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O Diário de Angelique Chevalier

Iniciado por Vifibi, 08/01/2013 às 20:48

O Diário de Angelique Chevalier
      Dia 1
      Sansão me acordou hoje cedo, já que ele haveria de partir para a colheita logo e não poderia fazê-lo direito sem seu café da manhã. Foi com algum esforço que desci os degraus de nossa casa espaçosa no campo, feita de madeira, tijolos e telhas para a chuva. Era uma casa provinciana de boa qualidade, que meu marido construiu com a ajuda de outros rapazes da vila. Ele até teve a previdência de fazer um quarto extra além do de Hóspedes, para caso algum dia decidíssemos ter filhos. Os degraus nunca faziam barulho, e eu amava isso na casa: Era quieta, calma. Eu podia ver toda nossa plantação pelas janelas grandes e arejadas, sentada na minha sala de estar tomando um chocolate quente. Fui até a cozinha e fiz-lhe o café. Chamei-o pelo nome e ele veio, obviamente cansado. Esfreguei-lhe as costas e beijei-lhe o pescoço, incentivando-o. "Mon amour", como o chamava. Ele resmungava agradecimentos e tomava seu café preto, e a vida era boa para nós. Ele saiu, já vestido, e fiquei eu sozinha a limpar a casa e cuidar dos afazeres de uma mulher de família. Sem ter crianças, meu trabalho se resumia a basicamente limpar e cozinhar, e como mon petit monsieur ficaria o dia fora, eu tinha toda a tarde livre. Com isso em mente, decidi visitar Joanna.
      Joanna Dupont era uma garota fogosa de Paris, uma artista que fazia esculturas de argila. Ela não passava muito tempo em nossa cidadezinha, porém toda vez que precisava de inspiração — ou simplesmente sentia nossa falta — vinha visitar-nos e ficava em sua casa no centro da cidade, onde se tinham as lojas e o médico. Já a ofereci meu quarto de hóspedes milhares de vezes, porém ela sempre recusava, dizendo que seu barulho durante a noite certamente nos horrorizaria. Eu vesti uma calça jeans e uma blusa leve — era um dia de Verão e estava quente — e saí. Caminhei pelas estradas de barro e terra até chegar nas estradas de pedra. A única rua asfaltada da cidade era a Principal, que levava até a Rodovia. Ninguém nunca saía da cidade, contudo. Quando precisávamos vender para fora, traziam-se caminhões para dentro. Éramos uma communauté muito reclusa. Só o Dr. Jean saía, e isso porque ele não era dali. Vinha de Marseille, e nunca gostou muito do campo. Só veio a pedidos de seu avô, que de fato morava ali. Passei pela rua Principal até chegar numa esquina com a rua Três. Lá estava a casa de Joanna, uma casa modesta feita de tijolo, com dois andares modestos e pequenos, com uma janela de dois andares indo do primeiro ao segundo andar, que era apenas o quarto e banheiro de Joanna. Eram acomodações muito rústicas, porém Joanna era chegada a elas. No andar debaixo de seu quarto estava a sala de jantar, uma cozinha americana e seu estande onde ela fazia suas maravilhosas esculturas. Uma vez pediu-me como modelo, mas eu recusei. Era demasiado embaraçoso posar nua diante de outra mulher. Sansão daria um chilique!
      Toquei a campainha e esperei. A porta de bogno era firme e com uma pequena janela no topo, formando um triângulo simpático. Ela se abriu numa fresta, e eu pude ver o rosto pálido de Joanna por dentro. Ela parecia surpresa em me ver, porém nada disse. Apenas fechou a porta e desfez o trinco, e eu entrei por mim mesma.
      A cena era chocante. Joanna, nua, sentada no meio de sua sala de estar, observando sua argila como se esperasse que ela fosse tomar vida. A argila não tinha forma alguma ainda, e não parecia nem próxima de estar completa. Cobri Joanna com um lençol para esconder sua vergonha, porém ela nada fez. Não eram incomuns aqueles seus ímpetos, e eu já havia me acostumado a eles. Sua nudez, contudo, era para mim novidade.
      — Joanna! — sussurrei com um certo descrer — o que estás a fazer nua em tua própria casa?
      — Nada, Angel — ela me sorriu — estou apenas a contemplar a argila, e ver assim de que forma poderei modelá-la.
      — Precisas tu estar nua para fazê-lo?
      — Sim — ela respondeu num tom monótono. Não parecia estar sentindo nada exceto a concentração que tinha por sua obra. Sua passion era admirável. Seus modos, não tanto.
