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O Homem no meu Quarto

Iniciado por Cronus, 26/10/2013 às 00:49

O Homem no meu Quarto

Sabe, não me considero uma pessoa cética mas nunca fui de botar muita fé em assombrações, histórias paranormais, possessões ou saci pererê. Sempre fui do tipo que pensa: "Se não vi até hoje, não vou ver nunca!", uma mera justificativa pra tentar espantar o medo do desconhecido. Pois é... Eu vi.


Dia de chuva. Não me lembro de muito além disso, mas estava chovendo na primeira manhã. Só lembro que foi em Julho por coincidir com a semana que passei sozinho. Eu havia vindo do interior pra cidade grande pelo convite de um amigo, com o objetivo de procurar mais oportunidades. Dividi o apartamento de dois quartos com ele por três meses até ele precisar viajar  por alguns dias. Problemas com a mãe que morava em outra cidade, nada que fosse da minha conta pra ter detalhes. Mas foram nesses dias, quando fiquei sozinho.

Se eu não tinha muito receio do sobrenatural, meu medo de viver sozinho compensava essa falta. Talvez seja algum trauma de criança, como quando meu cachorro fugiu ou quando me mudei pra uma cidade nova e não tinha amigos. Talvez todos sejam assim, mas não se preocupam em admitir. A idéia da solidão sempre me causou incômodo, e por isso sempre busquei companhia pra fazer qualquer coisa que fosse. Poder ter um amigo ao lado no começo da minha vida adulta era tudo o que eu esperava. Mas não nesses dias. Nesses dias estava chovendo, e eu fiquei sozinho.

Mas bem, eu estava lidando bem com isso. A cidade era movimentada, 24 horas por dia sem parar, diferente de onde eu tinha vindo. Tinha movimento na rua da frente do prédio, tinha movimento nos corredores. Eu podia ouvir os vizinhos assistindo TV, um homem assobiando no banho e as crianças brincando. Eu estava sem companhia, mas não me sentia só. Quando a chuva começou eu até me senti bem com a solidão, tirei um tempo pra ler um livro e olhar pro céu coberto de nuvens cinzentas pela janela. Precisei parar minha leitura quando a energia acabou no fim da tarde, então me contentei em deitar e olhar pela janela até esperar escurecer. Entretanto, já não me sentia tão bem. Incrível como a falta de energia elétrica tem a capacidade de parar nossas vidas, não? Deve ter sido assim com todos no prédio, pois eu não ouvia mais nada. Sem TV's pra assistir, sem chuveiro quente pra tomar banho, sem luz pras crianças brincarem. Só a luz da janela.


Eu estava adormecendo, muito mais cedo do que o de costume. Mas não tinha mais o que fazer, mal havia luz o suficiente pra continuar meu livro. Devo ter cochilado por 30 ou 40 minutos e acordei com um som na janela, mais forte do que a chuva que caía. Me levantei e olhei pra fora, e a rua estava deserta com exceção de uma pessoa parada do outro lado. Parecia ser um homem alto, usava um guarda-chuva preto. Não conseguia ver além disso, mas achei estranho o homem parado lá. Parecia estar esperando pra atravessar a rua, mas não havia carros pois a rua do cruzamento estava alagada. Continuei olhando o homem por alguns minutos pela simples falta do que fazer, e ele não saiu de lá. Não dei importância, me cansei e me deitei novamente.

Adormeci. Dormi por algumas horas e quando acordei a energia ainda não havia voltado. Eu odeio me deitar cedo, pois acabo acordando no meio da noite. Foi exatamente esse o caso, acabei dormindo ao escurecer e acordei algumas horas depois. Não sei direito como as coisas funcionavam lá, mas havia luz nos postes da rua, só não havia luz no prédio. Usei a pouca luz que as janelas me forneciam e fiz o meu caminho pelo apartamento tateando os objetos. Fui no banheiro, passei na cozinha, fiz um lanche e voltei pro quarto, tudo no escuro. Não notei nada de anormal, no máximo me assustei com uma sombra na sala e bati o dedinho em uma cadeira.

