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Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ ᙖ〇ᖇᙖ〇ᒪᕮƬᗩ

Iniciado por Elyven, 24/03/2013 às 19:08

24/03/2013 às 19:08 Última edição: 25/03/2013 às 18:48 por Elyven
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Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ ᙖ〇ᖇᙖ〇ᒪᕮƬᗩ Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ
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Mini—Novela
Nota: Uma pequena novela que retrata utopicamente a realidade de uma adolescente  muito depressiva. Leiam com paciência caso houver interesse. Se possível, gostaria de um feedback. Boa Leitura.
Eu já fui outrora uma filha da primavera. Essa época me parece tão distante agora.

Quando eu era uma garotinha minha mãe me deixava brincar no seu jardim. Aquilo, para mim, era o paraíso. Os botões de rosas eram meus melhores amigos. Eu podia confiar neles. Na tarde de primavera eu lia história para as flores. Eu não conhecia todas as palavras no livro que eu pegava emprestado na biblioteca do meu pai, mas eu era capaz de criar infinitos floreios nas historias que contava. Não importa o quão elaborado os contos se tornavam, as rosas ouviriam atentamente. Borboletas planavam próximas para ouvir, e elas se alegrariam na beleza de tudo.

Aqueles dias de primavera foram os mais felizes da minha vida. Cada dia ensolarado era cheio de prazer da juventude, e minha exuberância era tamanha que sentia que eu quase podia voar. Quando uma brisa de primavera soprava pelo jardim,eu me lembro de ter desejado por asas que me levassem com o vento.

Meu pai sempre me ensinou o valor do trabalho duro. Ele queria que sua filha fosse capaz de prover para sua família. Eu nunca pensei que tivesse que aprender tanto, mas ele me ensinou tudo que eu precisaria saber. Na oficina nós trabalhávamos por horas. A única qualidade que eu me lembro dele era a paciência. Ele nunca conseguia expressar como se sentia em palavras, mas o fato que ele gastou tanto tempo me ensinando carpintaria dizia mais do que qualquer palavra que ele poderia escolher. Para uma menina, não é nada fácil.

Ele sempre foi metódico em relação ao seu trabalho. Para ele, o artesanato era a coisa mais importante do mundo.  Aprender isso leva um tempo. Quando eu tinha cinco anos, os pregos que eu martelava sempre ficavam tortos e o pedaço de tábua que eu cortava com minha serra de treino nunca ficava preciso. Ele sempre foi paciente, entretanto, e me ensinou que quando você começa  alguma coisa, não deve deixar nada te distrair até terminar.

Ele cuidadosamente media cada peça de madeira que usava. Ele me ensinou a usar o lápis cuidadosamente, de maneira que minhas marcas nunca estariam erradas por mais que 1/16 avos de polegadas.
Trabalhar com madeira foi uma das coisas que mais me deram prazer na minha vida. Cada vez que eu olho alguma coisa que eu construí com minhas  próprias mãos, eu imagino as mãos dele guiando as minhas. Eu fui uma jovem muito impaciente. Embora eu fosse repetidamente castigada, eu não conseguia evitar fugir pela janela do meu quarto nas noites quentes de primavera.

Com a furtividade de um animal noturno, eu descia pela arvore ao lado da minha janela e fugia.
Descalça, eu corria infinitamente pelo luar. No meio da noite, eu retornava.

Meu quarto era uma prisão. Eu arrumava meus bichos de pelúcia no peitoral da janela, e eles assistiam ao luar comigo. A luz da lua, repousava como um beijo de enamorado sobre a montanha, e eu desejei muito andar por esse chão gentil.

Com dezessete anos eu fugi de casa.

Eu consegui meu primeiro trabalho com dezesseis. Meu pai tinha me ensinado direito. Ele era um homem muito tradicional – eu aprendi que um homem de família deve ser capaz de prover. Por causa disso, eu trabalhei duro para que ele se orgulhasse. Eu sabia que um dia, eu teria minha própria família, e que meu trabalho duro a sustentaria.  Todo dia depois da escola eu ia para meu trabalho na madeireira. Checar o inventário não era o emprego mais excitante do mundo, mas eu aprendi a depender disso. Eu economizei para meu primeiro carro – Plymounth 1978 rosa. Não era nada espetacular, e um tanto chamativo. E eu havia conseguido por mérito próprio. E era meu.