      — Pelo amor de Deus, Joanna. Ponhas uma roupa. Tuas cortinas estão abertas. Se um dos homens vê-te assim, espalha para a vila inteira os teus bens!
      Joanna suspirou.
      — Trés bien. Se assim deseja, assim o farei — ela subiu até o segundo andar e voltou usando uma camisola. Com ela vestida, permiti-me a relaxar.
      — O que te trás até minha casa? Isto é, além de arruinar minha concentração.
      — Não o fiz de propósito, Joanna, mas haja um pouco de bom-senso em tua cabecinha! Não vê que já é a fala da cidade, com sua arte e o que mais for? Se souberem que você ainda fica em casa nua, é teu fim nesta cidade. E pior, Sansão irá ficar furioso comigo. Tenha um pouco de pena de sua amiga, pelo menos.
      — Vou pensar — Ela sempre sabia ser cruel quando queria, mas gostava demasiado de minha companhia para jogá-la fora dessa forma. Sentou-se na cadeira da cozinha enquanto sentava-me no sofá e começou a comer uma banana. Eu olhei a banana e lembrei que não tinha almoçado, e meu estômago roncava com fome. Devo ter feito algum sinal com a face, pois Joanna deu uma risadinha e levantou-se, andando até mim. Seus passos eram quase que os de um bêbado, e muitas vezes entrelaçavam-se. Ela sentou-se ao meu lado no sofá e pôs a banana em frente a minha boca. Mordi a ponta, mastiguei e engoli. Joanna fez um sorriso de aprovação e reclinou-se no sofá, olhando para sua argila.
      — Você tem certeza que não quer posar para mim? Você é linda. Seria excelente como modelo.
      — Já te disse — respondi, ficando rosa — não enquanto você exigir que eu pose nua.
      — Pois bem. Pose com suas roupas, então. Não vão afetar o resultado final.
      A notícia me alegrou.
      — Verdade? Trés bien, eu poso então.
      Ela me sentou num banco de bar que havia no seu porão e, com dois cintos, apertou-me abaixo do busto e na cintura, sobre minha blusa. Perguntei-a o porquê, e ela me disse que era apenas "Para dar um realce maior ao seu corpo". Pôs meus braços por sobre minha cabeça, levantando meus cachos e deixando-os cair como se fossem água de uma bacia e mandou-me manter a pose. Esforcei-me o máximo para não me mover.
      Ela começou a trabalhar na argila, moldando-me conforme me via. Olhava para mim, olhava para a argila, e voltava a modelar. Vez ou outra ela passava a mão em alguma parte do meu corpo — geralmente busto ou coxas — para medir-me com mais precisão. Eu ficava visivelmente corada quando ela fazia isso. Sua argila começou a tomar forma, e a cada instante parecia mais e mais comigo. Por fim ela acabou-o e me mostrou. A estátua de argila que ela confeccionou tinha por volta de trinta centímetros de altura, e, para meu horror, retratava-me completamente nua, sentada em um tronco de árvore cortado ao meio.
      — Joanna! — eu gritei, exasperada — O que você fez?
      — Você, Angel. Não gostou? — ela parecia ofendida com minha reação. Terror percorria minhas veias. Se Sansão visse a estátua, matar-me-ia, sem dúvidas. Eu tinha que quebrá-la, mas Joanna iria me odiar se eu o fizesse. Mas não havia escolha. Peguei a estátua das mãos de Joanna e joguei-a ao chão. Ela se quebrou em diversos pedaços, e Joanna me olhou horrorizada.
      — Me... Me descul... — ela me deu um tapa. Seu tapa foi forte, de forma tal que doeu muito.
      — Fora! — ela gritou.
      — Joanna...
      — Fora!
      — Mas...
      — Saia daqui, agora!
      Ela me expulsou de sua casa.
      Dia 8
      Eu ainda remoia o que ocorreu na casa de Joanna, especialmente porque ela não mais falava comigo. Toda vez que a ligava ou dirigia-lhe a palavra, ela não atendia ou ignorava. Sentia-me péssima pelo que fiz com a estátua que fez para mim, porém era a coisa certa a se fazer. O que ela fez de mim era imoral, corruptível. Sansão nunca soube do ocorrido, e continuou seu trabalho normalmente. Ele já não aprovava de Joanna. Se soubesse o que aconteceu, proibir-me-ia de vê-la novamente. Aquela tarde, Sansão ia empacotar as coisas nos caminhões, então decidi fazer uma visita a Joanna novamente e me desculpar pelo que fiz.
