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Renascer

Iniciado por FilipeJF, 19/12/2012 às 10:15

19/12/2012 às 10:15 Última edição: 21/12/2012 às 19:45 por FilipeJF
Bom, ultimamente eu estou buscando um modo diferente de escrita. Quero aprender a escrever como se eu "contasse" a história. Para testar isso, escrevi esse pequeno texto. Espero que gostem.





Sinopse:
A magia renasceu, e o paradeiro do único cujo teve a oportunidade de aprendê-la é desconhecido. Paralelamente, dois dos três reinos entram em guerra por culpa de falsas provas de que o mago é um enviado do rei. Porém, diante de tudo isso, o poderoso rei do terceiro reino aproveita-se da situação para conquistar terras que não lhe pertecem.



Prólogo
Citar   Sob os altos carvalhos da floresta, havia uma casa; uma bem velha, com cada pedaço  quebrado, desgastado e prestes a cair.
   Mas apesar da aparência, o interior dizia totalmente o contrário - uma lareira ardia na parede, e à frente, uma mesa portava as mais deliciosas refeições que alguém poderia desejar. Pães, uvas e vinho. Tudo isto, dentro de uma casa velha e caindo aos pedaços, era suspeito. E todos tinham razão para achá-lo; o homem cujo lá vivia, para a maioria, era um feiticeiro.
   Portanto, ele era jovem. Não podia ter mais de trinta anos: os cabelos negros desciam até os ombros, e a barba há pouco havia sido aparada. Mas assim como a casa, a aparência do interior pode muitas vezes surpreender - seja para bem ou ruim. Por conta dos boatos dizendo sobre o jovem, o rei, um velho barrigudo e cheio de rugas, enviou três de seus cavaleiros para dar um fim nisso.
   Sentado na segurança da casa quente e confortável, o suposto mago enchia-se de vinho e pão, sem preocupar-se com a chuva devastadora que trazia pânico à floresta ao seu redor. E numa batida súbita de porta, cuspiu o vinho da boca e pôs-se de pé num pulo. Assustou-se pelo desespero da pessoa que tentava chamá-lo em meio ao barulho da chuva. Quando abriu a porta, deparou-se com quem menos desejava: os cavaleiros do rei.
- Queridos, por favor, saiam dessa chuva - o homem tentou, para sua tranquilidade, parecer o menos suspeito possível. Mas os cavaleiros sequer desmontaram dos cavalos; apenas olhavam-no bem nos olhos. O do meio, que aparentava ser o mais bruto, tinha uma grande cicatriz que descia por toda sua bochecha direita. Tinha entre o braço seu elmo, que trazia uma pequena bandeira com o estandarte do reino de Alestan - um escudo com uma espada cortando-lhe por trás. Os outros dois ainda tinham sobre a cabeça os capacetes, que eram idênticos ao do líder.
- Senhor Gaubert Bouchard, provável feiticeiro - disse, por fim, o cavaleiro do meio. - Usa a magia contra a ordem do rei e contra uma lei há muito aprovada. Temos ordem para levá-lo daqui.
   Gaubert, ao ouvi-lo, sentiu-se ameaçado. Agarrou-se à porta e forçou um sorriso.
- Meu senhor, a magia não mais existe. Como eu poderia usá-la novamente, sendo que todos os objetos relacionados a ela se foram? O próprio rei de Alestan, na época, disse ter acabo com todos os magos.
- Não minta - o cavaleiro saltou do cavalo, aterrissando no barro molhado que lhe sujou as botas. - Mostre-me o livro. Se não o fizer, cortarei sua garganta - ele cuspiu nos pés de Gaubert, retirando risadas dos companheiros. Adentrou a casa ao lado do suposto mago e o aguardou enquanto ele procurava pelo livro.
- Não me faça de tolo - ordenou, sentando-se na mesa e roubando uma uva. A cadeira, no mesmo instante, molhou-se por inteira; a cota de malha do velho estava encharcada.
   Aproveitando o momento de distração do cavaleiro arrogante, Gaubert pegou seu cetro escondido por trás de barris e apontou-o para o homem.
- Saia de minha casa, agora! Eu não tenho medo de atacá-lo!
- Pelos deuses - o cavaleiro arregalou os olhos, surpreso, mas ao mesmo tempo, assustado. - Então é verdade!
- Mostrarei-lhe a grande verdade! - Gaubert rugiu, furioso, e o diamante azul preso na ponta do cetro brilhou. E num movimento repentino, o cavaleiro foi atirado pelo ar, caindo ao lado da porta. Por mais que tentasse levantar-se e fugir, não conseguia; Gaubert segurava-lhe com a magia.
- Você me desafiou, velho... - disse o feiticeiro, cansado. Não conseguiria segurá-lo por mais tempo. - Vocês dois, vão embora! - ele gritou para os outros cavaleiros, para que pudesse somente dar um fim no qual fez-lhe de bobo. Voltou para dentro da casa e buscou uma faca, a mais afiada que conseguira encontrar. Ajoelhou-se ao lado do velho e encostou-a em seu pescoço. A lâmina era fria como as gotas vindas do céu.
- Não... - disse o homem, choramingando. Mas Gaubert não teria pena, assim como ele não teve ao ameaçá-lo.
- Quem terá o pescoço cortado será você - o feiticeiro riu. - Acho que perdeu o jogo - ele afundou a lâmina na pele frágil do homem, enquanto o fazia gemer de tanta dor. Mas era tarde; o feiticeiro partiu-lhe parte do pescoço. O cavaleiro estava morto.
   Naquele dia, Gaubert deixou a paz de lado e revelou a todos ser o único mago existente. Era agora temido pelo próprio rei.
   E a magia, por fim, renasceu diante o início do inverno.


