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A Vida de Dave McCloud

Iniciado por Vifibi, 08/01/2013 às 20:40

A Vida de Dave McCloud

Dave se vestiu, sorrindo. Saiu de seu prédio, e entrou no Metrô de Nova York. Mantendo o sorriso, saiu do Metrô e entrou no prédio aonde trabalhava. Ignorou seu chefe, e subiu até seu escritório.

No escritório, ele ajustou sua gravata, retirou o paletó, abriu a janela de seu escritório, e subiu. Virou-se, e, abrindo um sorriso para seus colegas de trabalho exasperados, deixou-se cair para trás.

O telefone tocou. Um jovem, dormindo em sua cadeira, rosnou e virou-se, voltando a cair no sono. O telefone tocou outra vez. Ele se levantou, irritado. O telefone tocou uma última vez, e o jovem atendeu.

- Alô?
- Detetive Harrison! - Era sua secretária.
- Betty, o que eu te disse sobre me acordar de manhã?
- Eu sei, Sean, mas o detetive chefe Gus ligou. Ele quer que você vá para a rua Hayton, perto do Times Square. Disse que você vai saber quando chegar.

Sean Harrison desligou o telefone, sem se despedir. Ultimamente seu chefe tem lhe importunado descomunalmente. Ele pôs seu sobretudo - Era inverno - E saiu às ruas, dirigindo seu velho Chevrolet.

Na neve fina de Nova York, sorrindo alto para os céus de forma que aterrorizava Sean, estava o cadáver de Dave McCloud. Gus estava logo ao lado do corpo, e, tomando um gole de café, chutou de leve a cabeça dele.

- É assim que você trata os recém-partidos? - Sean interrompeu-o, claramente irritado.
- E o que importa? Recém-partido ou há muito enterrado, todos fedem.
- Diferente de você, acredito.
- Muito engraçado, Sean.
- Então, qual é o caso?
- Não tem caso, esse palhaço se jogou.
- Por que você me chamou aqui, Gus? - Ele estava sem paciência para as idiotices de Gus.
- Como vai a esposa, Sean?
- Vai bem, mas não é mais minha esposa. Você sabe disso.
- Sei. Eu vi você dormindo no escritório, chorando o nome dela.
- Por que você me chamou aqui, Gus? - Sua paciência havia se esgotado.
- Eu queria que você soubesse como você ficaria se decidisse sair da maneira fácil. Não é uma vista bonita.
- Existe algo nesta cidade que seja?
- Talvez não, mas um jovem de vinte e sete anos se matando porque sente saudades da esposa não vai ajudar a paisagem, vai?
- Eu não vou me matar, Gus.
- Assim você diz. Enfim. Eu tenho que ir cuidar de alguns casos de verdade. Faça-me um favor, e preencha a ficha de ocorrência dele. Questione testemunhas, etc.

Gus deixou Sean ao lado do corpo, junto com seu copo vazio de café. Sean se ajoelhou, fechando os olhos sorridentes do cadáver. Gus nunca dava conselhos sem ter um forte auxílio visual.

Michelle era uma garota de cidade pequena, do tipo que nunca conheceu nada que estivesse fora do alcance das ruas aonde crescera. Quando um homem de Nova York apareceu em sua vida, ninguém se surpreendeu quando ela largou tudo para segui-lo, apesar de ter apenas quinze anos.

Ela esfregava as lágrimas furiosamente, tentando não lamentar a morte de seu amante, dividida entre odiá-lo e amá-lo. Odiava seu trabalho na cafeteria, e tinha o sonho de que seu amante iria levá-la para longe. Seus sonhos foram destruídos, como o barulho que Sean fez ao esbarrar em uma das garçonetes.

- Com licença, - Sean chamou a atenção de Michelle - Eu gostaria de um copo de café.
- Tudo bem. Vai querer com adoçante ou açúcar? - Ela tentou manter seu profissionalismo, apesar das lágrimas que rolavam por seu rosto.
- Está tudo bem com a senhora? Está chorando.
- Não, eu estou... - Ela lançou um olhar aonde o corpo de Dave estava minutos atrás, e soluçou, tentando conter o choro. - Estou bem.
- A senhorita conhecia Dave McCloud?
- Não! Quero dizer... Sim, eu conhecia. Me desculpe, é que eu era a... - Ela engasgou.
- Você era a...?
- Eu era a amante dele.
- A amante dele? Então você pode me dizer aonde ele morava?
- Não! Eu...
- Por favor - Sean segurou na mão dela, fitando-a nos olhos - Qualquer informação poderá ser crucial para minha investigação.
- Tudo bem. - Ela respondeu, depois de alguns segundos - Ele morava na rua Holt, número 55, apartamento 901.
- Obrigado. Aqui, tome meu cartão de trabalho. Caso precise de ajuda, ligue.

