Monomito - Clichê ou Padrão?

[Eliyud]

Olá! Como vão?

Estava lendo um pouco sobre Monomito ("A Jornada do Herói") e me surgiu uma dúvida. Serei bem direto:

É possível criar uma boa narrativa sem basear-se no conceito de narratologia MONOMITO?

Sua opinião vai contribuir e muito para minha pesquisa pessoal e qualquer informação / crítica que você tiver me será útil.

[Jigsaw]

Sim é possível e até ajuda a fugir de clichês, enxergo o monomito como uma base, um template de enredo, diria até um enredo "RTP", não é necessário ser utilizado para criação da historia, temos grandes exemplos de historias maravilhosas que fogem desse padrão(Dear Esther por exemplo), tipo Raizen falou em um de meus tópicos, a forma como a historia é contada é mais importante que a premissa...
É sempre bom focar na narrativa, um único dia de aula por exemplo se bem narrado pode render um roteiro melhor que uma viagem fantástica sem narrativa! 

[Corvo]

Opa, só vi isso agora.

Então, é uma discussão interessante e até agora eu estou do lado dos que dizem não. Não é possível criar uma boa história fora do monomito porque não é possível fugir dele. Bom ou ruim, um enredo vai se encaixar ali de um jeito ou de outro. A jornada do herói não é uma estrutura fixa a ser seguida do começo ao fim do enredo, ela pode ser divida em partes, pular etapas, repetir outras. Um jogo pode ter centenas de jornadas, às vezes uma inteira em uma cena, uma pra cada personagem, ciclos repetidos, enfim.

O texto do Campbell só se tornou famoso entre roteiristas porque ele explica todas as histórias de todas as mitologias já criadas no planeta, independentemente de onde foram geradas. Tantos estes contos milenares quanto as histórias modernas: literatura, cinema, teatro, televisão, jogos, humor, música. O monomito não é uma estrutura com a qual se conta uma história, é o ato de contá-la.

[...] tipo Raizen falou em um de meus tópicos, a forma como a historia é contada é mais importante que a premissa...[...]

Verdade. Um enredo pode ser perfeito, se for mal contado irá fracassar. O contrário também é válido, tanto que muita coisa que faz sucesso por aí é tão interessante quanto um tijolo. Mas é mostrado do ângulo certo, com uma iluminação favorável.


Agora, escolha um enredo aí, qualquer um. Se ele não se encaixar em absolutamente nenhuma etapa da estrutura - porque não precisa ser o ciclo completo - eu me converto.

[TRIEBE]

Sim, contanto que você vá contra o Campbell e considere que a estrutura do monomito não é universal, nem sinônima do próprio ato de narrar. Não é consenso acadêmico (assim como quase nada dentro das ciências humanas) de que as categorias campbellianas sejam realmente válidas.

[Eliyud]

Mas, como o próprio Corvo disse, você não acha que, ainda que haja uma certa inovação, toda a narrativa vai ter um certo "campbellianismo" em algum trecho?

[TRIEBE]

Mas, como o próprio Corvo disse, você não acha que, ainda que haja uma certa inovação, toda a narrativa vai ter um certo "campbellianismo" em algum trecho?

Não, ao menos não a princípio.

Sendo ainda mais direto ao ponto: ao se pensar em estruturas gerais, é necessário que elas consigam equilibrar sua generalidade com sua especificidade aos fenômenos (sua capacidade de descrever da melhor maneira possível os fenômenos estudados). Se apenas partes diferentes da estrutura campbelliana estão presentes em obras diferentes, então a estrutura geral do monomito não é geral, e a princípio não há "campbellianismos" nessas histórias não-monomíticas, e sim coincidências.

Para que se conclua que há alguma relação entre o monomito e essas histórias, você precisaria fazer um segundo passo: provar que essas estruturas diferentes (mas com similaridades ao) do monomito apresentam similaridade a este último por existir algum elo causal entre o monomito e estruturas narrativas "dissidentes". Enquanto isso não for demonstrado, as semelhanças não demonstram que o monomito está lá - no máximo como descritor inútil.

Sinto que Campbell usaria sua influência jungiana para tentar demonstrar esse elo causal, e a psicologia jungiana é ao meu ver bem problemática - e ironicamente, pouco útil e na verdade danosa para análises estruturalistas. Fico com minha psicanálise lacaniana mesmo.

[Eliyud]

Eu penso que essas "coincidências", por si só, já são provas suficientes pra demonstrar que ali existe "campbellianismo" (adorei usar esse termo)! Sendo um conceito de narratologia, o monomito identifica PADRÕES nos mitos e enredos. Concordo que não significa que a pessoa definitivamente deva dizer: "Wow, esta história é um monomito", mas sim que tal história pode ser identificada como contendo padrões do monomito! E eu não acredito que algo possa ser escrito sem que ao menos algumas partes do texto contenham padrões identificados no monomito. Eu concordo com o Corvo quando ele diz que não é possível fugir dele quando se cria uma boa narrativa - e por boa narrativa, quero que entendamos por um enredo de um game / filme que cause emoções, reações, prenda o leitor e etc, e não uma redação, uma poesia ou um texto informativo.

Ah, e eu gosto de Jung!!!