Capítulo 1: Uma Visita Desconhecida
Spoiler
Citar   A manhã chegara fria e enevoada na pequena vila de Aldebrand que, embora fosse um lugar calmo, estava fora de controle após o incidente do dia anterior: a morte de Fray Faméte, um dos cavaleiros reais de Rei Aldred.
   Por conta disso, toda a floresta ao redor foi completamente ocupada por guardas. A prioridade do reino de Alestan era procurar o mago que provocara tal coisa. Chamaram-no Feiticeiro. Entretanto, mesmo com essas diversas confusões que surgiam à cada momento na vila,  um jovem mostrava-se destemido o suficiente para continuar suas tarefas diárias. Nada mais era que um humilde artesão de roupas, que sequer sabia empunhar uma espada.
   Seu nome era Aldun Ondart.
   Sentado sob as sombras de uma castanheira que lhe protegia dos raios do sol, trazia consigo na boca um grande cachimbo. Os anéis de fumaça subiam para além dos bosques, casas e colinas, até que se desfizessem.
   Quando soprou novamente a fumaça, desta vez pelas narinas, percebeu um anel passando à frente; ao lado, havia um guarda, com um pequeno cachimbo entre os lábios. Então aproveitou a chance. Virou-se para ele e soprou um enorme anel, que se chocou contra a cota de malha e explodiu-se. O velho guarda riu, aparentemente mostrando-se superior, e do pequeno cachimbo subiu um anel tão grande que fez Aldun achar que o seu nada mais era que um inútil anel mal feito. Mas não se deu por vencido tão facilmente. Soprou novamente, e o circulo de fumaça saiu tão enormemente que o guarda desistiu ao vê-lo.
- Seu cachimbo é maior - disse ele como desculpa.
- Não há problema nisso - disse Aldun, observando seu anel desaparecer por entre as árvores à frente. - Você pode fazer maiores se for bom.
   O velho guarda então respirou por um instante e depois soprou. E lá se foi o grande anel, maior até que o de Aldun, que por vez, também fez questão de soprar; porém o circulo saiu tão pequeno que retirou risadas do velho.
- Este foi bom - disse Aldun, sorridente. - O meu sequer aproximou-se da grandeza desse.
- É como você falou, senhor do fumo.
   Aldun riu, e por hora tirou o cachimbo da boca. Olhou para a vila ao norte - uma gritaria ressoava tão alto que parecia haver uma batalha, mas era somente o desespero das pessoas.
- É incrível como essas pessoas são tão tolas - disse o guarda. - O Feiticeiro provavelmente já está muito longe.
- Vejo que não sou o único que pensa assim - concordou Aldun, levantando-se. - O assassino nunca permaneceria no lugar onde assassinou o pobre cavaleiro.
  O velho guarda assentiu com um gesto, e novamente soprou seu cachimbo. Um minúsculo anel de fumaça formou-se, e subiu em direção ao céu. Antes que pudesse desaparecer na luz do dia, ele se desfez num rápido piscar de olhos. Depois de assistir à cena, o guarda virou-se para Aldun e perguntou:
- Qual é seu nome, rapaz? O que faz?
   Aldun respirou fundo; nada mais era que um imprestável camponês.
- Meu nome é Aldun Ondart, cujo nome dos pais não importa. Sou um artesão de roupa.
- Interessante - disse o guarda. - Eu me chamo Baldwin Grimbald, cujo nome dos pais não importa. Eu sou um guarda, como pode perceber. E eu estou precisando de roupas.
   Aldun sorriu. Ele demonstrava claramente a vontade de ir à casa do jovem artesão.
- Acho que posso lhe ajudar com as roupas.
- Eu ficaria grato - o guarda gargalhou.
   Aldun espreguiçou e caminhou até a estrada barrenta que levava à vila. Tinha vontade de conhecer melhor o velho soldado, que aparentemente também desejava conhecê-lo.

