O TEMA DO FÓRUM ESTÁ EM MANUTENÇÃO. FEEDBACKS AQUI: ACESSAR

Contos de um dia de apagão - O Ritual do Espelho

Iniciado por cristianoforce, 01/06/2013 às 15:16

O Ritual do Espelho


   A noite ruía em gélidos gemidos, as trevas começavam a se aproximar novamente, sempre lentamente, buscando  iludir os incrédulos. O relógio marcava 01:55 da manhã do dia 31 de Outubro de 1998. Chegara a madrugada em que as criaturas mais mórbidas da Terra saiam para se divertir, alarmar as crianças e aos curiosos. Porém como discernir a verdade da irrealidade? Muitos se perguntam até onde uma lenda pode ser real, entretanto há aqueles que descobrem da maneira mais difícil, da forma que só uma noite de Halloween pode oferecer.

   David estava sentado em seu sofá, o local do qual mais gostava de parar para refletir. Após acender sua lareira e fumar alguns charutos, se lembrara das histórias que sua avó lhe contava nas noites de Halloween, que costumavam a lhe dar calafrios. Besteiras. Pensava consigo mesmo atualmente. Porém o dia era distinto. Lágrimas caíam de seus olhos enquanto se perdia em pensamentos pérfidos. David estava passando por grandes problemas em seu relacionamento, sua mulher não o respeitava mais havia alguns anos, sobretudo, havia pouco tempo que ele descobrira que ela o estava traindo com um empresário ricaço vindo da Espanha. Ao ver a cena pessoalmente não esboçava um sequer sentimento. No fundo eu sempre soube. Fatalmente ponderava.

   Das muitas histórias que sua avó havia lhe contado, havia uma em especial que lhe causava um verdadeiro pavor: o temido ritual do espelho.

   Rezava a lenda que entre às 02:00 e 05:00 da manhã do dia das bruxas existia um vazio, uma espécie de portal vindo do inferno se abria, porém não podia ser visualizado ou utilizado, a menos que a pessoa encontre uma forma de vislumbrar sua própria alma. No ano de 1945 Harold Kirknov supostamente havia encontrado o segredo para que pudéssemos visualizar nossas almas, durante o horário do 'vazio', a pessoa deveria se olhar rente a um espelho posto num cômodo em breu total. Mantendo o olhar fixo ao espelho, mesmo não podendo enxergar nada, haveria um momento em que seríamos capazes de avistar algo, no início apenas um pequeno borrão. Se você ficar lá até o momento certo chegar, você sentirá um arrepio tomando conta de seu corpo. Coloque sua mão direita no espelho e sussurre "Eu aceito". Se feito corretamente, aparecerá no espelho uma fraca imagem de um bebê sem pele, e olhos completamente negros. Ele vai olhar diretamente na sua alma e você ouvirá o som de moscas e sussurros nervosos. Prosseguia perfeitamente as palavras da avó em sua mente. Você não será capaz de distinguir a imagem no espelho, mas será preenchido de um terror inexplicável. O bebê irá perguntar para você cinco perguntas sobre eventos que ocorreram em sua vida. A voz dele será como uma lixa, ou qualquer outro tipo de fricção, e você estará desprovido de qualquer emoção humana. Para cada pergunta que você responder errado, você perderá um dos seus 5 sentidos para sempre. Para cara pergunta que você responder certo, você poderá dizer o nome de alguma pessoa que você conhece. Essa pessoa será encontrada morta na manhã seguinte com sua pele removida e sem olhos. Encerrava a lenda com desgosto.

   A incerteza de David começava a ser consumida por seu ódio. Como ela pôde? Eu sempre fiz tudo por ela! Transbordava de pânico ao cogitar comprovar a história como uma espécie de vingança. Besteiras!!! Apenas isto. Mais nada. Contudo o ódio era maior, foi ao badalo das duas da matina que David resolveu ir até o porão para visitar um espelho antigo que havia ganhado de seus pais.

