão volátil como a própria língua? Parece que as pessoas simplesmente esqueceram para quê que ela serve: para comunicar; para exprimir, expressar.
E é por isso que eu concordo com a linguagem neutra e eu não condeno o museu por documentá-la. :nescau:

Sinceramente, linguagem neutra é um problema de primeiro mundo... esse tipo de discussão não ocorre nas classes mais baixas. E além de ser não ser prática, pois parte da ideia de uma alteração imposta (e não orgânica) à linguagem de todo um povo para acomodar o dialeto de um nicho, é paradoxal. Se chegamos ao entendimento de que gênero é algo construído, então, em vez de produzir novos gêneros ou transitar entre gêneros, o mais lógico seria todo mundo aceitar apenas o sexo como determinação (biológica), e buscar respeitar que existem diferentes formas de ser homem e mulher, para além daqueles papeis tradicionais fechados. Aceitar que sexo não diz nada sobre a personalidade, caráter, inteligência ou valor da pessoa, não necessariamente.

É claro, pode haver ressalvas. Existem casos neurológicos e hormonais em que pessoas transexuais realmente nascem com um cérebro ou corpo que se entende como do outro sexo. Mas, novamente, se não esperarmos nada específico de homens e mulheres, isso seria algo que também iríamos compreender e respeitar. Mas é claro, tudo isso não vai acontecer da noite para o dia, mesmo que as pessoas tentem forçar mudanças. Só com tempo e constantes esforços de informar e ensinar as pessoas sobre essas questões é que elas se tornarão mais bem desenvolvidas em nossa sociedade.

17/09/2021 às 13:51 #6 Última edição: 27/11/2022 às 10:21 por GustavoF
A nossa língua está sempre em constante mudanças, se vocês lerem a carta original de Pêro Vaz de Caminha vocês vão achar que o cara era um analfabeto que "Assassina o português", não tem pra onde correr, se a linguagem neutra um dia entrar em vigor quem vai estar "Assassinando o português" é quem não está seguindo a norma. Na época dos nossos avós também era bem diferente da nossa, um dia a linguagem neutra poderá se tornar realidade já que a tendência só vem aumentando. "Assassinar o português" é uma das coisas que menos me preocupa hoje em dia, sinceramente, por mim tanto faz, minha vida segue em frente do mesmo jeito, seja eu ser chamado de ele ou de el@, não ligo. Referente a pessoas com deficiência visual e/ou auditiva, não tenho conhecimento suficiente para opinar.