   Ao chegarem na humilde casa de madeira, Baldwin desprendeu a bainha de sua espada da cintura e colocou-a encostada na parede. No mesmo instante, Aldun correu até o fogo com a chaleira em mãos.
- Eu não bebo chá - o guarda alertou. - Se é que você irá fazer para mim.
- Ah, não, não é para você. Uma pessoa irá nos incomodar e eu devo fazer isto para ele.
- A quem se refere?
- Verá em breve - ele olhou de relance a pequena escadaria na sala. Pediu para que seu primo de quinze anos, Ned Ondart, estivesse dormindo. Mas deixou isto de lado e correu até a despensa, de onde tirou duas canecas e duas garrafas de cerveja. De modo desajeitado, carregou-as até a mesa, onde já havia uma xícara especialmente preparada para seu jovem primo, que em toda vila de Aldebrand era considerado uma peste.
   Sentou-se ao lado de Baldwin e serviu-o a cerveja. Enquanto ele bebia tudo num único gole, disse:
- É guarda a quanto tempo, Baldwin?
   O velho limpou sua curta barba com a mão e respondeu:
- Desde os vinte anos. Eu não me lembro muito bem!
   Aldun, sem que antes pudesse falar, escutou um barulho vindo da cozinha. Virou-se e viu, para seu desespero, seu primo Ned segurando a deliciosa torta de maçã feita no início da manhã. Ele levou-a até a mesa e sentou-se entre Baldwin e Aldun, que rapidamente sentiram-se incomodados. Aldun entregou a xícara ao primo e disse:
- Pegue a chaleira e tome o chá no seu quarto, por favor. Seja educado somente uma vez.
- Eu lhes trouxe a torta - disse ele, tomando a xícara do primo. Rapidamente correu até a despensa, de onde voltou com duas fatias de bolo sobre um prato, portanto sem a xícara. Depositou-as sobre a mesa e novamente sentou-se entre os dois adultos.
- Satisfeito, Aldun?
- Vá embora, Ned, sua peste! Vá comer no seu quarto!
- Ned - repetiu Baldwin, rindo. - Esse é o nome do pestinha.
  O garoto, que acabava de pegar uma fatia de bolo, colocou-a de volta na mesa e disse:
- Pestinha?! Tenha respeito com os menores, senhor guarda!
   Aldun rugiu e levantou, agarrando o primo pelo braço. Puxou-o da cadeira e disse:
- Aguarde um instante, Baldwin. Pode comer a vontade - e então levou Ned para a despensa. Trancou a porta e sussurrou, nervoso:
- Deve respeitar os visitantes! Será que nem uma vez, pelo menos, terá educação? - ele pegou a xícara que o primo deixara sobre o balcão instantes atrás e entregou a ele. - Pegue isso, pegue a chaleira, e volte para o quarto.
- O problema é... - Ned respirou fundo. - Leuric e Ulric estão aqui. Vamos comer, agora.
   Aldun riu, aturdido de tanto desespero; o que Baldwin pensaria ao ver uma casa comandada por crianças? E para seu grande terror, adentraram a pequena sala Leuric e Ulric, mais sorridentes que um pescador segurando uma moeda de ouro. Rapidamente os dois amigos de Ned começaram a dar voltas e mais voltas pela despensa, à procura de refeições que não tinham em casa.
- Parem imediatamente, parem! - gritou Aldun, em vão. Depois que pães, maçãs, amoras e tortas de amora foram roubadas, os dois sairam imediatamente da despensa, e o mínimo que Ned pôde fazer foi segui-los.
- Malditos! - sussurrou Aldun, impaciente. Voltou até a sala e, para sua surpresa, os três pequenos garotos sentavam-se ao lado de Baldwin, enquanto riam e organizavam as refeições postas sobre a mesa. E rapidamente, seu nervosismo se foi, e sua mente se esvaziou das preocupações.
- O... o que está acontecendo? - ele aproximou-se da mesa e sentou-se, enchendo a caneca de cerveja novamente.
- Você é paranóico - disse Ned, com a boca cheia. - Nós também temos vontade de conhecer esse guarda.
- Meu nome é Baldwin - ele disse. - E você não parece ser uma peste, Ned. Muito menos seus amigos.
   Ulric e Leuric tentaram conter uma risada, que por fim saiu indesejada. Aldun olhou-os, nervoso, e somente com a força do olhar eles silenciaram-se. Depois, explicou a Baldwin:
