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Corpo Novo

Iniciado por Vifibi, 08/01/2013 às 20:50



AVISO: Este texto é um texto com temas fortes e pode ser considerado perturbador por algumas audiências. Se você for menor de dezoito anos ou sentir que o rumo que a história está levando é perturbador, por favor PARE DE LER. Este trabalho é uma obra de ficção, todas as personagens são figmentos da imaginação do autor. Quaisquer semelhanças com pessoas, vivas ou mortas, é meramente coincidência. Este trabalho está sob licença Creative Commons e pode ser distribuido por entidades sem fins lucrativos contanto que o autor seja creditado como o criador integral da obra. Obras derivativas desta obra não são permitidas.



O brilho fosco do tubo iluminava de forma fraca os cabelos acinzentados de Dr. Elias. Seus olhos azuis cansados e cheios de olheiras observavam com atenção um dos muitos cilindros recheados com uma substância azul pegajosa que brilhava sob a luz que ele próprio havia instalado. Dentro do cilindro estava a silhueta de uma mulher, com longos cabelos e seios de tamanho generoso — Exatamente como ele a imaginava quando se lembrava dela.

Criar seu corpo foi fácil. Apenas algumas células, nada que fosse interferir no funcionamento, e alterá-las para que se reproduzissem e sofressem mutações até criar o corpo que pertencia à ela. Depois de algumas tentativas, ele já o havia aperfeiçoado ao ponto de poder deixá-lo mais ao seu gosto. Uma bunda mais pronunciada, seios maiores, um rosto mais maduro... O único verdadeiro problema era o cérebro. Ao retirar o cérebro, o ato de cortá-lo causava dano na espinha dorsal, e isso deixava seus experimentos paralisados. Alguns genes modificados, contudo, e o cérebro simplesmente parou de se desenvolver.

Ele apertou um botão no painel de controle, e o cilindro levantou-se, despejando o líquido no chão — era um estimulante que causava com que as células crescessem mais rápido — e fazendo o corpo — outrora suspenso — ir de encontro ao chão. Seus olhos não se abriam ou fechavam, e sua respiração era calma. Elias passou uma mão nos seus cabelos, fazendo-lhe um carinho de ternura, e levantou-a em seus braços. Ele estava pronto desta vez. Desta vez ele não iria falhar o transplante.

Carregou o corpo com uma certa dificuldade, mesmo tendo-o feito do mesmo peso que ela antigamente era. Ele estava ficando velho. Talvez, ele riu para si mesmo, quando eu completar isto eu faça um novo corpo para mim. Levou o corpo de sua amada para a sala de cirurgia em sua casa. Era uma casa longe da sociedade, que ele pagava todo mês os impostos, e por isso ninguém o perturbava. A sala de cirurgia era estéril e toda em branco, uma lembrança dos dias de Elias como cirurgião-chefe do Hospital Santa Carmen e também uma necessidade para suas operações. Ele deitou o corpo nu dela numa das duas macas da sala e pegou um cilindro pequeno, um pouco maior que sua própria cabeça, e foi ao aposento que ficava do lado de seu quarto, sendo a única entrada dele atrás de sua cama. O aposento, como a sala de cirurgia, era branco e estéril, mas ao invés de ter equipamentos cirúrgicos, ele tinha diversos cilindros de tamanho médio, todos contendo cérebros, cada um deles etiquetados em prateleiras. Um deles, contudo, estava no centro do aposento, com uma placa em ouro que dizia simplesmente "Fernanda". Ele viu o primeiro cérebro da prateleira da esquerda, e imediatamente se lembrou dele. Era o cérebro do médico que tratou sua amada e tentou impedi-lo de salvá-la quando ela entrou em coma. Ele haveria de servir. Desconectou-o do Suporte de Vida e retirou-o de seu cilindro, colocando-o no cilindro móvel movido a baterias. Trinta e seis minutos — esse era o tempo máximo que um cérebro vivia sem um corpo. Trinta e seis minutos, mas, com seus aparelhos, eles viviam eternamente. Ele levou sua cobaia para uma mesa na parede norte do aposento e depositou o cilindro numa mesa de metal. Foi à um gabinete e pegou de dentro dele um pequeno jarro contendo um líquido contendo sangue do tipo O− com uma etiqueta dizendo simplesmente "MRL". Elias sabia o que eram: Computadores de DNA — moléculas — contendo o DNA de regeneração de tecidos dos camundongos MRL. Com uma agulha retirou um pouco do sangue e injetou-o cuidadosamente no lóbulo parietal anterior. Isso causaria uma regeneração acelerada no tecido nervoso da espinha dorsal, assim salvando sua cobaia de uma paralisia total.