Sean foi embora, deixando a pobre garçonete com seus próprios demônios para lutar. Ele seguiu à pé para a rua indicada, e, chegando no prédio, tocou o interfone do 601. Quem atendeu foi uma mulher com uma voz sedutora.

- Alô? Quem está aí?
- Alô. Aqui é o Detetive Harrison, da Polícia de Nova York. Eu gostaria de lhe fazer algumas perguntas acerca de Dave McCloud. - Sean percebeu que possivelmente seria o homem que contaria para ela sobre a morte de seu marido.
- Dave? Tudo bem. - A voz melodiosa dela alterou-se ao ouvir o nome do marido - Suba.

Scarlett, ao contrário do que o nome fazia acreditar, era uma loira. Seus lábios carnudos encantavam Sean, e lembravam-no de uma paixão antiga que tivera quando o mundo ainda era colorido para si.

A jovem mulher havia gostado do detetive. Seu marido não lhe importava mais, estando sempre com sua amante. Ela teria deixado-o, mas sua criação advertia-lhe contra.

Havia nascido e crescido em Nova York, e sua família sempre tivera dinheiro sobrando. Seu pai trabalhava com bolsas de valores, e sua mãe era uma dona-de-casa.

- Senhorita...
- Scarlett. O nome é Scarlett.
- Senhorita Scarlett McCloud, meu nome é Sean Harrison, do departamento de polícia. Eu sinto lhe informar que... Seu marido, Dave McCloud, faleceu esta manhã.
- Minha... - A expressão de Scarlett se alterou completamente - Minha nossa. Como?
- Suicídio, é o que imaginamos. Ele contemplava se matar?
- Não. Ele era feliz. Pelo menos era o que eu achava. Ele sempre saía de noite, fosse comigo ou com aquela rameira que ele chama de "Michelle". E algumas vezes saía sozinho, e voltava tarde.
- Você sabia da amante dele?
- Sim, eu sabia. Sentia pena da coitada, se deixando levar pelas promessas vazias dele de levá-la para conhecer o mundo.
- Mas não fazia nada?
- Não era a coisa certa a se fazer. Mamãe sempre me dizia: "Obedeça seu marido! Ele te alimenta e te dá um teto, você deve sua vida a ele!"
- Entendo - Sean coçou a testa - E ele não fazia nada que lhe... Parecia estranho?
- Agora que você diz... Ele mantinha um diário. Nunca deixava eu ler, então eu não sei o que pode ter nele. Mas, se você quiser ver, não posso lhe impedir.

O diário era, por falta de uma expressão melhor, uma bagunça. Como as memórias de um homem insano. Sean notou, no entanto, que Dave era obcecado com algum tipo de "Ilusão". Sem conseguir uma resposta melhor, fechou o diário.

- Então, tem algo aí que vá lhe ajudar? - Sean assustou-se com uma Scarlett esperançosa. Mas se assustou ainda mais com sua lingerie com ainda mais esperança.
- Não. Tudo que ele escreveu é muito confuso. Mas obrigado mesmo assim, e... - Scarlett havia se aproximado de forma perigosa. Seu corpo lúgubre se mostrava encantador pela transparência da roupa - Eu tenho que ir embora.
- Tem certeza? Não pode ficar mais um pouco? Por favor, faça um pouco de companhia a esta pobre viúva.
- Bem, eu... - Já era tarde demais. Sean deixara-se seduzir.

Ele saiu do apartamento duas horas depois, cansado e sentindo-se culpado. Nunca deveria se envolver com viúvas, ainda mais viúvas emocionalmente abaladas, e sabia disso. Deixou seu telefone na mesa da sala, por pena de Scarlett.

- Descobriu alguma coisa? - Gus, seu chefe, o interceptou ao caminho de seu escritório na Delegacia.
- Nada de interessante. Acho que Dave era meio doido.
- Meio doido? - Coçou o queixo.
- Eu investiguei a casa dele - Sean continuou - Ele mantinha um diário.
- Nada de doido nisso. Um pouco feminino, talvez, mas nada de doido.
- Ele era obcecado com uma tal "Ilusão". Na última página, ele começou a repetir "Descobri, descobri!", e a data era a do dia anterior à morte dele.
- Huh - Gus tomou um gole de café - Acho que já sabemos então o que fez ele fingir que era um frango e tentar voar.
- Frangos não voam.
- Muito menos Dave.
- Suas piadas às custas dos mortos sempre me deixam desconfortável, sabia disso?
- Melhor que suas sobre malditos carros de corrida. Mas, sobre outros assuntos: Como vai a esposa?
- Vai bem. Está no Caribe com o novo namorado.
- Não diga - Gus disfarçou surpresa - Mas sabe como é: Um detetive está fadado a perder mais mulheres do que casos - Na mente de Sean, Gus tinha uma ex-mulher para cada fio de barba mal-feita que ele usava com orgulho.
- Bem, Gus, se isso é tudo, eu tenho que trabalhar no meu caso.
- O quê, você ainda não o fechou? O cara era doido. Pirado. Achou que era...
- Sim, eu entendi. "Achou que era frango e resolveu voar". Muito engraçado. Mas alguma coisa não faz sentido. Eu quero entender o que é, OK?
- Hey, é o seu funeral. Ou o dele. Ou dos dois, se você seguir o exemplo dele - Ele mostrou uma face séria e levemente triste, e voltou para seu escritório, balançando a cabeça, e Sean foi para seu próprio.