- O problema é que ele faz muitas coisas ruins para a vizinhança. Não só ele, como esses amiguinhos dele também.
- São só crianças. Devem mais é que aproveitar - ele bateu a caneca com força sobre a mesa. - Mas eu tenho algumas coisas para lhe perguntar, Aldun.
   Ele fez um sinal para que Baldwin prosseguisse, assustado após a reação repentina.
- Você viu algumas pessoas estranhas por essas florestas? Nada que tenha relação com o Feiticeiro. Estou falando dos orinucs.
- Orinucs - repetiu Aldun. - Essas pessoas não são vistas há muito tempo em Aldebrand. A última vez que apareceram eu era uma criança.
- O que é orinuc? - perguntou Ned, curioso.
- Orinuc significa louco, em galar - explicou o primo. - São pessoas loucas, como o próprio nome já diz. Talvez canibais que há muito tempo viviam nessas florestas.
- Não nas florestas - corrigiu Baldwin. - em cavernas escondidas nessas florestas.
   E nesse momento, ao escutar as palavras do guarda, Aldun percebeu. Talvez eles jamais tivessem desaparecido.
- Está deduzindo que...
- O problema, Aldun, é que eu não estou aqui para cuidar do Feiticeiro, e muito menos estou aqui em ordem do rei - ele mordiscou uma fatia do bolo. - Estou aqui em ordem de Oswyn Lefwinus.
   Aldun perdeu todo o apetite. Quem era Baldwin Grimbald de verdade? E muito menos sabia quem era Oswyn Lefwinus.
- Você mentiu! Pelos Deuses, quem é você?
- Eu nunca disse que era um guarda do rei. E eu sou quem você já sabe, Baldwin Grimbald.
   Ned, Leuric e Ulric, quando perceberam a situação, rapidamente se retiraram da casa. Acharam que o melhor seria os dois discutirem entre si.
- Mas quem é Oswyn Lefwinus?
- Isso você não precisa saber - ele levantou-se, espreguiçando-se. - Mas eu preciso de sua ajuda para... - antes que pudesse terminar a frase, gritos desesperados assustaram-lhe. Olhou pela janela e percebeu toda uma multidão reunida num circulo, ao redor de alguma coisa.
- O que é aquilo? - ele perguntou, mas sem pretenções de receber uma resposta. Correu até a porta, pegando sua espada encostada ao lado e prendendo-a no cinto.
- Espere! - gritou Aldun, correndo atrás de Baldwin.
   Quando sairam de casa, perceberam um caos total; Ned estava encolhido na porta, e quando percebeu que o primo havia aparecido, fez questão de agarrar-se a ele.
- O que aconteceu, Ned? - perguntou Aldun.
- Uma... uma flecha acertou o sr. Osgarus - ele estava trêmulo. - Não só ele, mas... mas a sra. Ailith também!
- Pelos Deuses! - ele olhou para a multidão; Baldwin já estava lá, introduzindo-se no meio como uma cobra. Aldun e o primo correram até ele, empurrando todos que se intrometiam em seus caminhos no chão barrento. E por fim, encontrou Baldwin ajoelhado ao lado do corpo do velho Osgarus. Ele retirou a flecha que lhe atravessava o peito e observou-a.
- Orinucs - disse ele. E mais uma vez, gritos ressoaram pela vila. - Vamos sair daqui, imediatamente! Aldun e Ned, devem vir conosco! - ele levantou-se num pulo e agarrou o braço de Aldun, e olhou ao redor para ver se Ned seguia-lhe por trás. Os olhos tristes do garoto sequer desviavam de Baldwin; queria naquele momento somente a segurança de sua casa.
- Vamos para casa, Aldun! - ele gritou.
- Não é seguro! - gritou Baldwin. - Os orinucs vão atacar a vila! E eu menti para você, Aldun - ele empurrou um velho que lhe tampou o caminho. - Os orinucs, mais que todos, possuem relação com o Feiticeiro. Foi ele que provocou tudo isso, eu presumo.
   "Quem é Baldwin Grimbald?", perguntou-se Aldun enquanto o seguia para além da floresta, em direção a uma carruagem estacionada ao lado da Estrada Real que ligava Aldebrand com a província de Barinor.
   Perdera agora sua casa; não sabia o que fazer em seguida, a não ser seguir Baldwin. "Embora ele tenha mentido, acabou por salvar minha vida", ele tentou pensar pelo lado bom.
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Capítulo 2: Barinor
Spoiler