Com dezoito anos eu coloquei o diploma do colegial na minha mala, carreguei meu carro com tudo que eu precisava para minha nova vida, e mudei para Califórnia.

Eles me encontraram no estacionamento da Seven Eleven. Os rasgões,lágrimas e manchas nas minhas roupas me faziam parecer mais uma fera que uma garota de Dezoito anos. Eu me tornei uma sem – teto durante várias semanas e meu sonho lentamente virava um pesadelo. Correndo de cidade em cidade, minha jornada tinha me levado de Albuquerque para Tucson até San Diego, e por todo o norte da Califórnia. O dinheiro que eu roubei de meus pais estava se esgotando, e a viagem estava lentamente me destruindo. Pias de banheiro não eram bons substitutos para um bom chuveiro e a mudança que experimentei na rua não era o bastante para uma comida descente.

Os três estranhos que me encontraram eram andarilhos também mas eles tinham viajado bem mais que eu. Se eu me concentrar um pouco posso me lembrar de suas faces.

Jack era alto. Ele caminhava com um curvar perpétuo, e ele era gentil. Ele usava uma jaqueta jeans com um brilhante por do sol bordado nas costas mas ele raramente sorria. Chris era eloquente, ainda que dissimulado. Ele tinha algo de ladrão, mas do tipo sofisticado. Sua perspicácia era ainda melhor lapidada que suas capacidades de conseguir o que precisávamos, e as canções dele sempre me fizeram sorrir. O terceiro membro do nosso grupo era um jovem Punk chamado Roger. Nós o chamávamos de Lábios de peixe. Ele tinha uma tatuagem de um peixinho no seu pescoço.  Ele parecia com os punks que eu via  no inicio dos anos 80. E orgulhava-se de sua amargura.

Roger Lábios de peixe tinha um furgão,uma monstruosidade. Nós eramos todos melhores amigos. Nós vivianos perto do limiar e tomar conta de um amigo é a melhor maneira de manter uma amizade.

Quando finalmente ficamos sem grana para o combustível,paramos numa casa com um grupo de estudante perto da universidade de Santa Maria. Jack, Chris e Roger queriam descansar um pouco. Em breve, eles considerariam a cidade seu lar, mas para mim, o meu lar sempre foi a estrada aberta.  Eu economizei algum dinheiro, e depois disso, eu me certifiquei de ter combustível no furgão. Quando desejávamos, fazíamos uma rápida viagem pela Costa Pacifica e cantávamos com a música do rádio.

Meus três amigos eram a minha brisa de primavera, e finalmente eu obtive às minhas asas.

O apartamento pelo qual eu economizei era pequeno, mas era meu. Dez horas por dia eu trabalhava numa construção no centro. No fim de casa dia, eu estava exausta.  Todo dia eu me esforçava para provar meu valor. A única coisa que me fazia continuar era pensar na minha próxima promoção...
O dinheiro era curto. E no fim de semana, eu dirigia para a praia e fazia longas caminhadas. De noite, o balanço perto da praia movia-se gentil para trás e para longe pelo vento, e o cheiro do mar podia alastrar-se através da areia.

Numa noite quente de verão eu a encontrei.

Toda noite, o resto do meu grupo se reunia ao redor de uma fogueira. Eu não sei por quê. Nós fazíamos algum tipo de ritual desde quando chegamos, e nos encontrávamos ali após cada uma de nossas jornadas. Toda noite, meus amigos discutiam.

Uma noite, quando eles começaram a gritar uns com os outros novamente, eu fugi do apartamento para ficar sozinha. Seus argumentos sempre pareciam triviais para mim, talvez nós apenas estivéssemos passando tempo demais juntos. Eu acho que Chris tinha ciúmes de que eu passava tempo demais com Jack. Eu podia sempre perceber a afeição dele. Ele era muito tímido, mas a sua bondade estava em tudo o que ele fazia. Chris sempre estava furioso, e eu acho que ele não podia entender porque eu não queria passar meu tempo tentando curar sua amargura sem fim.  Roger nunca levava nada a sério e eu nunca podia ter certeza se o que ele dizia era verdade.

