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Crônicas do Cristal da Vida - Capítulo 1

Iniciado por Nolan, 20/06/2019 às 19:24

Capítulo 1
5 dias antes
Manhã do dia mais tenebroso de minha vida
   

O sol da manhã mal invadia as frestas das cortinas do meu quarto quando acordei e já era possível ouvir as batidas do martelo do meu pai em sua forja. Meus longos cabelos ruivos estavam completamente desgrenhados. Não que isso fosse alguma novidade, já que desde cedo eu ouvi de minha mãe o quanto eu me mexia e era agitada enquanto dormia... Acabei atrapalhando muitas noites de sono naquela família com cotoveladas e chutes quando era mais nova. O fato era, eu estava com problemas. Uma das minhas primeiras tarefas do dia era justamente ajudar minha mãe na horta e como fazíamos isso um pouco antes do sol nascer, eu com certeza tinha me atrasado o bastante para que ela tivesse terminado todo o trabalho sozinha, ou melhor, junto do Jeel, meu irmão.

Prevendo uma grande bronca, demoro mais um pouco para me levantar, mesmo sabendo que eu não tinha para onde fugir. Aquele Jeel... Ele me manteve acordada de propósito, na noite anterior, sabendo que eu não iria conseguir despertar a tempo. Nem pra se sentir culpado e me acordar aquele idiota serve. Óbvio que ele não acordaria, no que eu estou pensando... Esse com certeza deve ter sido mais um de seus planos para me fazer ficar de castigo.

Respiro profundamente e de um salto, me ponho para fora da cama, mas antes de ir em direção ao perigo iminente, lavo o rosto numa bacia próxima à mim, usando minhas mãos molhadas e uma grossa escova para baixar os fios revoltosos. Quando finalmente consigo chegar na mesa para o café da manhã, lá estava ela a minha espera.

Mesmo brava, eu só conseguia pensar em uma palavra para descrever a minha mãe, e essa palavra era "magnífica". Pense na mulher mais linda que você já viu na vida. Bem, tenho certeza que ela não chega nem mesmo aos pés da beleza que minha mãe emanava. Seu nome era Glenphir e seus longos cabelos loiros chegavam até a sua fina cintura. Seus olhos possuíam um tom azulado que me lembrava muito a cor das águas de um lago que ficava a alguns quilômetros de casa, onde íamos pescar quando nosso pai não tinha projetos para forjar. Com um corpo cheio de curvas, lábios carnudos e tudo o que eu acabei de falar, é claro como o dia o fato dela ser a personificação da mulher ideal para mim, um espelho para como eu queria ser no futuro.

Mesmo assim, essa linda mulher estava me olhando de maneira levemente assustadora. Sua testa franzida, levantando uma sobrancelha acima da outra, junto de seus lábios que se moldavam num sorriso de canto de boca mostrava claramente que Jeel tinha tido sucesso em me difamar. Mesmo sabendo que ela não tocaria em um fio sequer do meu cabelo, só o fato da minha mãe estar desapontada comigo, me fazia não querer enfrentar aquele momento. Percebendo o quanto eu sentia muito, ela rapidamente suavizou o olhar e com um aceno, me chamou para mais perto. Exitei um pouco, mas acabei indo. Tomo o meu lugar na mesa e olho mais uma vez suas expressões. Ela realmente não estava mais irritada ou desapontada, o que era bom. Com pães e um vinho fraco para o desjejum, acabo por me concentrar neles enquanto ela começou a falar:

— Você sabe que precisamos também de sua ajuda para cuidar da horta de manhã Mia. — falou olhando diretamente para mim enquanto eu, de cabeça baixa, olhava para meu prato.

— Você não é mais uma mocinha para ficar acordada até tarde e esquecer de tuas obrigações. Sabe que eu e seu irmão precisamos de sua ajuda, ou tudo ficará mais cansativo para nós. — ela estava certa e eu sabia disso.

Quando olho para o lado, percebo que meu irmão sorria um pouco. Felizmente, eu não tinha sido o único que percebeu e nossa mãe na mesma hora virou para encará-lo. Em meio a caretas e gestos, ele demorou para perceber que o olhar dela reacia em cima dele. Por conta disso, minha mãe olhou para mim buscando a confirmação que viria em forma de um aceno de minha cabeça. Ela nos conhecia, entendeu muito rápido toda a situação.

— Jeel... — ele parou rapidamente as caretas que estava fazendo.

— Senhora? — dizia de maneira respeitosa, já sentindo que havia algo de errado.

— Te perguntarei uma única vez, você atrapalhou o sono da sua irmã nessa noite para ela receber uma bronca minha? Responda com sinceridade. — sua voz soava calma, mas ela estava séria e sabíamos que a partir daquele ponto, o melhor era realmente falar a verdade.