Citar   Já passava do entardecer quando o trio deixara a Floresta do Silêncio ao redor de Aldebrand. A carruagem conversível permitia a conversa dos três, portanto Baldwin não falava desde quando fugira da vila.
   As nuvens negras e carregadas no alto do céu já mostravam sinais de chuva. O sol lançava seus últimos raios luminosos quando iniciou seu repouso no longínquo oeste, sob a antiga Montanha Sísmica, que durante toda sua existência foi dita como ruim.
   Aldun e Ned já não sabiam o que fazer quando alcançassem Barinor; era uma província muito rica e movimentada, e o próprio rei Aldred visitava-a toda semana. Porém sabia que voltar para Aldebrand lhe custaria a vida - os orinucs já dominavam a pobre vila, presumiu. E o imprestável exército de Barinor jamais faria algo para ajudá-la, afinal, o risco de perder a vida para salvar a de camponeses não valeria de nada.
   Mas uma única pergunta não calava na frágil mente de Aldun - Por que Baldwin buscava informações sobre os orinucs? Na longa viagem que se passara, Aldun deduzira várias teorias sobre isso: talvez ele já soubesse que o Feiticeiro iria usá-los antes mesmo do rei e decidira procurá-los para por um fim nisso. Mas não conseguiu achá-los por conta dos esconderijos, claro, e o ataque aconteceu. Mas nada disso poderia ser comprovado sem que antes Baldwin respondesse.
   Ao decorrer do tempo, a estrada passou de barro à pedra. Estavam finalmente alcançando a cidade de Barinor quando Aldun decidiu abrir a boca.
- Quem é você, afinal, Baldwin?
- Eu não sei se entenderia - ele bufou, entretanto sem tirar os olhos da estrada à frente.
- Diga-me. Aposto que Ned também está curioso - ele entreolhou o primo, que parecia triste.
   O suposto guarda diminuiu a velocidade da carruagem e começou a contar.
- É uma história muito longa, mas eu não darei importância se não prestarem atenção. Há muito tempo, durante a Era Arcana, uma irmandade foi criada com a intenção de destruir a magia; de início, foram somente sete homens. Eles nomearam-se Guardiões.
- Guardiões? Por destruir a magia? - Aldun riu.
- Silêncio! A magia, caro amigo, começou a ser algo vil naquela época. Ao invés de ser usada para bons fins, era usada para destruir, roubar e matar. Até mesmo os reis proibiram-na nos reinos. Mas como eu ia dizendo - ele bocejou. - Os Guardiões agiam pro conta própria, sequer eram mandados pelos reis. Um dia, durante uma caçada à procura de um mago, o líder dos Guardiões percebeu que destruir a magia só faria mais violência; até os bons magos eram mortos. Mas já era tarde. Uma ordem criada pelos três reis após a realização de um acordo de paz, nomeada Ordem dos Paladinos, foi enviada para destruir todos os magos. Diziam que a vontade dos Deuses não era a vida ao lado da magia, e sim a destruição dela e todos os que a usavam. Depois de uma década, a ordem foi acabando aos poucos, e todos os magos estavam mortos, e seus objetos, queimados e destruídos. E então, os Guardiões, que não conseguiram conter o extermínio, guardaram consigo um livro mágico, para que a magia ainda existisse no mundo. Porém ele foi perdido durante uma viagem, e ninguém soube quem o pegou. Mas agora nós sabemos quem é o portador desse velho objeto: o Feiticeiro.
- Certo. Mas o que isso tem haver com você? - perguntou Aldun, com os olhos semiabertos. Ned aparentava estar adormecido, mas apenas descansava com os olhos fechados.
- Eu sou um Guardião, Aldun - revelou Baldwin.
   E neste momento, Aldun viu-se no meio de toda a confusão com o Feiticeiro. O que diabos estava fazendo ao lado de um Guardião? Portanto, devia abster-se de suas reclamações sobre ele ter mentido. Decidira que devia parecer o mais sábio possível, mesmo que fosse somente um mero artesão que, aparentemente, havia deixado seu ofício de lado. Sabia que à partir daquela conversa, estaria envolvido com Baldwin por ter descoberto muitas daquelas informações.