      Segui o caminho até sua casa normalmente, desta vez usando um vestido azul que Sansão comprou para mim no nosso casamento, não menos de um ano atrás. Toquei a campainha da porta de Joanna, porém ninguém abriu. Esperei durante alguns minutos, e nada. Bati na porta, e ela abriu com meu toque. Entrei cautelosamente, e vi, horrorizada, uma figura de argila repousando diante de mim. Era uma criatura horrível, de incontáveis olhos, tentáculos dispersos e longos com bocas em seus fins, como se gritassem um canto demoníaco de outro mundo. Seu centro era indescritível em forma de escrita ou de fala, e apenas a visão de tal criatura é suficiente para descrevê-la. Joanna estava sentada sobre suas pernas, novamente nua, idolatrando a estátua.
      — Joanna! — puxei-a para longe da estátua demoníaca. Meu coração batia muito forte, morto de medo. Joanna parecia indiferente a tudo, seus olhos transfixados na estátua. Impedi-a de olhar para a tal, e ela acordou.
      — Angel, o que foi? Eu quero ver minha obra-prima! — ela retirou minha mão de seus olhos. Eu os cobri novamente, e ela fez senão bufar.
      — Joanna, essa estátua não é natural. Jogue-a fora, desfaça-se dela.
      — Não! — ela gritou, irritadíssima — Não vou deixar você destruir outra estátua minha, Angel! — ela abraçou a estátua, e meu estômago revirou-se. Eu a puxei para mim novamente, e, com certa força, consegui. Ela brigava comigo, tentando voltar para o lado da estátua, mas eu não permiti.
      — Joanna, livre-se dessa estátua. Eu lhe imploro. Faço o que você quiser. Até poso nua para você, mas livre-se dessa estátua!
      — Angelique — ela nunca me chamou de Angelique antes —, esta é minha obra-prima. A estátua que fiz de você foi divertida, admito, mas esta é uma obra-prima! É como se Deus tivesse enviado até mim a inspiração divina, e, por ele, eu tivesse criado algo em sua imagem e semelhança! Não pode ver que esta é a obra de Deus?
      — Obra do Diabo, isto sim! Esta é a coisa mais horripilante que já vi em minha vida! Parece que tem vida, e está esperando para me atacar!
      Joanna se virou para mim, seus olhos furiosos. Ela levantou a mão e, com uma velocidade assustadora, estapeou-me. Seguiu de outro, e outro, e outro. Estapeou-me diversas vezes, até que eu estivesse reduzida a lágrimas de dor.
      — Você não vai falar assim dEle! — ela gritava ordens para mim.
      — Você não vai falar mal dEle!
      — Ele te ama! — ela gritou.
      — Ele te ama! — ela berrou.
      — Ele te ama! — seus olhos cobriram-se de lágrimas, e ela se aproximou de meu rosto, parando de me dar tapas. Seu nariz tocou no meu nariz, e ela começou a chorar em silêncio, sem mover nem um músculo. Ela segurava-me pelo queixo, e estava perigosamente perto de mim. Ela se aproximou ainda mais.
      Eu fugi.
      Dia 9
      Meu rosto ainda doía quando eu acordei hoje. Sansão dormia do meu lado e, infelizmente, ouviu-me chorar. Sem opções, contei-lhe sobre o que aconteceu com Joanna. E, certamente, ele me proibiu de vê-la novamente. Já não me bastasse minha melhor amiga ficar insana, agora meu marido me proibia de tentar ajudá-la. Fi-lo prometer que iria fazer tudo que pudesse para ajudá-la, e, satisfeita com a resposta, tentei voltar a dormir.
      Meus sonhos eram atormentados pela estatueta maldita. Imagens suas rondavam minha mente, junto com a de Joanna a idolatrando, aquela figura temerosa. Temi o que ela fez com Joanna em tão pouco tempo, o que ela poderia fazer se deixada muito mais tempo sozinha. Meu maior desejo era entrar lá,  pegar Joanna e sair, sem olhar para trás. Mas não me era permitido.
      Foi mandado à casa de Joanna Edmond, nosso arquiteto. Ele era um dos únicos da vila que tinham armas de fogo e, portanto, era o que mais tinha chances de se defender caso Joanna atacasse. Ele tocou a campainha uma vez e entrou, e nunca mais saiu por aquela porta.
