O Tempo

[Van]

Aparentemente a comunidade tá numa vibe maneira de literatura, então vou postar outros textos meus aqui. Minha série de narrativas sobre El Diablo está aqui, caso você queira ler.



O Tempo

            O Tempo era uma entidade normal. Acordava cedo, tomava um banho rápido, engolia algo com pressa e dirigia até o trabalho. Na verdade, o Tempo agia de forma normal demais, o que era estranho.

            O Amor, cheio de gracejos, e o Ódio, que viviam brigando e se reconciliando, vez ou outra cochichavam sobre o Tempo. Que cara esquisito. Andando pelo escritório, às vezes apressado, às vezes devagaaaar.

            — Ó, Tempo, por que és tão instável? — perguntou, certa vez, o Amor.

            — Instável é como me vês. Assim, apressado, uma hora está aqui e outra já não está.

            — Mas cansei de ver-te se arrastar pelos corredores... Parece não ter mais afazeres! — O ódio replicou, confuso.

            — Da mesma forma, é assim que me tens. Amargo, demorado, preguiçoso, inimigo da perfeição — e se retirou da sala.

            O Amor e o Ódio, que ainda não entendiam absolutamente nada, voltaram a tratar de assuntos triviais. Até porque, no fim das contas, não precisavam de muitas definições, eles simplesmente existiam e esperavam que o resto também fosse assim.

            Apesar de confuso, o Tempo era visto, frequentemente, conversando com o Saber. Vez ou outra, numa pausa para o café, os dois trocavam ideias mirabolantes e pensamentos longínquos sobre o existir e o deixar de existir, sobre o ser e o não ser.

            O Saber, filosófico e racional, viciado em possibilidades, ouvia as palavras do Tempo e as retrucava com vontade. Oh, se ao menos houvesse mais alguém ali que o entendesse como o amigo o entendia!

            E conversavam por horas a fio. Até que, curioso como sempre, o Saber não se segurou.

            — Não entendo! Pelo jeito que nos damos e pelo tanto que sabes, Tempo, por que não o vejo trocar essas tuas ideias com outros por aqui? Por que, afinal, alguns te olham feio ou torcem o nariz?

            — Me têm de maneiras diferentes, decerto. Tu estás sempre interessado no Tempo, em mim. No passar do tempo, no que acontece e no que vai acontecer. O Amor e o Ódio são minhas nêmeses, não por opção.

            — Mas o Amor e o Ódio não existiriam sem ti, ó Tempo! Precisam de ti para se desenvolver e acontecer!

            — Acontece, caro Saber, que o Amor e o Ódio, uma vez existentes, gostariam que o Tempo parasse para que eles vivessem por mais tempo. São egoístas, principalmente o Amor. E eu não paro, nunca!

            — Sou contra! Acho que tu, ó Tempo, é o mais necessário de todos nós. Precisamos de ti para crescer!

            — O Tempo é amigo dos jovens. E tu, ó Saber, sedento de conhecimento, é o mais jovem daqui. Mas te digo: o tempo é inimigo dos velhos, dos que já viram de tudo. O Amor e o Ódio me acompanham desde a eternidade e tu começaste agora, és apenas uma criança! Por isso, achas que estarei sempre ao teu lado.

            — E por que não estaria, ó Tempo? Mais tempo significa mais conhecimento!

            — Futuramente algo se tornará mais importante que ti, Saber. Algo irá roubar-te o trono, assim como fizeste com o Amor e como este fez com o Ódio.

            "Nada é eterno, ó Saber. Nem o Amor, nem o Ódio, nem o conhecimento. Enquanto vocês trocam de lugar numa ascensão e queda única de cada um, eu permaneço. E para sempre permanecerei, velho e sábio, alimentando-os quando jovens e assassinando-os quando velhos".

[SimonMuran]

Gostei bastante do texto, reflexivo e interessante de se ler, gostaria de ver
mais textos como esse aqui.

:.x.: Saudações azulinas.

[Felipe@Pedro]

Nada é eterno

Disse tudo, eu gostei bastante do texto, gostei da forma de como você definiu o ''tempo'',
a área de roteiros ultimamente anda bem atualizada, e isso é muito bom, que venha mais
e mais texto legais, logo vou estar trazendo alguns meus também.

[Van]

Obrigado, gente.
Na verdade essa foi a minha primeira tentativa de escrever uma fábula e eu gostei do resultado.
A maioria dos meus textos é poesia, por isso eu não trago aqui (a maioria não tem saco pra ler), mas de vez em quando sai uma narrativa aqui e ali.

[Nandikki]

Bem reflexivo, bem feito. Gostei! Parabéns! Belo texto!