- E agora me surge mais uma questão: se é um guardião, o que estava fazendo buscando informações sobre os orinucs? Eu sei que foram subornados de algum modo pelo Feiticeiro, mas se você pretendia pegá-lo falando com aqueles loucos, acabaria morto.
- Eu não queria pegar o Feiticeiro, pois é óbvio que nem os orinucs sabem para onde ele foi. Um dos Guardiões foi pego em Barinor, e de acordos com algumas informações obtidas, presumimos que foram orinucs que o capturaram e o levaram à Floresta do Silêncio. Mas infelizmente é tarde. De sete Guardiões, restam somente quatro.
- O que aconteceu com os outros dois?
- Foram decapitados - disse Baldwin com frieza. - Mas agora, resta somente nosso mestre, Oswyn, para cumprir o objetivo principal dos Guardiões, que é deter o Feiticeiro e obter o livro de feitiços novamente.
   Aldun franziu a testa, curioso, e perguntou:
- E o que você e os outros dois farão?
   Ele riu.
- Iremos sair numa jornada até a Cordilheira Cinzenta à procura dos gnows. De acordo com algumas pessoas, surgiram novamente junto ao renascer da magia. Até Oswyn crê nisto.
   "Gnows" repetiu Aldun em sua mente. Gnows eram humanóides masculinos, roxos e de orelhas pontudas, que não possuíam menos de um metro e setenta. O rosto, ao invés de ter o exterior do nariz, somente tinha as narinas presas em si. Em ambos os braços tinham uma forte camada de pelo, semelhante ao couro, que podia proteger-lhes até do corte de uma espada.
   Aldun olhou para o norte - a cidade de Barinor estava a poucos metros de distância, porém já podia-se ver um comércio formado à frente da muralha que, em seu topo, estava carregada de arqueiros atentos a qualquer movimento. Caravanas de viajantes e comerciantes chegavam a todo instante, e os guardas aparentemente haviam montado uma vigilância para prenderem todos que estivessem com uma mercadoria incomum.
- Sejam bem vindos à Barinor! - exclamou Baldwin. Ned, após escutá-lo, abriu os olhos e um sorriso torto surgiu em seu rosto. Jamais estivera num lugar daqueles. E, para sua sorte, acabou deparando-se com algo que nunca antes havia visto - um ignis. São seres de cabelos brancos e olhos dourados, e os homens normalmente cresciam de um metro e oitenta a um metro e oitenta e cinco; entretanto, as mulheres, cresciam apenas de um metro e setenta a um metro e setenta e cinco.
- Um ignis! - gritou Ned. - Eu nunca vi um! Ouvi dizer que vivem somente além das Terras Antigas. Esses cabelos brancos e olhos dourados... Parecem descentes dos próprios Deuses.
- Eles vivem nas Terras Antigas, mas muitos buscam se aventurar por essas terras - explicou Baldwin. - E nem todos possuem cabelos brancos e olhos dourados, Ned. Muitos nascem com cabelos vermelhos e olhos brancos, mas estes são ditos como amaldiçoados e devem ser enviados para Aelgar, a Cidade da Água. Dizem que lá suas impurezas serão retiradas, e quando realizados vinte anos, podem voltar à cidade natal. Vinte anos para quem vive duzentos não é nada.
- Duzentos anos?! - perguntou Ned, boquiaberto.
- Exatamente - respondeu Baldwin. Conforme aproximavam-se da muralha, a voz das pessoas ficava cada vez mais altas. Atravessaram o pequenino comércio organizado com tendas e finalmente viram com clareza a entrada de Barinor: um grande portão de ferro estendia-se por quatro metros na muralha, que tinha presa a si uma espécie de rampa com lâminas postas em seu exterior.
   Quando se aproximaram do grande portão, Baldwin encobriu sua cintura com seu longo manto, para garantir que os soldados não lhe pegassem andando com uma espada.
   Porém, dois guardas trajados com armaduras pesadas impediram-lhe com lanças.
- Devemos ver sua carruagem primeiro, senhor.
   Por mais relutante que os três estivessem, foram obrigados a sair e aguardar longos e demorados minutos até que os guardas garantissem que não carregassem nada que oferesse perigo. Por sorte, não viram a espada de Baldwin, que voltou a carregar os dois primos sobre a carruagem.