   A porta do porão fez um ruído amedrontador, acordando Felix, o gato siamês de sua esposa, que miava como se alertando sobre o perigo que estava por vir. Ignorando. David desceu os degraus cuidadosamente, pois havia mantido a escuridão fazendo jus as instruções do mito. Tentava se recordar em que região havia pendurado o objeto, totalmente cego por meio ao breu do subsolo. Por fim o encontrou, não por enxergá-lo, mas por memórias mapeadas em sua mente.

  Passaram-se dois minutos, silêncio total, nada podia ser visto ou escutado. Não acredito que estou fazendo isto. Mais cinco minutos. O que eu esperava!? São apenas lendas para assustar crianças teimosas... Foi diante de seu pensamento que David sentiu o maior calafrio que já havirá sentido. Que porra é esta? Atordoado com a situação David suspira. "Se você ficar lá até o momento certo chegar, você sentira um arrepio tomando conta de seu corpo". Apavorado, o mais novo curioso das noites de trevas guia seu dedo indicador em direção ao espelho, falando suave e fixamente: eu aceito!

   Uma pequena imagem abstrata começou a surgir flutuando na escuridão, distorcido, o vulto envernizado começou a tomar forma aos poucos, avermelhando-se. Em pouco tempo já se podia ver a imagem retorcida de um bebê esfolado e com os olhos totalmente enegrecidos. A criança encarava fixamente David como se pudesse enxergar o seu interior. Uma forma de poder vislumbrar sua alma. Foi quando o som incessante de moscas voando se iniciou, seguido de baixos sussurros, dos quais não podia-se discernir as palavras.

   O pavor de David se triplicou, não podia acreditar que as histórias de sua avó não eram apenas lendas para assustar crianças malcriadas. É tudo real! Veja isto! Foi nesta hora que ele se deparou com uma situação sem volta, a sua vingança deveria acontecer. Não há maneiras de parar.

   O lúgubre feto proferiu em grossas palavras:
- Chamaste o vazio, retirou-me do inferno através de seu ódio, proclame-me sua dor, deixe-me lhe ajudar. - Após uma pequena pausa prosseguiu - Farei-lhe cinco perguntas, das quais será obrigado a acertar, para cada erro um sentido lhe é desprovido, porém se a acerta... - Uma vida poderá ser eliminada, relembrou David. - Uma vida poderá ser eliminada - Encerrou a grotesca criatura.
- Tato - Cita a criança - Qual foi a coisa mais cruel que já fez em toda sua vida?
   David começa a raciocinar. Mas que tipo de pergunta é esta? Houve um tempo em que David era ríspido, em sua época de colegial vivia atormentando a vida de novatos por misero prazer de vê-los sofrer. Eu era uma abominação. Refletia.
- Creio que tenha sido induzir um garoto a tomar veneno de rato lhe dizendo ser suco de amora. - David se lembrara que uma vez quase matou um colega de classe lhe fazendo ingerir veneno alegando estar lhe dando um presente de boas-vindas.
   O bebê porém fez uma cara de desprezo, apontando o seu dedo em direção ao rosto de David que automaticamente desmorona ao chão, havia perdido o tato, não sentia mais nada tocando sua pele. Em desespero, as lágrimas voltaram a cair do rosto do 'valentão', uma tristeza descomunal toma conta de seu ser.
- Como eu posso ter errado!?!? - Questiona.
- A mais vil das criaturas não é capaz de enxergar sua truculência. A coisa mais cruel que já fez foi simplesmente me invocar das profundezas utilizando o ódio de seu coração.
   David estupefato se puni ao pensar em o quão simples era a resposta.
- Olfato. Qual foi a situação mais triste de sua vida? - A pequena monstruosidade envia a segunda pergunta.
   A situação mais triste? Hum... Vamos. Descubra.
- A morte da minha mãe - Responde após recordar do quão deprimido havia ficado com o acontecimento, chorou incessantemente por uma semana.
   No entanto mais um vez a criatura aponta, desprovendo-lhe do olfato.
- O ego lhe logrou da resposta. O momento em que perdeu o tato. Esta foi a situação mais triste de sua vida.
   O desespero de David aumenta, não sentia mais o aroma malcheiroso de seu porão velho. Desta forma me tornarei um ser inanimado. Tenho que acertar as próximas perguntas!
- Visão - Palavra que automaticamente o arrepia. De forma alguma vou perder minha visão! Jamais!
- Qual o seu maior arrependimento?
  Concentre-se. Esta não é difícil, você sabe o que responder!
- Ter lhe invocado! É meu maior arrependimento. - Diz seguro de que havia finalmente acertado.
   O dedo do bebê se estica, a última imagem que David veria.
- Ahhhhh. Não consigo ver nada! Meus olhos! O que fez com eles!? Ahhhhh. - Grita ferozmente.
- Você enxerga aquilo que quer enxergar, mas não a verdade. Ter errado as duas primeiras perguntas. Este é seu maior arrependimento.
- Seu filho da mãe! Devolva minha visão! Demônio desgraçado!
- Audição - Num instante tudo parece se paralisar. Como? Mas se eu errar esta questão como serei capaz de escutar a última??? Essa eu não posso errar de maneira alguma! - Qual o momento de maior ira de sua vida?
- Este!!! - Grita sem nem ao menos pensar.
   Estalos são escutados, sua audição começa a se definhar.
- A audição de nada serve para aqueles que não querem escutar. O momento em que presenciou sua mulher o traindo. Este foi o momento.
- Não!!! - O som de sua voz ecoa pela última vez em sua mente.
   David então escuta os últimos sons de sua vida, fazendo o máximo para tentar entender o que diziam. Pa... Ra. Não. Paladar. Qual... Maior. Des.