Seu trabalho com o cérebro concluído, carregou o cilindro — agora 1,4 quilos mais pesado — até a sala de cirurgia, onde ligou seu cilindro portátil numa tomada por perto. Ligou as luzes para lhe auxiliar na cirurgia e, com seu bisturi, abriu um corte na cabeça do corpo clonado de Fernanda depois de tê-lo esterilizado. O corte era em formato de 'Y' para não lhe desfigurar a face. Ele separou os gomos de pele e os cortou também. Abriu apenas o suficiente para poder quase que espremer o cérebro para dentro e, cautelosamente, desligou o cérebro do cilindro e colocou-o dentro da cabeça de Fernanda, tomando cuidado para ligá-lo à espinha cervical. Um cérebro podia sobreviver sem suporte durante trinta e seis minutos. Ele levou seis para ligá-lo. Colocou os pinos para reconstruir o crânio e as meninges, juntou os gomos de músculo e os suturou. E estava feito. Havia a possibilidade de o cérebro não se acostumar com o novo corpo — essa era sempre uma possibilidade — mas ele estava bastante assegurado que a memória muscular de Fernanda ajudaria o cérebro.

Pegou seu relógio e ficou a observar a cobaia — Dr. Alfredo, ele se lembrou subitamente. Uma hora, nada. Duas horas, nada. Três horas, nada. Havia o cérebro morrido? Será que o corpo, tendo sido criado em laboratório, era impróprio para receber um cérebro? Ele ponderava isso, inseguro, mas continuou observando. Quatro horas, cinco horas, seis horas.

Seis horas e trinta e seis minutos e quarenta e dois segundos, e os dedos de Dr. Alfredo moveram-se. Sua respiração estava natural durante todo esse tempo, como Elias esperava, mas fora isso nada se movia. Agora, os dedos haviam movido. Sucesso! Ele levantou de sua cadeira e foi até o recém-ressuscitado Dr. Alfredo. Os seus olhos abriram, confusos. Ele tentou se levantar, mas caiu no chão. Elias correu para ajudá-lo, a memória de Fernanda invadindo-o e fazendo-o esquecer seu ódio por aquele homem. Talvez agora ele entendesse. Talvez agora ele percebesse o quanto aquilo era necessário. Ele ajudou Alfredo a andar, e, notando que Alfredo estava tentando falar, começou a falar ele próprio.

— Não tente falar. Você recebeu um transplante recentemente, e ainda precisa se acostumar às mudanças. Apenas ande comigo.

Os olhos de Alfredo subitamente expressaram horror. Ele o havia reconhecido. Ainda assim, ele andou com Elias até o espelho do aposento, onde ele o pôs olhando a si mesmo, nu, com seios generosos e uma bunda definida, como Elias havia-o criado. Os olhos de Alfredo arregalaram-se, e ele olhou exasperado para si mesmo, tocando-se em seus novos órgãos sexuais. Elias, que estava atrás dele, abraçou-o por trás, sentindo novamente a pele hidratada de sua Fernanda. Seus cabelos negros longos faziam seu nariz coçar, mas ele não se importava. Os seus olhos azuis, contudo, expressavam horror, e ele conhecia aquela expressão em seu rosto bem demais para aceitá-la passivamente.

— Não é lindo? — ele pôs sua mão na vulva de Alfredo, acariciando-a como se lembrava de ter feito há anos atrás com Fernanda. Alfredo, aterrorizado, tentou escapar e acabou caindo no chão. Elias riu, e ajudou-o a levantar novamente. Levou-o para fora da sala de cirurgia e para a cozinha — ele devia estar com fome. Lá, deu-lhe uma maçã e um copo d'água, que Alfredo comeu em silêncio, olhando-o desconfiado durante todo o tempo. Por fim, ele tentou falar novamente e desta vez conseguiu, soltando palavras roucamente com sua nova voz.