— Sim mãe, chamei ela pra conversar e brincar de madrugada. — falava enquanto olhava para os próprios pés debaixo da mesa. — eu sabia que Mia não ia conseguir acordar e que você iria dar bronca nela.

   Ele estava se sentindo realmente culpado, isso dava para perceber. Admito que até eu tinha relevado mais o fato dele ter armado aquilo para me pôr de castigo. Mas nossa mãe era uma pessoa justa, e nesse ponto, ambos sabíamos que um castigo não podia ser evitado. Nos tirando desse estupor de pensamentos cruzados, nossa mãe, que já tinha terminado de comer, se levanta da mesa. Antes de se afastar completamente de nós com o prato que deveria ser para o nosso pai nas mãos, ela vira e fala para Jeel:

— Como tentou me enganar e prejudicar sua irmã. Você fica com todos os trabalhos dela nessa tarde. Espero que você pense melhor nas suas brincadeiras a partir de agora. E você. — falou olhando diretamente para mim. — Se imponha mais, ele poderia tentar mil vezes, mas se você sabe de suas obrigações, simplesmente não daria bola e iria dormir. Bem, você tem a tarde livre. E Jeel... Já sabe o que fazer. — acenamos com a cabeça ao mesmo tempo e vemos a nossa mãe passar pela porta e ir na direção da forja, uma cumbuca em uma mão e uma garrafa de vinho na outra.

Depois que nossa mãe nos deu as costas, me virei para o meu irmão, o trunfo estampado em meu rosto. Não só a armadilha dele tinha fracassado, mas também me fez folgar não só a manhã, mas a tarde toda também. Com um sorrisinho no rosto, contrastando completamente a cara de desapontamento dele, eu me aproximava devagar, dava dois tapinhas em seu ombro e falava:

— Boa sorte! Não sei se você lembra, mas hoje é meu dia de lavar as roupas no rio. O cesto está no quarto dos pais. É melhor ir logo ou não voltará antes do anoitecer.

   Bufando, ele iria pegar as roupas sujas, enquanto eu, assim como nossa mãe, partiria na direção de nosso pai. Uma coisa era certa, nada como um dia livre para fazer o humor de uma pessoa mudar para melhor. Um sorriso de orelha a orelha brotava em meu rosto enquanto eu saltitava pelo caminho de pedras em busca da companhia deles. Isso transformou aquele dia primaveril em algo mais bonito do que ele era, o que eu nem conseguia pensar ser possível a pouco tempo atrás. Flores brotavam em todos os cantos, no chão perto de rochas ou em árvores frutíferas espalhadas pela nossa clareira. Pássaros cantarolavam lindas melodias que de uma maneira única, casavam completamente com as batidas rítmicas do martelo na bigorna. Nunca poderia imaginar que aquele seria o pior dia da minha vida, o dia que eu perderia tudo o que eu mais amava.

A cada passo que eu dava, percebia que o ritmo das batidas iam diminuindo pouco a pouco, até cessarem de vez quando cheguei à porta aberta e vi uma  cena que ficaria marcada para o resto da minha vida em minha mente. Meu pai e minha mãe, juntos e sorridentes enquanto ele comia seu café da manhã. Havia um contraste neles dois que parecia tornar a relação deles ainda mais bonita. Ela era meiga e delicada, assemelhando-se a qualquer princesa de qualquer reino deste mundo. Ele, um homem bruto de costas largas e uma barba negra espessa, suas pontas queimadas pelo calor excessivo que enfrentava todos os dias. Ela, vestida em linho branco com detalhes feitos em granadas verdes, presente dado por ele em comemoração a sua união. Ele, de peito nu por baixo do grosso avental de trabalho. Me sentia uma pessoa realmente sortuda por ter-los como pais. Antes que eu abrisse a porta, meu pai sentiu minha presença e me chamou:

— Mia minha princesa, entre entre, venha dar um abraço no seu pai. — abro a porta de supetão e vou correndo em sua direção, parando apenas em seus braços. Ele me fazia cafuné enquanto me apertava naquele abraço de urso corriqueiro e pra mim, não tinha nada melhor do que ser mimada daquele jeito. Quando me afasto, ele me atualiza rapidamente das novidades:

— Vou para a cidade daqui a pouco comprar alguns suprimentos que faltam e vender algumas coisas e eu soube que você tem a tarde livre, quer me acompanhar? — seu pedido veio  acompanhado de um largo sorriso, ele já sabia o que eu ia responder.

— Claro que sim pai! — e me lanço outra vez em seus braços.

— Okay, okay. Entendi. Agora deixe-me terminar de comer e conversar com sua mãe. É só o tempo de você ir em casa e trocar de roupa. Estarei pronto para partir quando você voltar.

