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☧ O Sɑngue é Vício ☧

Iniciado por Elyven, 18/04/2013 às 20:00

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☧  O Sɑngue é Vício ☧
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Seriado
Nota: Uma pequena série que retrata coisas bizarras em Nova York.  Boa Leitura.
Devo ter o pior emprego de toda Nova York.

Eu limpo banheiros abarrotados de guardanapos dos famosos Nathan´s Frankfurts e bitucas de Marlboro.
Obrigado, senhor, pelo sindicato. Esfrego uma parede riscada que proclama que Jeanette tem as maiores tetas do Brooklyn. Tenho que ir logo se quiser pegar o trem B para voltar para casa. Mais um dia.

O parque fechou a uma hora, mas quando saio do vestiário  ainda posso ouvir o assoviar da luz néon do sinal Ciclone. Carlos deve estar por aqui, fazendo alguma manutenção. Vejo uma lata de Pespi próxima a sarjeta. Parece que quanto mais eu limpo este lugar,mais sujo fica.

Sopra um vento úmido de agosto mesclado com o cheiro de salsichas, urina, água salgada e diesel. Cruzo a avenida Stiwell na altura do Karamelos Katz (Lar do melhor Algodão – Doce do mundo),procurando a minha passagem no bolso da calça, e me dirijo até a úmida estação do metrô. Um jovem negro de cabelos gordurosos com pulseiras de ouro falso me pede umas moedas próximo à entrada e, além dele, pareço ser a única alma da estação. Paro sobre uma peça de borracha enegrecida que foi fixada a plataforma, olhando ansiosamente o meu relógio.

Esta noite vai ser uma viagem longa.

Normalmente Carlos pega o mesmo trem que eu, e tenho alguém com quem conversar. Mas desta vez, não. Não...

Esta noite sou a única passageira.

Fecho os olhos sabendo que posso cochilar um pouquinho; o trem leva uns 35 minutos para chegar a Manhattan, e não há nada com o que me preocupar. Minha cabeça meneia, e posso apenas cochilar por pausa dos chiados do trem. A maldita Companhia Metropolitana concede sempre os trens mais ferrados do Brooklin. Me esforço para manter os olhos abertos, fixando-os no anuncio acima da janela, uma clínica de abortos onde todas as enfermeiras falam espanhol

O trem chega na próxima parada: as portas se abrem, e não sei se é o aspecto ou o fedor do novo passageiro que chama mais a minha atenção. Tento não olhar, mas é tão repulsivo que não posso evitar. Parece um sem teto, a julgar por suas calças baratas sujas de urina e sua camiseta de Mondale para presidente. Acredito que tentará me vender um exemplar de The Street News. Mas evita o meu olhar e senta-se em silêncio no outro lado.

O trem chia mais forte do que antes, enviando um zunido para meus tímpanos. O sem teto me olha e sorri. "Um trem barulhento, né?"ele diz.
"Mmmhmm", grunho em direção aos sapatos, sem olhar diretamente para os seus olhos.

Vejo que ele está descalço, e que seus pés estão cobertos de pequenas bolhas avermelhadas. Minha cabeça dói e o ruído é cada vez mais forte a medida que entramos no túnel sob o East River. E então ouço outro ruído estranho, e olho para cima e vejo uma rachadura no teto do metrô, por onde caem pequenas gotas do rio mais sujo da América, formando charcos em alguns assentos do vagão.

Um odor de coliformes fecais se espalha no ar. Maldição, tenho que sentir esse cheiro no trabalho todo o santo dia, e a agora o trem inteiro fede à merda!

Meu companheiro de viagem me olha com um sorriso amarelado e diz: "Ei, acho que Nova York tem o metro mais limpo do mundo!".

Quero vomitar. Posso ver os arrepios percorrendo meus antebraços, tenho a cara coberta de suor frio, e...

O chiado parecido com o de uma hiena finalmente termina, mas o dilúvio de água do rio começa a inundar todo o trem. Há um momento de rígida calma, em que tudo o que posso ouvir é o regular pingar da água sobre os assentos de plástico laranja. O vagabundo se mantém em seu lugar, brincando nervosamente com seus polegares. Um súbito zunido chega ao vagão, o resplendor verde das luzes fluorecentes desaparece, e o trem para sobre os trilhos.

Não posso gritar: de quê serviria? Mas, Mãe de Deus, o que vou fazer? Esfrego as têmporas como se isso pudesse me ajudar a pensar em uma solução, mas a mão resvala em meu próprio suor. Meu estômago está embrulhado como um nó de escoteiro. Oh, Deus, não quero morrer como uma barata na privada! Quero me levantar e ir para o próximo vagão, mas o medo me detém, e os restos de minha porção de pizza de calabresa abre caminho por entre minha garganta. Somente posso gritar.

Não posso ver nada, mas sinto as bordas do meu jeans encharcados pela água residual do East River.
O asco me faz encolher as pernas, segurando os joelhos contra o peito em uma tentativa de impedir que a repugnante  lama me cubra por completo.

Algo me toca no ombro, e quase saio de minha própria pele.

"Não há com o que se preocupar, docinho" diz o desconhecido, agora sentando junto a mim, com seu braço por cima de meu ombro. "Eu cuidarei de você", sussurra e sinto seu frio alento esquentando meus lábios, enquanto me agarra a nuca e me mete a força uma língua larga e serpentina na boca. Tenho náuseas quando me beija, e o sabor do vômito chega a minha boca, eu o mordo para que pare, mas ele continua com mais fervor porém, ignorando o pedaço de língua que flutua agora sobre minha saliva.

Um fluído amargo e viçoso (seu sangue?) se mistura com o  vômito em minha garganta.

Tento alcançar meu bolso e pegar o canivete suíço, mas ele pressiona meus pulsos com seus dedos fortes e nodosos, e mais sangue entra em minha boca. Por fim, deixa de me beijar, e me joga contra a janela. Estilhaços de grosso plexiglass cobrem meus olhos, e tudo que vejo é vermelho.

                                                                                                ...continua.