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Lemni

Iniciado por Vifibi, 08/01/2013 às 20:43

Int.

Spoiler

As portas se abriram. Entrou no estabelecimento uma mulher, nua, loira, seios perfeitos, traseiro firme e delineado. Seu rosto era impecável, com lábios carnudos, bochechas rosadas, olhos verdes penetrantes.

Andou confusa pelo corredor metálico, as janelas mostrando um horizonte destruído, nevado e deprimente. Um buraco abriu-se no chão à sua frente, e subiu-se um robô, vapor soltando por suas entranhas. Ele demonstrava com orgulho uma protuberância de bronze.

Sem hesitação, a mulher ajoelhou-se na frente do maquinário, e a protuberância encaixou-se por entre seus lábios. O autômato moveu a protuberância ritmicamente, aumentando gradualmente a velocidade. Por fim, a mulher montou no robô.

— Nas Indústrias MG — interrompeu uma voz, enquanto a mulher subia e descia no pênis de bronze — nós conhecemos suas preferências. Sabemos como vocês preferem seus humbots — humanos geneticamente modificados —, e sabemos como vocês querem que eles se pareçam. Por que gastar tempo, dinheiro e etc. numa relação, quando apenas oitocentos coletas lhe compram um humbot novo em folha?

— Lembrem-se — a voz continuou —, humbots não são humanos. São criados do embrião humano, sim, mas são modificados geneticamente, tornando-os não-humanos. São escravos voluntários, robôs de carne e osso. Não há perigo em ter um humbot, eles não têm vontade própria. Compre já o seu.

O comercial finalizou com a imagem da humbot gritando de prazer e o robô jorrando um líquido parecido com esperma em sua face. O logo da IMG superpôs-se à cena, cortando para uma tela preta.
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Capt. 1

Spoiler

O homem sentou-se à mesa, cansado. Tomava frustrado um copo de vodka, a única bebida que encontrava naqueles dias. Pegou uma pílula pequena. Antitremeiras, como chamavam. Engoliu-a com o último gole em seu copo, suspirando. Era horário de almoço na fábrica, e teria que voltar em breve ao batente, mais cinco horas de trabalho inexpugnável em sua memória falha e cansada.

O apito tocou, anunciando o fim brusco do intervalo. Resmungando, o homem começou a comutação pelas escadarias do complexo, ofegando como um porco. Primeiro andar, o andar dos Vaporizados, dos trabalhadores comuns. Segundo andar, manutenção de equipamento. Também haviam muitos vaporizados naquele lixão. Terceiro andar eram os idiotas de Marketing. Quarto andar era o andar dele. Trabalho mental, de pessoas cultas. Ou pelo menos era o que ele mentia para si mesmo. No andar acima do seu ficavam os chefes, então ele tinha algum orgulho de trabalhar ali.

— Bom dia! — A Bolha o cumprimentou, apavorando-o. Bolha, como chamavam-no seus amigos, era um homem gordo, extremamente obeso. Sua face era redonda, seus óculos parecendo que iriam cair por um dos lados, já que estavam sempre inclinados. Ele estendeu sua mão mecânica — era um vaporizado —, deixando-o enojado.
— Bom dia. — Ignorou a mão.
— Você soube do que fizeram com o último Inimigo?
— Não. — Coçou o queixo. "Quem é o inimigo desta vez?" Pensou, mas não ousou dizer.
— A polícia voluntária executou-o no mesmo minuto que ele começou a resistir. Foi espetacular.
— Imagino. — Fechou, pensativo. A Polícia Voluntária — Povul, como chamavam — Era a parte mais aterrorizante dos protetores da lei. Todo cidadão de Cidmed fazia parte da Povul, e podiam ser chamados para servir a qualquer momento. Você tinha a escolha de não participar, claro, mas isso levantava suspeitas. E com suspeitas, você poderia ser o próximo alvo.

O dia passou, cansativo. O trabalho dele consistia em demitir pessoas, contratar pessoas, organizar as vendas, desorganizar as vendas, receber, enviar, corrigir e errar. Era um exercício em inutilidade, e ele não sabia para quê fazia aquilo. Ele só sabia que fazia.