— O que você fez comigo?
— Eu te aperfeiçoei — Elias acariciou o rosto de Alfredo, fazendo-o retroceder com nojo —, e você me impedia de salvar Fernanda. Eu fiz o que tinha que fazer.
— Eu lembro agora — Alfredo tentava não gritar, sabendo que aquilo doeria demais —, você me matou!
— Eu fiz o que era necessário. Você estava no meu caminho.
— Eu estava fazendo meu trabalho, tentando salvar Fernanda.
Você a estava matando! — Elias gritou, furioso. Seus punhos estavam fechados, e ele fez um movimento para uma pistola que passou a carregar num coldre. Lhe daria gosto exterminar mais uma vez essa verme, mas os testes ainda não acabaram — Levante-se.
— O quê?
— Levante-se. Eu te criei, e você irá me obedecer. Levante-se.

Alfredo parecia querer contestar, mas obedeceu. Ele tremia de frio e falta de forças, e parecia que ia cair a qualquer momento. Seus mamilos estavam duros por causa do frio, Elias notou.

— Ande até a cozinha.
Ele andou.
— Volte.
Ele voltou.
— Curve-se.
Alfredo hesitou. Talvez ele lembrasse ainda, mas não importava.
Curve-se! — Elias gritou.
Ele se curvou.
— Fique ereto.
Ele ficou.
— Pule.
Alfredo pulou, mas assim que retornou ao chão caiu. As pernas ainda não tinham muita força, apesar dele ter refeito seus músculos perfeitamente. Provavelmente era falta de costume.
— Quando eu sair daqui, Elias... — Alfredo sussurrava — Eu não irei descansar até te ver morto e preso. O que você fez é antinatural!

Elias ficou pasmo. Era verdade, como ele iria prender Alfredo naquela casa? Era uma casa com muitas janelas, e com portas que, apesar de trancarem-se, podiam ser arrombadas com facilidade. Ele agora era uma ameaça. Elias sacou sua pistola e deu três tiros no peito de Alfredo. Com ele morrendo, carregou-o de volta para a sala de cirurgia. Se ele não conseguia nem controlar um mero médico imbecil de ameaçá-lo, o que impediria Fernanda de cometer suicídio novamente? Ele estava em lágrimas. Ele havia falhado. O doutor havia-o feito falhar. Mas ele iria obedecê-lo. Havia de. Abriu novamente o crânio do corpo de Fernanda e removeu o ainda vivo cérebro de Alfredo, colocando-o no cilindro portátil. Ele iria obedecê-lo. Retirou o cilindro da tomada e levou-o até o aposento de cérebros, mais especificamente à mesa. Ele teria que criar um computador de DNA de memória genética. Nada complicado. Isso faria Alfredo achar que era Fernanda e, modificando-se um pouco, que ela o amava incondicionalmente. Recolheu um pouco do DNA do cérebro de Fernanda e fez a alteração, injetando-o com sangue O− no cérebro de Alfredo. Se tudo tivesse dado certo, aquilo iria alterar as células de memória de seu cérebro e fá-lo-ia acreditar ser sua amada. Deixou o cérebro ligado na tomada e foi recuperar um novo corpo — o antigo já estava morto. Colocou o novo corpo na maca e trouxe o cérebro para fazer o transplante, como se lembrava. Abriu o corte, colocou o cérebro, fechou. Ele estava ficando bom nisso. Esperou, contando o tempo.

Seis horas, como da última vez. Alfredo acordou, mas ele não era Alfredo. Ele viu Elias e sorriu para ele. Elias conteve suas lágrimas. Fernanda. Ajudou-a a levantar-se, e levou-a até o espelho, como fez com Alfredo. Fernanda cobriu-se envergonhada, percebendo sua nudez, mas Elias fê-la parar com tal bobagem. Quando ela se olhou com mais atenção, notou seus seios maiores que o normal, e mexeu neles. Elias ficou excitado, e, com certo prazer, começou a abraçar Fernanda, pondo suas mãos nos seus seios. Os olhos de Fernanda encheram-se de horror e ela correu, de alguma forma sem cair — talvez devido às memórias —, e, sem perder tempo, Elias correu atrás dela. Mas ela sumiu. Procurou por ela por toda a casa, até achá-la jogada no chão da cozinha, sangrando do peito onde havia enfiado uma faca. Ele chorou de raiva. Mais uma falha, mais um suicídio. Ele iria suceder, nem que para isso tivesse que fazê-la sua escrava.