   E por fim, eles literalmente chegaram na província de Barinor. Casas de madeiras e pedras eram construídas lado a lado, extremamente pertas, quase coladas. No centro da cidade era possível avistar o grande castelo, protegido pelos muros da cidadela.
- Incrível - disse Aldun. - Eu sempre estive tão perto de uma verdadeira cidade mas eu sequer ousei aproximar-me daqui.
   Ned sequer teve palavras para descrever a beleza - talvez não tanta - daquele lugar. Embora, é claro, tivesse os lugares feios.
   Mas Baldwin não teve vontade para conversar naquele momento. Os levou até um local sem tanto movimento, onde havia uma grande casa de pedra de dois andares construída sobre um gramado. Os primos desceram da carruagem e aguardaram enquanto Baldwin prendia o cavalo na cerca. Depois acompanharam-no para até à casa, onde Aldun observou, com dificuldade, uma pequena placa no exterior: "O Ignis Ruivo". Não sabia o que significava, muito menos sabia o motivo de ter aquilo descrito na frente do local. Mas não ousou deixar de seguir Baldwin. "Se eu, um mero camponês, fui trago por um Guardião até aqui... Há algum motivo" pensou.
   Quando adentraram o local, Ned e Aldun foram surpreendidos: por fora não havia movimento algum, mas lá, tinha pelo menos dez pessoas, que sentadas em suas mesas, cantavam e bebiam. Era uma taverna.
   Baldwin aproximou-se do taberneiro, um velho calvo com uma barba branca que tinha na boca um longo cachimbo e pediu, sorridente:
- Cachimbo, veja-me três canecas de cerveja. Não, não, são só duas. Dê-me um copo de água no lugar.
- Esteve longe, senhor Baldwin! Logo lhe darei o que pediu. Sinta-se à vontade.
- Obrigado, Cachimbo - ele virou-se para os dois primos. - Vamos nos sentar e conversar.
   Aldun franziu a testa.
- Conversar? Não é hora para isso. Eu quero porque eu estou aqui, com você. Por que está me ajudando?
   Baldwin respirou fundo, e com um gesto, chamou-os até uma mesa. Quando todos sentaram-se, ele disse:
- O problema é que vejo você como uma boa pessoa; parece ser um bom homem, e eu tive pena de deixá-lo para morrer em Aldebrand. E este lugar, por mais que aparente ser uma taverna, é também uma pousada. O velho hospitaleiro, Cachimbo, lhes dará um quarto de graça até que arrumem outro lugar para ficar. Acho que não tem muitas opções, principalmente porque a mente de Ned deve estar confusa.
   "Ned", murmurou Aldun. Às vezes achava que as tarefas de primo, embora a relação dos dois fosse de irmãos, era irritante em certo ponto. Mas ele devia dar o melhor para Ned e aceitar a proposta de Baldwin.
- Tudo bem - disse ele simplesmente. E no mesmo instante, chegou à mesa Cachimbo com duas canecas e um copo especialmente preparado para Ned.
- São novos amigos, Baldwin?
- Sim, são boas pessoas. E eu tenho uma coisa para lhe pedir, antes que vá. Poderia arrumar um quarto para os dois, de duas camas? Deixe-os ficar até que achem um lugar fixo. A casa deles era em Aldebrand.
- Meus senhores, recebam meus pêsames. Os orinucs são realmente más pessoas.
- Nós não perdemos ninguém, senhor - disse Ned. - Só a nossa casa.
   Cachimbo gargalhou.
- Neste caso, sintam-se à vontade e tenham uma boa estadia. Aproveitem e usem este quarto - ele tirou uma chave do bolso e entregou-a a Ned. - É pequeno, mas tem duas camas e acho que será o suficiente para os dois.
- Obrigado - o garoto agradeceu.
   Depois de tomar um longo e demorado gole, Baldwin perguntou aos primos:
- Vocês conhecem a canção "Sob o Vapor do Vinho", de Ailbriht Ethelmar? Era o famoso Ignis Ruivo, que fundou esse estabelecimento.
- Agora faz todo o sentido o nome deste lugar - disse Aldun. - E é claro que conheço essa canção.
- Eu também - disse Ned, sorrindo. - Lembro que ela começa "Sob a noite estrelada"...
   Baldwin bebeu todo o restante da cerveja e por fim disse:
- Cantemos todos juntos!
   Aldun pensou esquecer-se da letra por um instante, mas logo deteu este pensamento e ambos cantaram, juntos:

Sob a noite estrelada,
Avisto uma casa desboroada.
Ao lado vejo luz,
Mas ir até lá eu opus.

Não resisti ao vapor do vinho,
E até lá segui com carinho.
Me deparei com uma taverna,
Bem no fim da viela.

Entrei com boca seca,
E bebi até a soneca.
Cantando na casa,
Eu vivi como se tivesse asa.

Sob a noite estrelada,
Avisto uma casa desboroada.
Ao lado vejo luz,
Mas ir até lá eu opuz.

Não resisti ao vapor do vinho,
E até lá segui com carinho.
Me deparei com uma taverna,
Bem no fim da viela.

Entrei com boca seca,
E bebi até a soneca.
Cantando na casa,
Eu vivi como se tivesse asa.


   E no fim da noite, Ned e Aldun desmoronaram na cama após horas de canto sob o vapor do vinho.



[close]
fear is the mind-killer

  Esse é um dos modos de escrita mais usados, creio eu.  É o método do "Narrador" (chamo assim).  Quando você disse acima que estava buscando um modo de "contar a história", achei que você contaria a mesma sendo um personagem na história, não como narrador da mesma.  Enfim, ficou muito boa.

  Você contou a história de maestralmente.  Posso arriscar a dizer que foi algo muito profissional.  As ações e falas foram bem separadas, e de uma forma organizada (coisa que não ando vendo nos textos de hoje em dia).  As ações, que para mim, são as mais dificeis de se narrar, com você se sairam muito boas.  É dificil "passar a ação para os leitores", então uma cena bem explicada faz o leitor imaginar a ação, e você conseguiu fazer isso.

  É isso.  Espero que continue escrevendo assim, tem muito futuro - falando sério mesmo.  Até mais.

Como o Lobo disse, eu também achei bem profissional o seu texto. E você me conseguiu fazer imaginar muito bem as cenas e ações.
Eu não sou roteirista ou algo do tipo para avaliar isto, mas acho que uma avaliação vinda de um leitor normal é algo importante. Muito bom, parabéns.

Citação de: lobozero online 19/12/2012 às 17:29
  Esse é um dos modos de escrita mais usados, creio eu.  É o método do "Narrador" (chamo assim).  Quando você disse acima que estava buscando um modo de "contar a história", achei que você contaria a mesma sendo um personagem na história, não como narrador da mesma.  Enfim, ficou muito boa.

  Você contou a história de maestralmente.  Posso arriscar a dizer que foi algo muito profissional.  As ações e falas foram bem separadas, e de uma forma organizada (coisa que não ando vendo nos textos de hoje em dia).  As ações, que para mim, são as mais dificeis de se narrar, com você se sairam muito boas.  É dificil "passar a ação para os leitores", então uma cena bem explicada faz o leitor imaginar a ação, e você conseguiu fazer isso.

  É isso.  Espero que continue escrevendo assim, tem muito futuro - falando sério mesmo.  Até mais.

Loool, profissional? Ô.Ô, acho que ainda estou longe disso. Mas quanto mais eu praticar, melhor vou ficando na parada, até ficar profissa mesmo. Minha maior dificuldade na hora de escrever é fazer as pessoas conversarem naturalmente. Porém, acho que estou fazendo isso corretamente nessa série. E você tem razão: acho que eu não expliquei muito bem o que queria fazer com o texto, naquela introdução acima. Depois eu edito.

Abraços!

Citação de: RD12 online 19/12/2012 às 17:47
Como o Lobo disse, eu também achei bem profissional o seu texto. E você me conseguiu fazer imaginar muito bem as cenas e ações.
Eu não sou roteirista ou algo do tipo para avaliar isto, mas acho que uma avaliação vinda de um leitor normal é algo importante. Muito bom, parabéns.

RD, velho conhecido!
E realmente, receber palavras vindas dos leitores é muito importante. É bom saber se eles leriam ou não algo assim.

Capítulo 1 postado!

Obrigado a todos.

Abraços!
fear is the mind-killer

Desculpem-me por isso.
Venho avisar que postei o segundo capítulo. Espero que gostem =D!
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