Chegou em casa, dor de cabeça irritando-lhe. Tomou mais uma dose de Antitremeiras, e foi para seu computador. Abriu o navegador Lemex — Lemni Explorer — e digitou "Pornografia". De imediato, apareceu a mensagem "Aproximadamente 2.845.230.000 resultados (0,13 segundos).", junto com o logo do Lemni — Um smiley com óculos em formato de um oito deitado — com os dizeres "Nós buscamos por sua felicidade".

Achou um vídeo razoavelmente bom — todo o conteúdo pornográfico era criado por usuários, então a qualidade era bastante flutuante — e colocou o Prazsuc em sua genitália. Começou a sessão. No meio do vídeo/sessão, um corvo piou por sua janela. Ele rapidamente assustou-o, e continuou com a masturbação eletrônica.

Quinze minutos depois, havia acabado, e estava cansado e exausto. Ligou a TV do seu quarto, gigante e inexpugnável. Sentou-se enquanto assistia algum tipo de comédia romântica — havia começado a ver do meio, mas o roteiro era sempre o mesmo — até que adormeceu.

Acordou e era tarde. Bem tarde. "Devem ser quatro da manhã", pensou. Levantou-se, indo ao banheiro. "Mas o que diabos há de errado comigo?" fitou-se no espelho "Por que eu me sinto tão mal?" suspirou "Acho que não vou responder isso hoje". Pegou a agulha, e injetou-a no braço, sentindo o controle voltar à seus membros. Antitremeiras só ajudavam até certo ponto. Tinha horas que você precisava de uma dose.

Suspirou, e, num instinto, decidiu sair na rua. Antes de sair, no entanto, pôde jurar que havia ouvido um corvo piar.

A rua era escura, e seus prédios decadentes e em grande parte construídos pela metade, Cidmed vivia estagnada entre prédios em construção e prédios corroídos. Nas ruas, crianças de sete até dezessete anos se amavam, se odiavam, se penetravam, agarrados à uma paixão flamejante que morria na idade adulta. O homem olhou desejoso para uma garota de dezessete anos, mais ou menos. Ela mostrava suas pernas abertas de forma convidativa, fumando um cigarro. Seus cabelos eram desgrenhados, como se ela tivesse rolado no chão. Seus seios estavam à mostra, atraindo mortalmente a atenção do homem.

Por fim, ele não resistiu. Andou até ela, e, sem dizer uma palavra, levantou-a. Ela deu um riso, e beijou-o, masturbando-se. Ele abaixou as calças, e começou a penetrar. A garota riu ainda mais alto, e começou a gritar ordens, sem deixar de inserir um xingamento em cada uma.

— Mais rápido, seu porco! — Ela gritaria, cuspindo nele.
— Vamos, mais força, fracote!
— Você chama isso de pau?!

Por fim, ele se encheu. Deu-lhe um tapa, e enfiou-lhe o pênis à boca, aonde ejaculou. Sentiu-se imediatamente culpado, e foi embora sem se despedir. Sabia que não havia nada de errado em transar com uma garota de dezessete — seu chefe havia se casado com uma garota de doze anos —, mas algo em sua consciência lhe dizia ser errado. Voltou para seu apartamento, e dormiu, sua boca ainda tinha o gosto podre da boca da garota, mas ele começou a gostar dele.

O dia seguinte passou como todos os outros: Cansativo, lento, repetitivo. Era necessária muita tolerância para agüentar aquele dia massivamente entediante. Seus colegas de trabalho, no entanto, pareciam absolutamente felizes. Chamou-os silenciosamente de "Idiotas" no fim do expediente.

Em casa, tudo ocorreu como sempre. Mais uma masturbação, mais uma dose, e mais uma tarde perdida com jogos pornográficos, shows idiotas e filmes ainda mais retardados, todos declarando seu imortal amor por Oswald Gutter, o ministro-chefe da época. Adormeceu, e mais uma vez, acordou às quatro da manhã.

A lembrança da garota percorreu sua mente. Havia quase se esquecido dela. Com certa hesitação, imaginou se ela estaria na rua mais uma vez. Decidindo-se que era melhor que ficar em casa, foi à rua descobrir.