Frustrado pelo meu sono interrompido mas satisfeito com o meu sanduíche às escuras, deitei novamente e tentei dormir. O tempo não passava, a cada virada na cama sentia como se já estivesse lá há horas. Me parecia que o lado da parede era mais confortável, então parei de me virar e fiquei com o rosto virado pra ela. Passaram-se alguns minutos e finalmente comecei a adormecer. Não. Acordei. Ouvi um estalo na escrivaninha. Tentei ignorar, persisti na minha posição e consegui pegar no sono novamente. Novamente um estalo, abri os olhos. Me virei, e vi um homem.


Senti como se houvesse uma pedra no  meu peito. Meu coração parou, eu estava chocado. Havia um homem ali, parado, na frente da janela. Me olhando. Sua mão estava em cima da escrivaninha, de modo que notei que o som vinha do seu dedo indicador batendo na superfície. Era alto, careca, tinha traços anatômicos fora do comum. Nunca vou esquecer a imagem do seu rosto, pois estava paralizado olhando pra ele e não conseguia desviar o meu olhar. Era pálido, seu perfil não era comum. Tinha um rosto largo, nariz fino, orelhas pequenas e um par de orifícios que pareciam olhos no topo da testa. E me olhava, fixamente.

Minha única reação foi virar pro outro lado, colocar as mãos sobre os ouvidos, fechar os olhos e tentar dormir. Ou acordar, pois não sabia ainda se era realidade. Ainda sentia um vazio indescritível dentro de mim ao mesmo tempo que notei que minhas pernas tremiam. Contei um, dois, três segundos, e ouvi outra vez. Uma batida, duas batidas, três batidas. O simples som de seu dedo batendo na madeira me fazia ter vertigens. Eu não tinha coragem de me virar, apenas gritei para que parasse. Mandei que fosse embora, que me deixasse em paz. Ele continuou a bater. Eu comecei a chorar. A imagem do seu rosto não saía da minha cabeça, e eu sabia que aquele rosto estava ali atrás de mim, me observando em um canto como um rato.

-Shhhhh...

Eu ouvi. Ele fez um som, e não era uma batida. Ele sussurrou pra mim enquanto eu chorava. Meus olhos se dilataram, e minha reação momentânea foi me virar lentamente em direção a janela. A essa altura eu não sabia o que esperar, já não sabia o que estava sentindo. Iria ver aquele rosto novamente, dessa vez pra não sair mais da memória. Virei. Vi só a janela. Me acalmei aos poucos, ainda tentando assimilar o que tinha acontecido. Fiquei imóvel no mesmo lugar até que amanhecesse, olhando pela janela e lembrando daquele rosto. A energia voltou. A chuva parou, voltaram os carros. Voltaram os vizinhos. Saí do apartamento nos dois dias seguintes, fui pra um hotel. Não consegui dormir. Voltou o meu amigo, e mal expliquei a história antes de arrumar minhas malas e voltar pra minha casa.

Ele me perguntou o o motivo de estar partindo. Eu disse que preferia ficar sozinho.

Gostei da forma que você mesclou as imagens com o texto, deu um ótimo resultado. A história também ficou muito boa. Bom enredo, desenvolveu legal e com um final decente. A fórmula imbatível. Bom trabalho, Cronus!

Viva a lenda!



Haha, valeu pelo comentário Vincent. Devo dizer que hoje em dia eu detesto escrever, também não sou um grande fã de leitura na maioria dos casos, então tentei deixar um pouco mais interessante colocando essas imagens no meio. Estava sem muito ânimo pra mandar um texto pro evento, mas quando comecei a digitar foi saindo aos poucos XD

Um texto rápido e simples que cumpriu o seu trabalho. Senti falta das descrições, mas as imagens cumpriram seu trabalho, dando um gás ainda mais forte na ambientação. Também notei uma referência muito bem-vinda ao Slenderman.
Para mim o mais notório foi a fraqueza do protagonista, que também ajudou na sensação de ser apenas um grão de areia lutando contra o vento.
Não costumo gostar de textos secos (nem de terror sem gore), e o seu foi uma rara e boa exceção :)