Mais uma vez, meu dia não podia melhorar mais. Raramente íamos para a cidade, e agora, como eu estou livre, teria a oportunidade de ir junto do meu pai. Mal podia esperar para esfregar isso na cara de Jeel quando voltar. Aquilo me fazia sorrir ainda mais. Porém, aquele sorriso se despedaçou em mil pedaços quando vi do centro da clareira onde nossa casa ficava, um homem encapuzado sair por entre as árvores que delimitam a fronteira. Ele não parecia nada bem, deu alguns poucos passos cambaleantes para fora da linha das árvores e caiu tão duramente no chão que tive a impressão dele estar morto.  Me libertando das correntes da surpresa, recolho todo o ar que posso e começo a gritar em sinal de alerta:

— PAI, MÃE, VENHAM AQUI! TEM UM HOMEM ESTRANHO CAÍDO NO CHÃO.

Alarmada por toda aquela situação, não consegui tirar os olhos do corpo que jazia imóvel do chão. Por isso, apenas escutei quando tanto meu pai quanto minha mãe abriram a porta da oficina e correram na direção do estranho homem. Mesmo nervosa, por conta da curiosidade, acabei correndo atrás deles para ver do que tratava. Chegando perto, dava pra sentir um cheiro de algo podre. De carne queimada. Aquilo tomou conta do meu nariz e senti o meu primeiro impulso para me afastar, mas como eu era teimosa, apenas cobri o nariz com a mão e continuei perto. Eu estava alguns passos atrás dos meus pais, mas sempre tive uma ótima audição, então consegui escutá-los, mesmo aos cochichos, quando falaram entre si:
— Glen, ainda existe alguma chance de salvar a vida dele?. — isso deixou-a visivelmente nervosa.

— Não Dard, foi um milagre ele ter conseguido andar até aqui. Eu nunca vi algo assim em toda a minha vida. Vire-o para cima para tentarmos ver seu rosto, quero confirmar uma coisa — com extrema facilidade, o ferreiro virou o homem e o que eles viram os surpreendeu. O corpo estava tão seco quanto uma múmia.

— O que quer que tenha acontecido, foi bem perto daqui. O fato de não termos sentido mostra que quem o fez, além de possuir um tremendo poder, não queria se revelar para nós. — Glenphir então identifica algo de estranho no cinto do homem, um pergaminho que possuía uma luminescência azulada, quase etérea. Ela estica os braços para pegá-lo e cheguei a ver meu pai esticar o braço tentar pará-la, porém sem sucesso.

— Seja mais cautelosa. — falou entre os dentes

— Não senti nada de mal vindo do pergaminho, você sabe que posso sentir essas coisas. Nunca faria nada arriscado.

— Então o que vamos fazer? Jogá-lo fora?

— Não... Vamos ficar com ele. Sinto que há alguma coisa extremamente poderosa nele. Quero estudá-lo um pouco antes de me desfazer dele. — Minha mãe ainda parecia um pouco preocupada com a ideia, mas assentiu com a cabeça.

— Você não pode ir para a cidade hoje, fique cuidado da Mia em casa que vou buscar o Jeel no riacho.  Eu tenho um mal pressentimento sobre isso. 

E ela estava certa, tinha algo que ambos estavam deixando passar. Mas isso não chegava a ser anormal. Já fazia um bom tempo que eles tinham abandonado suas vidas pregressas. Dardadran e Glenphir, agora pai e mãe, cometeram um erro que outrora seria impossível de cometerem, e pagariam por isso. De dentro da mata, um ser de puro poder os observava enquanto escondia totalmente sua presença como um animal selvagem. Seu olhar fixo na presa, prestes a atacar. Tal criatura lambia os beiços, duas coisas que ele procurava em um único lugar, não poderia ter mais sorte do que estava tendo. Mesmo assim, sabia que não iria ser tão fácil assim. Para derrotar aquela caça, ele precisaria de um pouco mais de descanso e preparação. Sem nem perceber que sua vida estava sendo ameaçada, Dardadran dá as costas para a floresta e o corpo carbonizado e fala para mim:

— Mia, vamos passar o dia em casa, a ida para Brasstower fica para outro dia. — desapontada, fico de cara emburrada, mas percebendo que a situação parecia séria, não faço nenhuma objeção mais fervorosa e me dirijo à nossa casa junto dele enquanto minha mãe ia buscar Jeel. Olho para o céu e percebo que o dia ensolarado logo logo viraria um dia chuvoso e até que não acho ruim o fato de ter que ficar em casa. Como eu fui tola...

Gostei do primeiro Cap, quando começou o texto eu fiquei um pouco ansioso esperando algo estranho, o que não demorou muito pra acontecer. A principio eu achei que está tudo ok que o texto, a historia começou contando que eram os personagens centrais e suas dinâmicas e em seguida foi mostrado um conflito, como um capitulo inicial me pareceu bem correto nas decisões.

Estou aguardando as continuações Nolan, até logo.
Hammer Strike