Ela estava. Ajoelhada, chupava uma criança de 14 anos. Olhou subitamente para ele, e, provavelmente lembrando-se da noite anterior, fez um sinal. O homem caminhou encabulado até seu lado. Ela abaixou suas calças, dividindo atenção entre os dois.

O garoto então gozou em sua face — sua boca agora estava ocupada com o pênis do homem — e foi embora. Alguns minutos depois, foi a vez dele. No entanto, ele não foi embora. Sentou-se ao lado da garota, que agora o fitava desconfiada.

— Sou Eric. — O homem estendeu a mão.
— Nathalie. — Ela apertou-a.
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Capt. 2

Spoiler

Eric encontrava-se exasperado. Suas mãos estavam suadas, seus pés mexiam-se sem parar e seus olhos viravam de um lado para outro, procurando o primeiro Povul a lhe matar. Sabia que devia se acalmar — Estava no trabalho, afinal de contas —, mas não conseguia. Tinha certeza que em meros minutos iriam arrastar-lhe para fora e dar-lhe um tiro na testa.

E ele continuava a pensar nela. Nathalie. Seu corpo devasso em sua mente, proferindo-lhe insanidades de um tempo outrora lindo, agora pavoroso. Sabia que iria pagar por aquilo. Ela sabia seu nome. Provavelmente já o havia denunciado por estupro. Ele a havia estuprado, não havia dúvida disso. Sexo com menores era permitido. Estupro, no entanto, lhe concedia a morte.

Seu computador o observava preocupado. Ele fitou de volta, o logo multicor em letras garrafais "Lemni" protuberante de um fundo branco da página Web atraindo seu olhar. Digitou indeciso "O que fazer?". 0 Resultados. Há mais horas de pornografia online do que houveram horas na história, mas é impossível achar algum artigo inteligente, ou alguma palavra de consolação. "No final," pensou "estou sozinho".

Tomou uma dose maior do que costumava de Antitremeiras, e tentou continuar com o trabalho. Sem sucesso, decidiu passar a tarde procurando formas de assassinato no Lemni, decidindo-se o que fazer com a garota.

Passou horas deliciando-se com pensamentos de homicídio. Já tinha até mesmo um plano. Iria perguntar para Nathalie se ela não tinha uma casa. Ela a levaria até sua casa, e fariam sexo. No meio do ato, ele a estrangularia, e jogaria seu corpo na rua dos mendigos, aonde achariam que os pedintes a mataram.

Tão entretido estava com seu plano que se esqueceu de que seu horário já havia acabado. Andou apressado para casa, e sentou-se na portaria de seu prédio, esperando a chegada da garota. Uma hora, nada. Duas horas, nada. Três horas, e a vagabunda andou até o seu lugar de costume.

Apoiou-se contra o prédio, fumando um cigarro. Ajeitava desconfortavelmente sua mini-saia xadrez. Pela primeira vez, Eric notou como ela era bonita. Mas isso não o impediria. Ele a estupraria uma última vez, e então a mataria. Saiu da portaria.

— Eric! — Notou-lhe a garota. Seu cabelo ruivo balançou ao vento conforme ela acenava para ele.
— Olá — sorriu falsamente ao chegar perto dela —, estava procurando por você.
— Mesmo? — Seus olhos brilharam de forma estranha.
— Sim. Podemos conversar?
— Claro. Sabe, eu sei que você vai achar isto estranho, mas eu ando pensando bastante em você ultimamente. — E foi então que Eric percebeu que não conseguiria fazê-lo. Não conseguiria lhe tirar a vida. Balançou a cabeça. Teria de conseguir. Sua vida dependia disso.
— Você mora por perto?
— Sim, moro logo ali na esquina. — Sorriu — Por que, você quer conversar em privado?
— Para falar a verdade, quero. Podemos ir até sua casa?
— Siga-me. — Finalizou, apagando o cigarro.

Andaram por poucos metros antes de chegarem ao prédio onde morava Nathalie. Entraram pela porta de serviço — Menores de dezoito e prostitutas não eram permitidas de entrarem em locais sociais como portarias, restaurantes e etc — e subiram as escadas. A garota subia com espantosa facilidade, o que deixou Eric pasmo. O próprio tentava manter o ritmo, ofegando e tossindo. Cinco andares depois chegaram.