Ele passou a tarde pensando na "Ilusão". Do que seria a ilusão? O amor da sua esposa? O seu trabalho? O que, afinal, fez ele sorrir ao se jogar do topo de um prédio? A imagem do sorriso fez com que Sean tivesse um calafrio. Acabou cochilando em sua cadeira, e foi acordado pelo toque de seu telefone.

- Alô?
- Alô! Detetive Sean?! - Era a voz de Michelle, e parecia desesperada.
- Sim, houve alguma coisa?
- Dave, ele... Ele... - Sean entendeu então o que ela estava dizendo.
- Ele está morto. Achei que você já soubesse disso.
- Não! Não é isso! Ele me deixou uma carta! - O detetive esbugalhou os olhos.
- Uma carta? Mas... Como?
- Não sei. E eu não tive coragem de abri-la.
- Tudo bem, eu vou até aí, e eu irei ler tal carta - Sean deixou-se levar pela curiosidade.

O apartamento de Michelle era pequeno. Minúsculo, até. Nele, encontrava-se uma mulher chorando e assustada, segurando em suas mãos uma carta lacrada com o remetente de seu amante. Ela abraçou Sean, deprimida, e deu-lhe a carta. Ele a abriu, cauteloso. Como previra, mais incoerências sobre uma "Grande Ilusão", junto com um pedido de desculpas para Michelle. Ele fechou-a, sem revelar o conteúdo da carta para a pobre garçonete.

- O que diz na carta?
- Apenas... - Sean suspirou - Apenas uma confirmação de minhas suspeitas: Dave era louco.
- Não! Ele não... Ele não podia ser - Os olhos de Michelle se acenderam com incerteza. O detetive balançou a cabeça, e se preparou para ir embora.
- Sendo louco ou não, ele se matou. É aqui onde eu encerro o caso. Até mais, Michelle.
- Por favor, ele não se matou!
- E que outra pessoa teria matado ele?
- Eu... Eu não sei... Por favor, não vá embora.
- Não posso. Tenho que encerrar este caso ainda hoje.
- Quando Dave ainda era vivo... - Ela pareceu estar finalmente aceitando a morte dele - Ele costumava dizer que passar uma noite sozinha era como apostar na loteria: Você sempre perdia no final, não importa o que fizesse.
- Isso não faz sentido, Michelle. Muito menos o que ele costumava escrever, sobre uma tal "Ilusão".
- Eu... Eu sei. Eu apenas não quero ficar sozinha de novo. Não vá embora. Não até a noite terminar.

Sean nunca soube o que fez ele ficar. Talvez fosse o whiskey. Talvez fosse a depressão, ou talvez fosse a própria garçonete, por quem ele sentia uma grande atração. Ele estava acordado no escuro, ao lado dela, e saiu da cama, começando a se arrumar. Michelle sentiu a ausência do calor dele, e disse, enquanto sonhava "Dave... Volte para a cama...".

Então Sean entendeu. A loucura. O caderno. Scarlett, Michelle, sua ex-mulher. Entendeu tudo. Um suspiro havia feito-a entender, assim como havia destruído seu coração meses atrás. Ele terminou de se vestir, e correu do apartamento, deixando uma Michelle sem esperanças e solitária, no escuro que havia construído para si mesma - E para outros, se tivesse a chance.

Foi ao apartamento de Scarlett, que, surpreendentemente, já o aguardava, usando um decote que, sem falhas, deixou Sean pasmo. Ele sorriu, entendendo o que havia de fato acontecido. Ele entendeu tudo, afinal de contas. Aquela era a chance dele. Com um sorriso diabólico ainda percorrendo seu rosto, ele beijou sua nova mulher.

Sean acordou no dia seguinte, sorrindo. Levantou-se e vestiu, dando um beijo de "Adeus" em sua esposa. Saiu do prédio. Pegou o Metrô. Entrou no prédio aonde trabalhava, e, ignorando seu chefe, foi até o décimo quinto andar, aonde ficava seu escritório. Tirou seu paletó e sua gravata, e subiu no peitoril da janela. Virou-se de volta para seus colegas de trabalho - Agora horrorizados -, e pensou consigo mesmo:

"Eu não quero ser Dave McCloud"

Então ele sorriu.