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Além do Óbvio

Iniciado por Elyven, 28/05/2013 às 13:14

28/05/2013 às 13:14 Última edição: 28/05/2013 às 13:24 por Elyven
2013. Dezembro.

  A visibilidade era quase zero, embora, segundos antes, poucas nuvens cortinavam o céu. A chuva caiu de repente; sorrateira. O aguaceiro punia a antiga rodovia que há muito liga o Estado do Kansas à capital Topeka. Talvez não fosse um bom final de tarde para dirigir, principalmente quando os pneus do carro estavam carecas. O para-brisa havia se embaçado rápido e, de quando em quando, Joshua tinha de usar uma flanela velha para limpá-lo, pois o desembaçador havia estragado.

  Perigo!

  Grossos pingos se chocavam violentamente contra o vidro dianteiro do sedã preto do advogado criminalista. A tempestade prosseguia; traiçoeira. Mas que raios de chuva!, pensou temeroso. Não gostava de dirigir nessas condições desde o Grande Dia Escuro, como passou ele próprio a chamar a maior tragédia de sua vida... Ao avistar uma barreira policial situada à margem direita, o homem elegante conseguiu se localizar precisamente. Estava próximo da Cidade Administrativa do Kansas.

Prosseguiu, e quando passou por um posto, do outro lado da pista, ele decidiu fazer o retorno e parar para comer alguma coisa. Na verdade, o que mais queria era esperar a chuva passar, ou pelo menos amenizar, para prosseguir com segurança. Os pneus estavam ruins. Percorrera algumas borracharias no dia anterior, mas não conseguiu encontrar pneus usados pelo preço que gostaria. Decidiu que compraria na capital, antes de partir rumo ao Colorado, para aonde iria após deixar o filho com a tia.

  O advogado não seria tolo em arriscar a vida do seu maior tesouro.


  Shane dormia no assento do passageiro. Um rapaz em fase de transição. Acabando de deixar a adolescência e entrando na vida adulta. Estudante dedicado que acabara de se formar no ensino médio... Candidato sério a uma vaga na Universidade, o jovem de cabelos negros estava se preparando para enfrentar a segunda etapa do vestibular,após o natal. Queria ser médico.

  _ Chegamos? - A voz de Shane soou sonolenta, quando o jovem percebeu que o motor do carro foi desligado.
  O menino abriu um olho num movimento preguiçoso. A íris azul-celeste fixou-se em Joshua. Logo, retirou uma mecha da franja escura do outro olho. O cabelo já estava grande demais de acordo com o pai.
  _ Ainda não filhão.- Joshua sussurrou.- Estamos chegando.
  _ Por que paramos? - Shane questionou, esfregando os olhos.
  _ A... Chuva... tá forte. -–Joshua disse tenso.
  _ E... -–Shane prosseguiu.Ainda sonolento.
  _ Não pude trocar os pneus, lembra?

  O advogado então ligou o rádio do carro. Todas as estações fora do ar.

  _ Também - prosseguiu após desligar o aparelho – quem imaginaria que iria chover? O céu estava limpo quando saímos.
  _ Eu avisei!
  _ Foi um baita chute, isso sim - Joshua sorriu.

  Mas o filho pôde perceber que se tratava apenas de um sorriso falso, para esconder a impaciência. O garoto então desviou o olhar para fitar os pingos que ainda insistiam em investir contra o para-brisa e, no instante após, suspirou antes de dizer:

  _ Você não acredita em mim,né?

  Um olhar descrente perdurou por segundos. Um raio caiu ao longe, seguido de um raivoso trovão. A tempestade prometia perdurar talvez por muito mais tempo.

  _ Ah, não! Pelo amor de Deus! Não vamos começar com as paranoias.
  _ Paranoias?! - O garoto resmungou e, com um movimento singular, abriu a porta do automóvel e correu à loja de conveniência.