Seu apartamento, como ele memorizou, era o 532. Ela jogou a mochila que carregava — Presumivelmente cheia com materiais escolares como chaves de fenda entre outros — para um lado, e encostou-se contra Eric. Beijaram-se por alguns segundos, enquanto ele pensava no que fazer.

— Me diga — ele começou —, por que você... O que você está fazendo comigo?
— Nada. — Abriu um sorriso que Eric já gostava, e passou a adorar — Apenas gostei de você.
— Eu estava preocupado que você iria me denunciar.
— Bem... — Suspirou — Eu pensei em da primeira vez. Mas você foi tão divertido, que eu me decidi por não.
— E como posso confiar em você?! — Levantou a voz, a preocupação aparente em sua voz.
— Bem... Você não pode.
— Eu devia te matar! Isso que eu devia ter feito! Você me seduziu, e agora ousa arruinar minha vida! — Ele sabia que não era verdade. Ela não o havia seduzido. Mas ele precisava colocar a culpa em alguém. "Afinal, o que me tomou naquela noite?"
— Bem, se você for me matar... — Para sua surpresa, ela tirou a roupa. — Faça-o durante sexo. Sempre foi minha fantasia morrer assim. — Então sorriu novamente, agora um sorriso condescendente, agridoce.

Eric aproximou-se, colocando indeciso as mãos no pescoço dela. Sua pele estava fria. "Ela não teme a morte. Por quê? Eu estou prestes a matá-la, mas ela não está com medo?!" Incapaz de fazer a ação, beijou-a. "Luxúria," seus pensamentos voaram "pelo visto, é mais forte do que ira". Ele sabia que não era verdade, mas mentir para si mesmo era mais fácil do que aceitar alguma verdade nefasta.

Penetrou, e começou. Ambos estavam deitados sobre uma cama falsa, uma idéia falsa, uma mentira muito verdadeira. Eric havia selado seu destino: Iria morrer. Mas antes, iria se divertir um pouco. E então, fizeram amor pela primeira vez, ao som de um corvo.
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Capt. 3

Spoiler

— Meus súditos! — Gritou ao microfone Oswald Gutter, o ministro-chefe. — Estamos na beira de uma grande virada, uma grande descoberta!
— É, certo. — Eric zombou para Nathalie, encostada em seu ombro.
— Como assim, "Certo"?
— Você sabe como é. "Caros companheiros, estamos na beira de uma descoberta", ou de uma vitória, ou de uma vaca voadora. Ele sempre mente sobre essas coisas.
— Ainda assim, as pessoas gostam dele. — Se apoiou nele outra vez. Um sentimento quente passou pela espinha dele. Mesmo estando na multidão, com ela ao seu lado, ambos estavam sozinhos. Aproveitou esse sentimento e desistiu da discussão.

Depois que saíram do palanque de anúncios — era-se obrigatório a ida —, foram em direção à escola de Nathalie. Como Eric descobriu, ela estava em seu último ano, e não estava nem um pouco contente com isso. "Em breve" ela diria "eu serei como todas as outras pessoas. Sem pensamentos, sabe?"

Foi naquele momento que descobriu porque gostava tanto dela. Toda sua vida, ele achava ser insano. Desde o colegial, que achava ridículo ser obrigado a trabalhar na fábrica para que fosse designado, até dias antes, que acreditava viver numa ditadura. Mas ela, ela achava a mesma coisa que ele. Ela tinha os medos que ele teve. Ou ambos eram loucos, ou todo o resto era.

Despediu-se relutante de Nathalie, deixando-a ir para sua escola. Odiava escolas. Ensinavam boas pessoas a fornicarem para fazerem seus problemas sumirem, a usarem drogas, a serem um bando de máquinas. Escolas o viciaram em heroína, o tornaram num pervertido.

Sentiu seu braço tremer. Precisava de outra dose. Correu para casa. Chegou, e, sem perder um segundo, abriu a porta do banheiro e entrou. Pegou sua agulha com algum desjeito, e enfiou-a em seu braço. Sentiu o alívio, o alto, a euforia, e por fim a depressão. Odiava usar drogas. Faziam-no sentir fraco, insignificante. Podia ouvir Oswald rindo de si, zombando de sua dependência.