      Dia 13
      Já haviam se passado alguns dias desde que Edmond havia sumido, porém a vila continuava em tumulto. Algumas pessoas exigiam invadir a casa de Joanna para resgatarmos Edmond, outras que queimássemos a casa e jogássemos sal na terra. Sansão fazia de tudo para manter a população calma, mas era difícil. Eu mesma quase não falava nas reuniões, e ouvia os sussurros de que eu estava na mesma cama que Joanna. É no momento de desespero que a pessoa mostra seu lado mais obscuro.
      Dia 14
      Henry foi em busca de Edmond.
      Dia 16
      Edmond retornou hoje. Isso se ele pode ser chamado de Edmundo. Ele ainda tinha o mesmo rosto, as mesmas feições, porém tudo sobre si era alien. Seu sorriso era antinatural, o jeito que ele andava, amedrontador, e o modo sobre como ele falava sobre a tal Criatura era... Assustador. Era óbvio que Joanna era mais perigosa que qualquer um de nós imaginou, e agora ela tinha o pobre Henry, que não tinha nem dezoito anos ainda. A esposa de Edmond, incapaz de amar seu marido assim, entregou-se a Joanna, entrando em sua porta voluntariamente. Era triste ver uma amiga minha cometer suicídio, mas tínhamos problemas maiores em nossas mãos. Era quase impossível manter Edmundo longe de nossas conversas agora que ele era um espião para Joanna, e, portanto, uma assembleia sobre o que fazer agora já era impossível. Sem a assembleia, cada família foi deixada aos seus próprios recursos.
      Dia 21
      Henry voltou. Ele está do mesmo jeito que Edmundo, senão pior.
      Dia 23
      A esposa de Edmundo voltou, e os dois voltaram a viver juntos. Era estranho ver dois espectros vivendo uma mesma mentira juntos, como se ainda lembrassem do tempo em que se amavam. Aquelas pessoas não eram mais pessoas. Não eram mais humanos. Joanna havia feito algo com elas. Ah, pobre Joanna... O que eu fui fazer!
      Dia 30
      Uma das famílias, os Vincents, foram mudados. Todos foram mudados ao mesmo tempo, e isso assustou a maioria dos moradores da vila. Sansão já não deixava mais as portas destrancadas à noite, e foi até a cidade hoje para comprar um rifle. Enquanto ele estava fora, decidi que era hora de eu visitar Joanna e tentar acabar com essa insanidade.
      A casa estava escura, e toda sua tinta havia desbotado para uma cor quase negra. Eu não conseguia distinguir se era obra humana ou do tempo, de alguma forma. Entrei pela porta sem bater — eu tinha a chave — e inspecionei a casa. Todas as luzes pareciam estar queimadas, e a estátua da tal Criatura havia sumido. Pelo menos isso. Eu ouvi um som abafado vindo do porão, mas não ousei checar ainda. Subi as escadas, e, para meu alívio, o quarto continuava quase o mesmo. A tinta estava ressecada, contudo. Eu engoli a seco. Sabia que agora eu teria que ver o porão, o quarto mais espaçoso da casa. Abri a porta para ele lentamente e sem fazer barulho, e o que vi me deixou traumatizada além da imaginação.
      Cinco X's estavam erigidos no porão, e, a três deles, estava presas pessoas por correntes. No meio do aposento estava a estátua maldita de Joanna, e ela acariciava-a enquanto punia seus reféns. Dois dos homens que ela havia "convertido" estavam sentados, nus, sobre suas pernas em um dos cantos. Só Deus sabe o que ela fazia com os pobres coitados. Naquele momento, Joanna estava ocupada com uma das garotas da vila, uma jovem de dezenove anos. A jovem chorava profundamente, implorando piedade e clemência, porém Joanna não fazia nada exceto acariciá-la e beijá-la. Meus instintos me disseram para sair dali naquele instante, porém eu não pude evitar observar mais.
      Joanna pegou as pernas longas e definidas da garota e abriu-as, fazendo-lhes carinho. A garota chorou  um pouco mais, porém nada podia fazer para detê-la. Eu nunca havia notado a beleza de Joanna antes. Ela tinha olhos azuis belos, cabelos castanhos lustrosos e lisos, uma pele pálida rosada nas bochechas que era como veludo ao toque e um nariz arrebitado muito bonito. Seu busto era firme e de grande porte, e seu corpo inteiro emanava segurança de si e firmeza. Ela era uma mulher muito bonita.
      — Não chore — Joanna sussurrou para a garota enquanto descansava sua cabeça em seu seio e fazia-lhe carícias — tudo vai acabar em breve. Eu te prometo, tudo bem?