Arrancou-lhe o cérebro, agora quase que com raiva, e levou-o novamente para a mesa. Computador de DNA... Obediência. Era simples, e ele o fez em menos de oito minutos. Injetou-o no cérebro, não se importando qual lóbulo, e levou-o de volta para a sala de cirurgia. Botou-o na tomada, e foi pegar outro corpo. Agora lhe restavam cinco, sem contar este. Abriu o corte em 'Y',  colocou o cérebro, colocou os pinos, fechou os gomos, suturou, esperou. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis horas, ela acordou.

Fernanda olhou para Elias e sorriu com ternura. Ele a ajudou a levantar-se, e a levou ao espelho. Ela ajustou seu corpo, sentindo-se mais confortável com ele agora do que Elias tinha percebido anteriormente. Ele abraçou-a por trás, sem esconder sua ereção, e ela sorriu. Ele mexeu em seus seios, e ela pôs as mãos atrás das costas. Essa era a Fernanda que Elias amava. Mas ainda assim, não era ela. Seus olhos se encheram de fúria quando ele percebeu que estava amando Alfredo, e não sua amada Fernanda, e jogou-o na maca, e ela não reclamou. Estuprou-a com ela pedindo-o por mais, chorando de raiva e batendo nela, e ela gostava e pedia mais. Essa não era sua Fernanda. Era uma vadia pervertida, uma depravada. Mas os experimentos deram certo. Ele poderia ressuscitar sua amada. Mandou Alfredo ir para a cozinha — não o queria interferindo nos seus negócios — e foi até a sala dos corpos. Pegou o mais bonito — não fazia diferença, todos eram iguais — e levou-o até a sala de cirurgia, onde a depositou na maca, dando-lhe um beijo nos lábios. Foi à sala dos cérebros e, com muito cuidado, retirou o cérebro de Fernanda de seu pedestal. Levou-o à mesa. Misturou cuidadosamente os computadores de DNA dos camundongos MRL, os genes de obediência e as memórias genéticas de amor incondicional à ele. Ele a retornaria ao estado que ela merecia estar. Ele a faria amá-lo novamente, e ele a faria ser feliz. Desta vez, tudo daria certo. Conforme ele misturava tudo num frasco de sangue O−, a imagem de Fernanda enforcada em sua antiga casa passou por seus olhos. Ele ignorou o pensamento. Tudo daria certo desta vez. Tudo iria dar certo. A mistura estava pronta. Ele botou um pouco numa agulha e injetou com cuidado no cérebro de Fernanda o sangue. Isso feito, levou o cérebro — agora o seu amado cérebro que iria lhe trazer de volta o amor de sua vida — para a sala de cirurgia e começou.

Abriu um corte em 'Y', separou os gomos de músculo, colocou o cérebro, fez a ligação, fechou o crânio com pinos, juntou os gomos de músculo, suturou. Estava feito. Agora era esperar.

Uma hora se passou.
Duas.
Três.
Quatro.
Cinco.
Cinco e meia.
Cinco e quarenta e cinco.
Cinco e cinquenta e nove.
Seis.
Nada.
Seis e meia.
Nada.
Sete.
Nada.
Sete e meia.
Nada.

Elias se levantou, e foi até Fernanda. Seus olhos estavam abertos, mas ela não parecia reconhecer nada, ou estar ciente de coisa alguma. Sua boca estava entreaberta estupidamente, e sua respiração era puramente mecânica. Ele tocou em sua bochecha gentilmente. Não houve resposta.

— Fernanda? — ele chamou, segurando suas lágrimas.

Não houve resposta. Ele não conseguia compreender. O cérebro foi conservado perfeitamente. Ele recebia sangue e oxigênio perfeitamente e...

Foi então que ele compreendeu. O oxigênio. Oxidação. O cérebro havia morrido antes mesmo dele começar os experimentos, e ele nunca havia percebido. Como pudera ele ter sido tão imbecil! Ele fora um tolo, e agora sua vida havia terminado. Tudo que lhe restava era a falsa Fernanda, aquela puta depravada que o esperava na cozinha. Ele não podia viver assim. Ele não iria viver assim. Ele tomou do seu revólver e deu um tiro em seu queixo.

Fernanda, coberta em sangue, lentamente recobrou sua consciência. Ela olhou para a massa que outrora fora Elias, e, assustada, foi ao seu socorro. O que havia acontecido, ela se perguntava. Futilmente, chamou seu nome. Nada. Ele estava morto, mas ela não conseguiria aguentar tal verdade.

— Papai? — ela chamou uma última vez, antes de se derramar em prantos.