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Contos do Cego - Explicação

Iniciado por O Cego, 07/04/2020 às 18:49



* * *


_Daí eu disse: "Eu não sabia, acabei descobrindo ontem. Me desculpe, Luana".

_Sim, e...? - Dizia um Dirceu cada vez mais curioso, coçando a barba. Dirceu era um vendedor de comestíveis na faculdade no horário da noite - De manhã e à tardinha, era aluno de geografia. Dirceu era dono de um corpo esguio e de olhos negros, que emprestavam a ele, neste momento, um ar de investigador... da Gestapo. 

_ E o quê, Dirceu? Eu disse, está dito, virei as costas e vim embora. Não tenho explicações a dar. - Eu já sentia o olhar inquisitivo de Dirceu queimando os meus olhos castanhos. Já não bastava a vergonha passada, teria de relembrar a vergonha por incontáveis dias - Era uma universidade relativamente pequena, e o Dirceu - apelidado Dirceu Borboleta - conhecia todo mundo. Em mais vinte e quatro horas, todo mundo - três mil e seiscentas pessoas - saberia da minha vergonha.

Mas eu não deveria estar envergonhado.

Era tempo de festas juninas, e o Dirceu, para ganhar mais uns trocados, se ofereceu a todo mundo para fazer o papel de "Correio Elegante". Uma taxa de um real pagava o papel perfurmado, o envelopinho e o trabalho de bater pernas que Dirceu fazia. Tudo muito bonito, e, já que eu tinha uma curiosidade mórbida acerca da chinesinha de matemática... Nada me custava escrever um versinho para poder firmar uma amizade.

Não teria como dar errado, a não ser, claro, que desse. E Lady Murphy é implacável - se algo pode dar errado... dará.

O que eu não sabia - e vim a descobrir depois - é que o miserável do Dirceu resolveu ler o versinho para esta menina, que, como viria a descobrir depois, se chama Luana. Luana Zhang.

Em voz alta.

Durante uma aula.

Com cinquenta e cinco pessoas, mais o professor, em sala. Pelo menos, vim a saber depois, o professor achou graça no versinho. Meno male.

Eu não sabia, Dirceu também não, e muito menos a família desta Luana, que ela tinha namorado - Um chinês nascido no Brasil, mais alto, forte e endinheirado do que eu.

Imagine o leitor a confusão que se deu na família algumas horas depois.

Fui pedir desculpas? Claro que fui pedir desculpas. Não sabia que um versinho iria causar tanto transtorno, e tinha meu sabre a defender - Estudantes do meu curso não recebem somente diplomas ao fim do curso, mas também sabres, como "símbolo da honra e autoridade que a profissão de economista confere ao formando". É uma coisa muito séria, e todos os colegas de curso ficaram me olhando atravessado. Eu não queria perder o direito de receber o sabre por falta de decoro.

Eu não deveria estar envergonhado, mas imagine o tamanho da coerção social a que eu estava submetido, leitor. Vou repetir: Coerção social. Há certos conceitos que devem ser incutidos nas mentes alheias à força de repetição.

Fui bem breve, explicando na sentença que usei lá em cima que eu não sabia - nem sequer podia imaginar - que ela tinha namorado. Pedi sinceras desculpas.

Como todo bom economista, disse em dez palavras o que outros diriam com cem.

Fui eficaz, eficiente... Mesmo me sentindo, injustificadamente, um cretino.

Quinze minutos depois, fui fumar um cigarro - hábito que me acompanha desde a infância, e do qual não me orgulho. Foi aí que Dirceu me encontrou, e começou com o processo inquisitivo.

* * *

Dirceu me deixou sozinho dez minutos depois. Não estava me sentindo irritado, nem triste, nem nada disso. Só estava me sentindo estranho. A lua brilhava num céu de inverno frio e sem nuvens. Pensei comigo mesmo que estava sendo idiota - A Lua reflete os raios do sol, não possui brilho próprio.

Ora, eu também conhecia a maior parte dos alunos da universidade, mas eu nunca tinha ouvido a voz que, a meu lado, disse de maneira sonora, porém fugidia, que "_Mano, não é culpa sua. Você é um cara maneiro, estudioso, bom amigo, bom veterano para os calouros".

Não olhei para o lado. Só respondi.

_Eu só não queria ter causado esta bagunça toda.

Eu me sentia cansado.

_Escreva.

_Como é?

_Escreva. Se você se sente tão cansado assim, escreve. Você escrevia quando era mais novo. Far-te-á bem.

_Mas como você sabe que eu escrevia quando era mais novo? - Me surpreendi e virei para o lado, para saber quem diabos falava comigo.

E, se estou escrevendo, é porque cheguei à conclusão, por irracional que seja... Que não havia ninguém a meu lado.

Certas coisas - como a confusão que eu ajudei a causar na família de chineses - são ridículas, e, por isso, não precisam de explicação.

Mas a voz que falava comigo... Esta realmente não tem explicação nenhuma. E escrever é uma boa terapia, para sacudir da cabeça os problemas que, como esses, não tem explicação.

O Cego