      A garota fez que sim. Ela ainda estava com medo, mas Joanna tinha a incrível habilidade de acalmar pessoas. Sentia falta dela, de suas piadas fortes, seus pensamentos inflexíveis, e eu não pude deixar de sentir inveja do modo como ela acariciou a garota — era o mesmo que ela fazia comigo. Sempre achei que ela me reservava aquela carícia.
      — Muito bem. Agora aqui, tome — Ela pôs um pires diante da boca da garota e entornou-o sobre ela, fazendo-a beber. Ela bebeu tudo sem deixar cair uma gota, e quase instantaneamente desmaiou. Ela começou a gritar horrores e berros de dor, como se toda sua pele estivesse sendo lentamente arrancada por uma faca invisível. Seus olhos tremiam de um lugar a outro, e ela tremia toda, como se estivesse tendo um espasmo. Ficou assim durante alguns minutos, até que terminou tão de repente quanto começou. Joanna fez-lhe uma carícia no rosto e ela acordou. Olhou para Joanna e sorriu.
      — Eu entendo agora, Mestre. Obrigada.
      — Trés bien. Coullet, Nicolau, soltem-na. Ela é sua irmã agora.
      Coullet e Nicolau soltaram-na e ela foi sentar-se ao lado deles, como cachorros esperando o comando de seu dono. A pose deles era temerosa, pois eu sabia que, no menor comando, eles estariam prontos para matar ou fazer o que quer que Joanna queira. Ela havia adquirido um poder surpreendente, e eu não pude evitar de ter um pouco de inveja.
      — Você se divertiu vendo o show, Angel? — ela me perguntou sem nem ao menos se virar. Eu pretendia escapar, mas era fútil. Ela já sabia que eu estava ali. Havia sido descoberta. Era o fim.
      — S... Sim, Joanna. O que você fez com Rachelle?
      Joanna pôs-se a minha frente, acariciando minha bochecha. Seu nariz estava contra o meu mais uma vez, e eu pude sentir sua respiração bucal indo contra minha própria, por cansaço e admiração, respectivamente. Seus olhos penetravam os meus com afinco e paixão, e ela não tinha a menor vergonha em tentar me seduzir para seu lado com palavras.
      — Eu dei a Rachelle o que posso dar para você também, mon cher: A verdade. Se você desejar o Presente de H'rath, ele será dado a você.
      — Quem é H'rath? — questionei, mas Joanna ignorou a questão.
      — O Presente só pode ser dado, contudo, a pessoas que o desejam. Aquelas que não o desejam não conseguem aguentá-lo e morrem. Você deseja o Presente, Angel, mon aimé?
      — Sinto, Joanna — eu respondi com sinceridade, meu coração pesado —, mas não. Eu desejo meu marido, desejo ter filhos e...
      Ela me beijou. Meu coração começou a bater rápido e mais rápido, até chegar ao ponto que achei que ia explodir. Ele não explodiu, contudo. Retribuí o beijo, fechando meus olhos. Eu amava Joanna, e desejava que ela desistisse de toda aquela bobagem. Ela se afastou, satisfeita.
      —... você, Joanna. Eu te desejo muito. Mas não quando você está assim. Volte ao normal, por favor. Podemos viver juntas, mas pare com essa insanidade — Ela acariciou meu rosto, mostrando sua infelicidade.
      — Sinto, Angel, mas isto é algo que tenho que fazer. H'rath falou comigo, e eu não posso ignorar seu chamado. Você é meu prêmio, Angel, e eu vou te caçar. Talvez quando H'rath for disseminado, você venha ao meu seio novamente. Até lá, terei que me contentar com meus sonhos. Vá embora, e não volte aqui a não ser que esteja pronta para aceitar o Presente.
      Eu corri.
      Dia 57
      Eu nunca contei a uma alma o que ocorreu na casa de Joanna. Contar aquilo também exigiria contar como eu escapei, e minha escapatória com certeza trar-me-ia mais ódio que qualquer coisa que Joanna fez. Minha mente não conseguia parar de imaginar o que seria o "Presente" de H'rath, porém eu sabia mais que ficar perguntando por aí. Desejava poder voltar a falar com ela como fazia antigamente. Sentia falta de nossas conversas pela lareira enquanto tomávamos um bom vinho. Tudo que ela se preocupava agora era com aquele "H'rath" maldito. E para piorar tudo, Sansão foi à casa de Joanna para "por um fim a tudo" e até agora não voltou. Já faz cinco dias.