  Nesse instante, parecia que a chuva ia inundar o interior do veículo, pois Joshua não estacionara sob a cobertura do posto. Mais um trovão cortou o ar após um breve clarão.

  _ Aonde pensa que vai menino? Está chovendo! - O advogado berrou, colocando a cabeça para fora da janela, nem se incomodando com os pingos que lhe encharcavam os cabelos rajados de branco.

  _ Banheiro! – Shane gritou sem olhar para trás.
  _ Droga...

  Joshua desceu do carro e apertou o botão do alarme.


  Menino pirracento! Já está passando dos limites.

  Desde a perda da mãe, no Grande Dia Escuro, ficara assim. Ele não dava o braço a torcer tão facilmente. Mas foi Joshua quem certamente sofrera mais com a morte da amada do que o filho. Respirava Andrea... a esposa; Sua vida!
  O renomado advogado foi então quem cuidou de Shane sozinho, desde o acidente, obrigado a fazer o papel de mãe às vezes. Já até pensara sério em pedir transferência do trabalho na firma para morar mais próximo da irmã. Dessa maneira, poderia contar com a ajuda dela na criação de Shane. Porém, o rapaz tinha uma rixa com o primo, filho de Suellen. O advogado, por mais que sofresse com a perda da mulher, jamais permitiria que tal egoísmo tirasse a felicidade do filho; a prova de amor mais concreta do passado com a amada.

  Ele entrou na loja de conveniência. Olhou em seu relógio de pulso e viu que eram quase nove da noite. Continuava a chover muito lá fora. Ergueu o pescoço para tentar localizar Shane em meio às prateleiras do lugar. O garoto não estava à vista. Um casal de idosos se encontrava num canto escolhendo vinhos. Joshua também fitou uma mulher de vestido azul pegando cervejas e, bem ao lado, uma garotinha segurava uma boneca de pano. Ele não conseguia avistar o que poderia ser a porta do banheiro. A loja não era grande, entretanto, continha prateleiras que formavam labirínticos corredores.

  Joshua caminhou até o balcão.

  _ Viu um garoto moreno por ai, cabelo grande, olhos claros? - Perguntou.
  _...pois não senhor? - Disse um jovem cheio de espinhas, que mostrou o rosto após retirar os fones de ouvido.
  _ Pode deixar - Joshua resmungou.
  Mas que irresponsável deixaria um moleque desse nipe trabalhando numa loja de conveniência à uma hora dessas? Joshua não queria ter que interferir nessa situação. Por mais que desejasse falar poucas e boas ao gerente do posto. Onde ficam os malditos banheiros?, pensou e moveu o pescoço para tentar localizar a porta... Burro! Ele só tinha de perguntar para o adolescente no balcão.

  _ Onde é que fica o...
  _ Parado! Isso é um assalto! Ninguém se mexe!... Perdeu!

  Dois homens armados e usando máscaras de Papai Noel entraram na loja. O jovem balconista ficou em choque.

Joshua, sem pensar duas vezes, levantou as mãos na altura da cabeça. Rezou mentalmente para que os assaltantes não atirassem. Ele estava de costas para o homem que havia anunciado o assalto. O bandido aproximou, encostando o cano do calibre trinta e oito na nuca do advogado, e berrando para que a vítima não fizesse nada heroico.

Enquanto isso, o outro salteador atravessou o balcão e gritou com o jovem, ordenando que o espinhento abrisse o caixa. O menino, pasmo, não o fez, estava em estado de choque. Maldito dia em que o pai o deixou tomando conta da loja! O bandido o empurrou, fazendo-o bater com a testa no chão e desmaiar na hora.