Ele sabia porque as escolas ensinavam o uso de drogas, porque ensinavam crianças de cinco anos a fornicarem. Quando se faz sexo, se fica calmo. Quando se usa drogas, se torna inútil, desprovido de vontade. Adolescentes, então, ficavam como ovelhas: Sem ambições, sem reclamações, sem vontade própria. Engrenagens na máquina que era o governo, que eram as fábricas. Uma construção eterna sem sentido, visando apenas o poder, o dinheiro e a futilidade.

Sentou-se à frente do seu computador. Lemni, a ferramenta de pesquisa, cumprimentou-o com felicidade. "Feliz aniversário", ela desejava. Não era aniversário de Eric, mas ele aceitou o cumprimento de qualquer forma. Ele era o único que conhecia que registrava as passagens dos dias, de qualquer forma.

Pensando em Nathalie, digitou "Cidades além de Cidmed". 0 resultados. "História de Cidmed". 1 resultado. Lemnipédia. Clicou no link, e leu sem qualquer interesse o que dizia. Já havia decorado aquilo na escola, e ainda podia recitá-la hoje.

"Antes de Cidmed" começou o artigo "havia apenas uma grande selva, imponente e destruidora de homens. O ser humano era caçado por grandes países por esporte, e seus cadáveres eram expostos em lareiras."

"No entanto, um visionário chamado Oswald Gutter achava aquilo desumano. Juntando pessoas lutando pelo bem da humanidade, ele começou uma guerra contra os países, e, ganhando, fundou Cidmed, um farol de liberdade, humanidade e direitos."

"Que bobagem" Eric pensou em silêncio. Voltou ao Lemni, quando teve uma idéia. Receoso, digitou "Revolução". Não apertou Enter. Olhou por cima dos ombros. Ninguém. Ouviu atentamente. Apenas um corvo se fazia ouvir na rua. Apertou Enter.

Esperou ansiosamente pelos resultados. Batia o pé freneticamente contra o chão, enquanto roia as unhas. "0 Resultados". "Merda!" Xingou, logo após de levantar e chutar sua cadeira. Não havia uma revolução. A internet, o último lugar livro da Terra, retornou-lhe zero resultados. Não havia esperança.

O dia seguinte passou como qualquer outro. Acordou, tomou uma dose e foi para o trabalho. Passou oito horas maquinando no seu computador, deletando e criando, demitindo e contratando, vendendo e comprando. Ao fim do expediente, correu para a casa de Nathalie.

A casa de Nathalie era como um santuário para ele. Era um lugar aonde ele podia escapar de seus problemas por algumas horas, e simplesmente amar uma garota bela. Era um lugar sem discussões, sem chateações. Apenas amor e sexo. O último pedaço de sanidade em um mundo insano.

Chegando, jogou seu casaco para o lado — Nathalie já o esperava nua —, e começou a se despir. Beijaram-se, e começaram. "Nathalie e Eric! Saiam daí!" Uma voz gritou da rua. "É o fim", Eric pensou.

Vestiram-se às pressas, e saíram. Um esquadrão da Povul os cercava, armas apontadas e prontas para atirarem. No alto, um corvo fitava-os com interesse. O chefe da Polícia Voluntária, o Bolha, o olhou com desgosto. Parecia ter se esquecido dele. De fato, provavelmente esqueceu. Ordenou que atirassem.

Cinco tiros perfuraram o corpo de Eric, enquanto este caía para o chão, tentando proteger sua amada. Os céus azuis deram-lhe as boas-vindas, e antes que desmaiasse, o slogan "Pra proteger e ajudar" da Polícia Voluntária percorreu por seus olhos no formato de um dos policiais.
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Capt. 4

Spoiler

O quarto estava escuro. Em todas as vezes que Eric acordou e desacordou, era tudo que ele conseguia registrar: O quarto estava escuro. De vez em quando, vozes eram presentes, muitas vezes, não eram. Ele já não conseguia definir quanto tempo se passou desde que fora baleado, mas imaginou serem dias, senão meses.