O grupo estava tendo problemas e eu senti a necessidade de estar sozinha novamente.

Depois de andar ao lado do oceano, eu encontrei um balanco na praia. Eu corri. Era como se eu tivesse doze anos de novo. Eu queria saber o quão alto ele podia chegar. Enquanto eu era carregada pela brisa marinha, eu sonhei acordada com o balanço me levando para um lugar em que eu pudesse ficar sozinha. Talvez eu encontrasse alguma ilha por lá, um lugar onde eu poderia pensar nos meus sentimentos. Eu sonhei com um paraíso tão real quanto o jardim da minha mãe, e sonhei com a brisa tropical me levando pelo mar.

Fechei meus olhos.

Escorreguei.

Eu ria, enquanto o balanço me levava para alturas impossíveis. Era como se eu não me preocupasse com minha própria segurança. Eu parecia me  libertar do chão, como se algo dentro de mim não pudesse ser preso à gravidade.

Eu estava pasma. Eu simplesmente não podia existir. Minha risada era irreal. Senti inveja da felicidade que irradiou, eu senti admiração pela aura de liberdade que eu carregava ao meu redor. Com isso veio o desejo de me proteger, de prevenir que eu me machucasse.

Eu cai.

Eu estava sangrando na areia. O aroma do oceano pendurado opressivamente no ar. A dor fez meu rosto contorcer-se, e minha pele arranhou quando tentei remover a areia do sangue que manchava meu vestido de  algodão.

Ele impediu minhas mãos.

Cuidadosamente, ele pegou um lenço de seu bolso de trás e o enrolou no corte do meu braço. Sem palavras, ele me levou até seu carro. Metodicamente ele pegou um kit de primeiro socorros no porta luvas, e cuidadosamente colocou no corte.

Meu coração parou. Eu olhei docemente, sorri e tirei os cabelos de seus olhos. Foi quando eu vivenciei o mais longo e profundo beijo da minha vida.

Três meses depois, eu acordei no meio da noite e me virei para vê-lo dormindo ao meu lado. Tudo parecia tão impossível.  Como algo tão maravilhoso assim aconteceu comigo? Ele era descuidado e imprevisível, irresponsável e inconstante, mas toda noite, nós dormíamos na mesma cama no meu apartamento barato. Toda manhã, meu primeiro pensamento era como eu era sortuda por acordar ao seu lado.

Cada dia era tão feliz. Cada ação que eu tomava a cada dia vinha do meu amor por ele. Eu estava obcecada.

Quando eu cozinhava arroz para o jantar, eu pensava quão maravilhoso o próximo jantar à luz de velas seria. Quando eu separava suas meias para lavanderia, pensava como deixaria seus pés aquecidos.

Quando eu lavava os lençóis eu não parava de sorrir.

Às vezes eu pensava nos meus amigos de Santa Maria, mas ficava cada vez mais difícil lembrar seus rostos conforme os meses iam passando. Num dia úmido de verão eu me peguei na janela, observando o horizonte.


Eu não sei onde errei.

Todo dia eu voltava para o trabalho. Todo dia, eu ficava feliz por vê-lo em casa.  Isso parecia perfeitamente natural para mim. Eu comprava pequenas coisas para fazê-lo feliz.  Guardei dinheiro para o aparelho de som, terminei de pagar a televisão, e ia com ele no shopping para comprar mais coisas para o nosso apartamento.  Eu queria lhe prover o melhor.

E todo dia ele parecia mais desconfortável.  Eu ainda tinha esperanças que as coisas poderiam melhorar.  Por que não estava funcionando?

Ficamos frios.  Sentávamos na mesma sala, um tentando não ouvir a respiração do outro. Os jantares à luz de velas deram lugar aos jantares na frente da TV, e as noites de romantismo, às comédias na TV e cansaço.