  Enquanto isso, o outro marginal rendia os demais clientes da loja e os levava para um canto, aos fundos, próximo do casal de velhinhos. A mulher que comprava cervejas carregou a filhinha, que deixou a boneca de pano cair. A criança começou a chorar querendo o brinquedo de volta. Joshua foi empurrado para perto dela nesse instante. O bandido alertou para que ninguém tentasse nenhuma gracinha, e logo se virou para espiar o comparsa. Joshua usou deste instante para sussurrar à mãe e a garotinha que tudo ficaria bem. Defronte deles, o casal de idosos já não se movia mais, haviam desmaiado juntos. Tudo se via acontecendo muito rápido.

  Foi então que, de repente, uma porta se abriu em algum lugar. Seria a bendita porta do banheiro? O filho viu o pai avançar em sua direção, mas o tiro foi mais rápido. Tudo aconteceu em questão de segundos. Os ladrões correram. A mulher cobriu os olhos da filha... Shane então viu o sangue escuro escorrer do plexo do pai caído ao chão. Os seus puros olhos azuis focaram-se na cena aterrorizante; tremiam. Os olhos de Joshua já não brilhavam mais.


  _ Chegamos? – A voz de Shane soou sonolenta.
  _ Ainda não filhão. – Joshua sussurrou.

  Logo o de'javu.

  Estava acontecendo outra vez? Como naquela manhã, quando ele previra a chuva? Como quando previra também o Grande Dia Escuro, que levou a sua mãe para longe de  Joshua para sempre? Não! Não podia ser verdade! Seu pai não iria morrer assim, de repente. Sua vida não poderia piorar. Que droga!

  _ Não disse que choveria? -– Shane sussurrou, tentando manter o controle. Suava. Algo parecia lhe espremer o peito. A visão do pai morto ainda estava gravada na retina, como uma televisão com o defeito da imagem fantasma.
  Queria que tivesse sido apenas um sonho, porém no fundo ele sabia que não. Sabia que a premonição não era somente um terrível pesadelo. Sabia que, se entrassem naquela maldita loja de conveniência, perderia o pai, da mesma forma que perdeu a mãe... Tudo que tinha que fazer era ficar quieto. Não sair pela porta do carro como fizera na visão. Resolveu não contar nada ao pai.

  O pai nunca acreditava quando nas previsões. Sempre dizia que era um baita chute. Procurou ajuda psicológica que achou necessária para Shane, mas isso não adiantou. O advogado enxergou essa mania que o filho tem de prever as coisas como uma forma que Shane encontrou para se recuperar da perda da mãe. Mas, às vezes, tinha suas próprias duvidas quanto essa questão, pois foi antes de Andrea morrer que o filho havia previsto a morte da mãe. Shane chegava a assustá-lo.

  O rapaz tirou o smartphone do bolso. Pensou em ligar para a polícia. Será uma boa ideia? Mas, ao fitar o display do aparelho, viu que o restinho de bateria nem daria para completar a chamada. Até a tecnologia estava contra ele no momento.

  _ Foi um baita chute, isso sim - Joshua sorriu.
  _ Você não acredita em mim 'né?
  _ Ah, não! Pelo amor de De......
  _ Por quê?!...por que não acredita em mim? Eu não sou doido. Por que mentiria para o senhor? Realmente não sei o que acontece comigo. O senhor precisa acreditar...

  Lágrimas escorreram dos olhos de Shane quando ele, de repente, explodiu, pontuando a fala com soluços agressivos, e interrompendo o pai. Estava desesperado

_ É tão...difícil...assim...acreditar? Se...o...senhor tivesse...ouvido...minha mãe...talvez......
_ Chega Shanel! - Joshua arfou já sem paciência.

  Nervoso, girou a chave e desligou o Honda. Passou as mãos entre os cabelos lisos, retirou os óculos, levou o polegar e o indicador direito para massagear a base do nariz. Fazia sempre assim quando estava estressado. Quando o inevitável e cruel Grande Dia Escuro vinha-lhe à mente. Não aguentava mais o martírio. Ainda mais quando o filho o culpava. Que raios de visões são essas?