Em algum momento, ele pôde manter a consciência. A dor havia passado, mas ele se desesperou quando não conseguiu sentir sua mão direita. Não conseguia mover sua outra mão. Então ele lembrou com clareza do acontecido. Os tiros, o choro. Ele havia morrido?

Uma TV em sua frente ligou-se. Era Oswald Gutter, anunciando sobre o Inimigo da vez. Para o horror de Eric, o Inimigo esta vez era ele. O ministro discursava sobre a inteligência e astúcia do Inimigo, seu ódio por morais, e sua audácia em desviar da Povul. Eric assistia hipnotizado, dividido entre uma raiva monumental e um medo avassalador. Se ele ainda estava vivo, ele fora capturado. A Povul o torturaria, ou pior.

— Você deveria estar orgulhoso — uma voz se fez ouvir na escuridão, desligando a televisão —, não é todo mundo que ganha essa honraria.
— Orgulhoso? Minha vida acabou. Vocês vão me torturar, e vão me matar.
— Tentador, mas infelizmente não vamos. — Uma mulher se aproximou da cama, ligando as luzes. Era loira, corpo bem definido, lábios carnudos, olhos verdes penetrantes.
— Você é uma humbot!
— O nome é Scarlett. — Sorriu sem convicção.
— Você... Você é diferente dos modelos padrão.
— Ah, você notou. Meu herói. Sim, eu sou diferente. A genética que eles fazem nem sempre funciona. De vez em quando, eles falham.
— Você é uma modelo defeituosa então.
— Não, os defeituosos são os outros. — Mordeu a bochecha, irritada.
— Por que eu estou amarrado? — Eric notou pela primeira vez as amarras.
— Você estava tendo tremeiras, e ficava caindo da cama.
— O que aconteceu com minha mão?
— A Povul tomou-a como prova de sua morte. Tivemos que substituí-la por uma mecânica.
— Entendo. — Eric lamentou-se com o prospecto de ser um Vaporizado, mas decidiu que era melhor que a morte. Então lembrou-se de algo, e repreendeu-se por ficar tanto tempo sem pensar naquilo.
— Onde está Nathalie?!
— Ela está dormindo. Passou oito dias ao seu lado, esperando você acordar.
— Eu passei oito dias desacordado?!
— Sim. Você deve agradecer que foi a Povul quem te atacou. Caso fosse uma força especializada, você estaria morto.
— E Nathalie, ela está... Bem?
— Ela não tomou nenhum tiro. A ordem, aparentemente, era para você.
— Ainda bem.
— Bem, agora que você está acordado, Jackson vai querer falar com você. Chamá-lo-ei.
— Espere!
— O que foi?
— Quem... Quem são vocês?
— Somos a revolução, garoto.
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Capt. 5

Spoiler

— Eric! — Nathalie gritou, entrando no quarto com pressa. Eric ficou embasbacado com a visão dela. Usava uma mini-saia jeans, uma camisa branca e, mais importante, uma jaqueta de couro marrom. Em Cidmed, não existiam cores para roupas ou prédios. Tudo era cinza, branco, preto e azul.
— O quê você está usando? — Perguntou, pasmo.
— Gostou? — Ela sorriu — Me entregaram um armário cheio de roupas. Nunca fiquei tão excitada por coisas em minha vida. — Girou devagar, tentando Eric com a visão. Ele reagiu como ela esperava, agarrando-a e beijando-a.
— Ok, parem com isso — Scarlett entrou no quarto, empurrando os dois para longe um do outro. Eric tentou alcançá-la outra vez, mas a humbot provou-se extraordinariamente forte —, Jackson quer falar com vocês. Terão tempo para essas coisas mais tarde. Agora, venham comigo.

Seguiram desconfortáveis Scarlett por diversos corredores. Subiram por diversos andares (Oito, segundo a memória de Eric), até que chegaram numa sala colossal. No centro encontrava-se um homem alto, negro, por quem era impossível não sentir um tipo de atração. Ele tinha um bigode intimidador por baixo de seu nariz curvilíneo, e seus olhos penetrantes azuis. Em seu ombro, repousava um corvo.