   Era o fim da saúde mental de David. Acabara de perder 4 sentidos, tudo que podia fazer agora era gritar. O medo o havia preenchido por completo. Não demonstrava mais emoção alguma, apenas o olhar mais depressivo que um homem já havia feito. Manteve-se ajoelhado, pela primeira vez sem sentir seus joelhos tocarem o chão, derrotado, apenas esperando sua última pergunta, aquela que nem sequer seria capaz de escutar, e que retiraria o seu último resquício de sanidade.

   David em transe apenas aguardava o seu último sentido ser eliminado. Atordoado, perdido, não era capaz de pensar em mais nada. Os lábios do bebê se cessam. É o fim.
- Me mate! Eu quero morrer! - Profere David sem nem ao menos saber se havia pronunciado corretamente.
   Inexplicavelmente a criatura finalmente assenti. Ela reproduz gestos, como se estivesse esperando por algo. Será... Que eu acertei?. Espantado por não saber como havia acertado a última pergunta, utilizou da sorte do destino para dizer o nome que finalmente tanto esperava para dizer:
- Brienne! - Cita o nome de sua esposa com hostilidade e desgosto.

   Um flash toma conta do porão por poucos segundos, logo se dissipa. O bebê não estava mais lá. Eu consegui, pude me vingar daquela desgraçada! Eu consegui! Hahahahaha..
   Gotas de sangue se derramam pelo chão. David sem sentir decaí sobre o chão sujo sem um pedaço de pele sequer em seu corpo. Uma última lágrima é derramada por baixo dos olhos mais negros já vistos pelo homem. Dentro do quarto de David via-se Brienne, debulhada em lágrimas se estirava sobre o chão sem o sentir. Imaginou escutar os gritos de David definhando, pois não podia-o escutar. Agradeceu ao menos não ter visto esta imagem, mesmo sabendo que não poderia mais ver nada, para todo sempre. Tentou sentir o perfume de David qual costumava a usar para relembrar dos tempos de namoro, quando ainda tudo andava as mil maravilhas, mas também não pôde. Brienne só pôde falar, mesmo que distorcidas, as palavras indiretamente saiam de sua boca:
- Este é o fim... Não há mais vazio. Darei fim a solidão. O nosso felizes para sempre. - Enfiando uma faca diretamente no seu coração. Vamos poder sorrir novamente, David.