Dez anos depois, eu sento na janela e olho para o quintal dos fundos. Ele gasta mais e mais tempo fora de casa. Nosso primeiro ano juntos parece outra vida. O jardim de rosas que eu plantei está brigando para sobreviver.  Por anos, eu tentei de tudo para ajudá-lo,mas eu não tenho o mesmo dom que minha Mãe.

Quando eu olho para fora da janela eu tenho dificuldade para concentrar. Geralmente, isso não dura muito tempo antes do telefone tocar, ou do bebe chorar. A televisão no canto mantém minha solidão distante.

Eu nunca sei quando ele volta para casa. Várias vezes ele fica fora até tarde e eu nunca sei quando ele voltará ou não bêbado.

Eu assisto  às folhas de outono cair perto de minha janela e tento me lembrar dos rostos de meus velhos amigos.

Eu lhe dei tudo que pude.  Mesmo quando eu realmente digo que o amo, isso faz pouca diferença. Se eu não o amasse, como ele explicaria todos anos que passei economizando para nossa casa? Como ele explicaria tudo que eu lhe dei? Fiz tudo o que meu pai me disse, e tentei deixar minha casa como a dos meus pais.

Nada lhe fazia feliz.

Eu estou bêbada e mesmo assim, entrando em seu mundo não consigo compreendê-lo.  Eu esmago às folhas de outono abaixo de meus pés enquanto cambaleio pela noite.

Eu não quero voltar para casa.

Jack veio aqui noite passada.

Eu não via há dez anos.  Ele andava com o mesmo curvar que sempre teve e seu cabelo ainda lhe cobria os olhos.  Havia algo estranho com ele. Ele não pareceu ter envelhecido um dia.  Eu lhe ofereci uma taça de vinho e o convidei a entrar. Ele sentou opressivo no sofá, como velhos amigos frequentemente fazem quando se visitam, e ele perguntou da minha vida. Eu contei a ele.  Quando eu era uma garotinha, eu sonhava em ter um jardim de rosas, mas agora as rosas não cresceram. Eu queria viver numa ilha tropical, mas os ventos tropicais nunca me levaram embora. Eu achei que sentiria feliz, mas agora eu tinha nada no jardim, com exceção de pilhas de folhas secas.

—Porque? —eu perguntei — Porque?

Ele respondeu.  Devagar, ele andou até mim e percorreu suas mãos pelas minhas costas.

O corpo que eu segurava caiu no chão e quebrou. Então meu velho amigo Jack cuidadosamente virou-se e foi embora.

Em noites solitárias, eu fico ao seu lado, mas eu estou sozinha.  No meio da noite, eu levanto e vagueio até a janela. Vou até o corredor, longe de mim.  O vento gelado sopra pela janela do quarto e eu durmo de novo.

Em noites solitárias quando ele está dormindo, eu observo o silêncio da minha prisão. Estou aprendendo a ser silenciosa. Quando eu roubo sorvete do congelador no meio da noite, quando eu ligo a TV às 3 da manhã, quando eu decido rastejar pelo sótão, eu caminho descalça no chão gelado, sem ousar fazer barulho.

O sótão é o lugar onde posso me lembrar de coisas que deixei de lado.  No meio da noite, eu sento lá e deixo  as lágrimas rolarem por minha face. Eu mantenho caixas com minhas antigas coisas lá, e quando olho os vestígios da minha juventude, me lembro de meu passado.

Um dos tesouros que eu guardo está numa caixa branca. Quando eu preciso lembrar do passado, eu abro aquela caixa, tiro o papel de ceda, e olho o interior.  A memória da minha juventude volta.  E eu consigo lembrar dos rostos de meus velhos amigos.

Dentro da caixa, repousam duas folhas etéreas no papel de seda como borboletas frágeis. Elas me lembram que o vento nunca virá novamente. Elas me lembram do sacrifício que fiz por meu amor.

Sento-me e choro, e percebo onde deixei minhas belas asas.
                                                                                                 By —Elyven Velvet