— Olá — o homem cumprimentou-os. Seu aperto de mão era forte, firme. Sua voz definia seu cargo. Já sabiam quem ele era antes mesmo dele dizer — O nome é Jackson. Ou pelo menos será como me conhecerão.
— Sou Eric, e esta é minha... — Pausou, indeciso. Estavam juntos há quase três meses, mas não sabia do quê chamá-la.
— Sou a mulher dele, Nathalie. — Sorriu, como não era incomum de fazer.
— Eu sei que vocês provavelmente estão curiosos para saberem sobre porque vocês estão vivos. Se quiserem, sintam-se livres para perguntarem.
— Por que a Povul nos atacou?
— Nós também nos perguntamos isso. Pelo visto, você — apontou para Eric — andou fazendo pesquisas suspeitas no Lemni.
— Mas eles não poderiam ter sabido disso!
— Vocês já leram 1984?
— Não. — Responderam em uníssono.
— Não me surpreende. Bem, é bem simples: Em 1984, o governo vigiava todos os movimentos de cada cidadão. Neste governo, também vigiam vocês, mas fizeram-no de forma mais inteligente. Se você avisa que vai vigiar alguém, eles irão agir falsamente. Se você, no entanto, vigiá-lo sem ele saber, ele agirá normalmente, facilitando assim saber quem é um inimigo do governo e quem não é.
— Mas nós saberíamos se isso ocorresse! É impossível manter toda a informação secreta! — Nathalie protestou, o prospecto de ter sido vigiada durante seus momentos íntimos irritando-a.
— Saberiam mesmo? Em Cidmed, a cidade de onde vocês vieram, segundo Scarlett, toda a informação é computadorizada. Lemni controla a informação. Logo, Lemni controla o que vocês sabem.
— Isso é impossível. Nós saberíamos se eles mudassem algo.
— Saberiam mesmo? Vocês sabem então que, não menos de cinco anos atrás, Oswald Gutter não era o ministro-chefe, e sim Reginald Olivier?
— O quê?! — Gritaram em uníssono.
— É verdade — Jackson riu —, ele era. Eis uma foto dele, se vocês não acreditam, em frente ao prédio do governo. — Para o pavor de Eric, ele reconheceu o homem. Como um raio, toda a memória de Reginald Olivier voltou para si, memórias outrora reprimidas, esquecidas. Haviam-no manipulado com tanta facilidade, que ele próprio se esqueceu da verdade.
— Mas... Mas como eles...
— Como eles fizeram vocês esquecerem disso? Bem simples. A memória humana pode ser re-escrita diante de informações confiáveis. Lemni controla a Lemnipédia, a fonte de conhecimento do governo, logo Lemni controla não apenas a informação, como também suas memórias.
— Isso... — Eric começou, tentando conter suas lágrimas de horror — Isso é impossível.
— Não é. Mas em breve vocês se tornarão imunes a isso. Agora me sigam.

Seguiram Jackson pelo quarto, enquanto ele explicava o governo, Lemni, e outras coisas. O governo era controlado por Lemni, que controlava a informação, e portanto as pessoas. O governo era dominado sem dó ou piedade, sendo obrigado a se curvar às demandas de Lemni. O estado era, de fato, de Lemni. Por fim, chegaram num escritório grande, luxuoso. Para o espanto de Nathalie e Eric, ele estava coberto de livros.

— Vocês terão tempo para lê-los depois. Hoje, vocês precisam saber o que os motiva para virem até mim.
— Você é o líder da revolução, não é? — Eric levantou a voz, esperançoso.
— Sim. Eu sou o líder do M.A.R. — Movimento Anti-Repressão, isto é. Vocês estão vivos hoje por minha causa.
— Não podemos agradecê-lo o suficiente — Nathalie irrompeu em sorrisos, olhando de relance Eric.
— Vocês já estão dentro do Partido, claro. Devem-nos suas vidas, e nós faremos vocês pagarem. Farão trabalhos por nós. Irão amar o Partido, e a revolução. Irão seguir ordens, e no fim, irão morrer sabendo que ajudaram a criação de um mundo melhor, um mundo livre.
— Faremos tudo isso — ajoelharam-se —, e o que mais for necessário.
— Pois bem. Vocês receberão seu primeiro trabalho em breve. Agora podem ir.
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