  Por quase três minutos, ninguém disse uma palavra. Um silêncio recíproco. Então mais um trovão rasgou a noite molhada pouco depois de a luz do relâmpago dançar pelas nuvens cinza e carregadas ao céu, estourando a bolha que havia se formado e deixando com que todos os sons ao redor preenchessem o interior do sedã. Joshua, ainda mudo, arreganhou a porta do motorista e, logo em seguida, bateu-a atrás de si, porém, segundos antes, ele ouviu a voz aflita do filho a suas costas:

  _ Aonde você vai pai? Tá chovendo!
  _ Banheiro! - Joshua resmungou, trancando o carro ao apertar o botão do alarme.


O coração de Shane acelerou.

_ PAI!

Nossa essa ficou excelente, não vou contar nada em detalhes aqui para não estragar a abela leitura dos outros.

Ficou realmente emocionante^^
Esses foi um dos melhores que já vi aqui.

Spoiler
A gente só começa a entender a história só depois da metade XD
isso ficou excelente, fez parecer uma coisa inesperada, e esperada ao mesmo tempo que a gente fica pensando que as próximas cenas serão como imaginamos ^^
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Citação de: felipefalcon online 28/05/2013 às 13:34
Nossa essa ficou excelente, não vou contar nada em detalhes aqui para não estragar a abela leitura dos outros.
Ficou realmente emocionante^^
Esses foi um dos melhores que já vi aqui.
Spoiler
A gente só começa a entender a história só depois da metade XD
isso ficou excelente, fez parecer uma coisa inesperada, e esperada ao mesmo tempo que a gente fica pensando que as próximas cenas serão como imaginamos ^^
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Eu fico encantada com o seu poder de leitura Felipe. Você realmente entra nos tópicos e lê mesmo! Não só nos meus como nos outros dos colegas também! kkk Sem importar o tamanho do texto. Já notei isso na sua pessoa e você têm minha admiração pessoal. Enfim, vamos lá! Ontem à noite. Caiu muita chuva aqui, parecia que o mundo se acabaria no Apocalipse Now! kkk Escrevi este conto; trabalhando às ferramentas clichès como: Bandidos que assaltam estabelecimentos americanos no estilo: Máscara de Papai Noel. O que ficou muito legal. Fora isso, deixei que os fatos ganhassem vida mesmo na metade do texto. Prender o leitor ao máximo antes do Climax. Obrigada, mais uma vez!

Voltei a ativa na leitura, assim como eu chamo XD(Comecei a ler muito muito mesmo, neste mês passado para este, e agora estou viciado de novo).

Pior que até esta parte do assalto eu tava achando, nossa um assalto, pela história que não tinha nada de mais, eu pensei "Alguém vai morrer", se não não teria sentindo a história, mas aí quando explicou tudo... Nossa fiquei tão impressionado XD(E olha que é impossível pressentir que era aquilo)

Continue com os belos textos, pois quem só tem a perder são os que não leem e você que não mostrará seu belo talento ^^

  

Citação de: felipefalcon online 28/05/2013 às 13:50
Voltei a ativa na leitura, assim como eu chamo XD(Comecei a ler muito muito mesmo, neste mês passado para este, e agora estou viciado de novo).
Pior que até esta parte do assalto eu tava achando, nossa um assalto, pela história que não tinha nada de mais, eu pensei "Alguém vai morrer", se não não teria sentindo a história, mas aí quando explicou tudo... Nossa fiquei tão impressionado XD(E olha que é impossível pressentir que era aquilo)
Continue com os belos textos, pois quem só tem a perder são os que não leem e você que não mostrará seu belo talento ^^
Mas o conto é "Além do Óbvio" certo? Sem spoiler. Tudo indicava que sim, mas no final, deixou algo como? Será? Meio que efeito borboleta? Lembra daquele filme? Pode ter uma continuação ou não. Vou relê-lo mais vezes e pensar em uma coisa legal. Gostei deste Shane, meu novo personagem paranormal.