      Dia 59
      Sansão retornou hoje, mas eu desejo que nunca tivesse retornado. Ele tornou-se um deles, sem pensamentos senão naquele estúpido H'rath. Ele ficava me puxando, forçando-me a voltar à casa de Joanna — acho que Joanna queria seu prêmio, agora —, de modo tal que eu tive que nocauteá-lo e esconder-me no sótão da casa. Eu posso ouvi-lo lá embaixo ainda, conversando com Edmundo sobre mim. Eles não vão descansar até que eu esteja de joelhos perante Joanna. Toda a cidade já se converteu a H'rath, e só posso imaginar que atrocidades ocorrem em seus lares e suas cerimônias.
      Do que eu mais sinto falta, estranhamente, é Joanna. Mesmo com ela estando do jeito que está, ainda gosto muito de sua companhia, tanto que poderia arriscar captura se pudesse vê-la mais uma vez.  Mas de nada serve ficar pensando sobre o passado se ele nunca mais virá a acontecer.
      Dia 173
      Viver nunca foi tão difícil, e estou prestes a desistir. Sansão descobriu que eu roubo comida da geladeira durante a noite e esvaziou a casa, já que, por algum motivo, não consegue descobrir que estou no sótão. Sem ninguém aqui, eu não preciso mais ficar escondida, mas também não tenho o que comer. Tive que começar minha própria plantação no porão, pois não posso arriscar alguém vendo a plantação de Sansão ter vida novamente. Não há um dia que passe que eu não pense em Joanna, e começo a imaginar se aceitar o Presente não seria assim algo tão ruim. Não, eu sou a última humana nesta vila, não posso desistir tão facilmente. Não posso nem me disfarçar mais e sair para a vila, pois todos os seguidores de H'rath têm um símbolo que deixam à mostra, não importa o dia ou o clima. Até hoje não consegui reproduzir o símbolo, não importa o quanto tente.
      Dia 254
      O fim chegou. Estou trancada no porão da Prefeitura, que é onde Joanna mora, agora que converteu a vila e tornou-se a líder indisputável. Não estou amarrada a um X ainda, porém sei que não demorará muito para a hora chegar. Joanna veio me visitar algumas vezes, sempre com um tom amigável e simpático. Aprecio muito suas visitas, e gosto delas. Ela me perguntou se eu aceitava o "Presente", e eu decidi aceitá-lo. Não pode ser pior que o Inferno que eu vivia. Ouço barulhos lá fora e a voz de Joanna. Acho que chegou a hora.
      Dia 1
      O Sol hoje amanheceu envergonhado, se escondendo por trás de nuvens. Levantei-me da cama e fui ao meu campo, onde arei a terra e plantei minhas preciosas sementes. Lembrei de leve do sonho que tive, e espantei o pensamento. Não adianta ficar pensando em coisas que nunca aconteceram. Lembrei-me de tal de Sansão, mas Sansão mora na vila, e ele mal fala comigo. Novamente, parei de pensar sobre essas coisas e voltei ao trabalho. Quando deu meio-dia, o Sol se abriu, tornando meu trabalho mais ardoroso. Terminei de arar a terra e plantar sementes e fui tomar banho. Mergulhei na banheira de água fria e deixei os pensamentos voarem. Lembrei-me do sonho outra vez, e deixei-o ficar em minha mente um pouco. Era um sonho divertido, com resistências e loucuras e monstros, e eu gostei dele. Talvez falasse dele para Joanna quando fosse visitá-la hoje. Terminei meu banho e vesti-me com nada exceto um tomara que caia. Saí de casa e fui andando até a casa de Joanna, cumprimentando diversos amigos pela estrada. Cheguei à casa de Joanna, linda como sempre, e toquei a campainha. Ela abriu a porta nua. Gostava de ficar nua em casa, e ninguém a importunava sobre isso.
      — Olá, Angel. Como vai?
      — Vou bem, Mestre — beijei-a com paixão —, como vai você?
      — Sem você, mon cheri, estava péssima. Mas agora você chegou, e todo meu dia está alegre novamente. Tire a roupa, por favor — eu tirei. Estava frio para ficar nua, mas era suportável. Diante de Joanna, eu não me sentia nua de forma alguma. Me sentia confortável — excelente.
      Ela analisou meu corpo, tocando-o onde lhe era prazeroso. Fez-me manter uma pose que lhe apetecesse e começou a moldar. Enquanto ela moldava, eu lembrei o quanto a amava.