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O Espelho do Corredor

Iniciado por Mysticboy, 13/11/2013 às 13:26

Apague as luzes, e boa leitura!

O Espelho do Corredor

    A noite estava calma. A lua cheia parecia meditar em meio ao céu estrelado, ouvindo apenas ao barulho do vento. O tempo continuava a esfriar. A neve na janela do meu quarto me alertava sobre a chegada do inverno. Eu dormia profundamente em um sono tão calmo quanto a noite, infelizmente interrompido por uma leve brisa da estação, que entrou pela janela sem pedir licença. Minhas pálpebras, já pesadas, pediam que eu retomasse meu sono, mas minha garganta implorava por um pouco de água. Peguei, então, o candelabro sobre meu criado-mudo, cuja chama já fraca, produzia negras silhuetas nas paredes e no teto. Uma fonte de luz para iluminar minha jornada, e principalmente o espelho do corredor.

    Percorri sorrateiramente o corredor coberto de neve. O vento frio, além de esfriar ainda mais o ambiente, entrava pelas janelas abertas, fazendo com que elas se movimentassem e, assim, rangessem. A parte de baixo do meu longo vestido branco apagava as minhas pegadas, porém, ainda deixava vestígios. Com uma mão eu segurava firme o candelabro de três velas, que, ainda que mal, iluminava as rústicas paredes da antiga mansão. A outra mão tapava meus olhos. Eu caminhava cegamente, sem enxergar meu destino, nem o  temido espelho.

    Depois de percorrer o longo e estreito corredor, eu já estava na última janela, perto das escadas e próxima dela, meu reflexo, a quem verdadeiramente eu tanto temia. Mas e agora? Estava parada ali, naquele canto, de costas para a janela, de frente para o espelho, ainda com os olhos tapados, sem coragem para recuar minha mão, não, mais do que isso. Sem coragem para ver a ameaça que o espelho me trouxera desta vez. Mas e agora? Sentiria a mesma coisa? O mesmo medo? Era só tomar coragem para obter as respostas. Apenas abaixar a mão. E foi isso que fiz. Lentamente removi minha mão trêmula da minha face. Deixei minha incerteza de lado, e quando olhei para o espelho, nada tinha mudado. Senti o mesmo medo, a mesma aflição. Ele era muito mais do que um grande espelho barroco de prata. Refletia a mesma imagem: uma garotinha rica, amedrontada, cujos pais esnobes têm a família sempre ameaçada de morte por outras pessoas que querem se vingar de todo mal lhes causado. Isso não era tudo o que eu via. Ao olhar para o interior, podia ver todo o exterior através de uma janela, e lá o perigo. A morte à espreita, esperando o momento certo para agir.

    Nesse mesmo instante um vento forte invadiu a casa e derrubou duas velas do candelabro. A luz ficou ainda menor. Desci as escadas correndo, com apenas uma vela no candelabro, tateando desesperadamente a parede, à procura da cozinha. Enfim achei o Oasis no meio do deserto escuro. Eu bebia a água como se eu estivesse em combustão por dentro. Uma verdadeira ambrosia. À medida que regava minha garganta, meu medo diminuía, apesar de minhas mãos ainda tremerem.

     A janela da cozinha não resistiu à ventania e abriu-se fazendo um estrondoso barulho. Gritei assustada, dei um pulo para trás e involuntariamente abri minhas mãos, deixando cair o copo, com água pela metade, que acabou se partindo em cinco e espalhando pó de vidro por todo o chão. Ainda assustada e com o coração acelerado fui empurrada pela ventania, que me atirou aos acerados cacos de vidro. Cacos impiedosos que cortaram minha mão esquerda de ponta a ponta. A chama da vela também foi agredida, deixando tudo em completa escuridão. A única luz que agora se podia ver era a luz da lua.

    O estrondo da janela, juntamente ao meu grito ainda ecoavam pela casa, e ao fundo, podia ouvir o barulho de passos. Pés se chocando contra o piso de madeira. Eu estava sentada no mesmo canto onde cai, tentando estancar o sangue que jorrava da minha mão.

    Antes que pudesse correr até a pia, uma luz trêmula e fraca iluminou parte da cozinha. Ao perceber, me arrastei para baixo da mesa. Fiquei agachada, tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas a fonte de luz se aproximava cada vez mais. Minha mão continuava a sangrar, mas nem por isso eu hesitava. Quem estava ali parecia estar procurando algo. Podia ser qualquer um, que, com certeza aproveitou as janelas abertas para entrar na casa.

    A luz perambulava pela cozinha. Ia de um canto ao outro, como se estivesse dançando uma valsa, mas seus movimentos eram firmes como os da capoeira.

    Até que por um minúsculo desequilíbrio, acabei caindo por cima da minha mão machucada. Não resisti. Minhas cordas vocais vibraram e um curto grito veio à tona.

    - Quem está aí? – vociferou uma mulher. Eu tinha certeza de que já havia escutado aquela voz antes.

    A luz parou por um instante e então lentamente foi levada até a face de sua portadora. Era Olivia, uma das nossas criadas. Procurava o que teria produzido o agudo barulho, perceptivelmente vindo da cozinha.

    - Olivia! Eu estou aqui! Ajude-me! – gritei aliviada.

    - Sophia? O que você faz em baixo da mesa? Sua mão! Ela está... Sangrando! – disse espantada

    - Eu já percebi isso! – eu falava enquanto saia debaixo da mesa - Faça alguma coisa! Rápido!

    Olivia, sem pensar duas vezes, pegou no armário uma caixa de remédios e a colocou sobre a mesa, junta a sua vela. Eu, sentada na cadeira, continuava a apertar minha mão e observava os medicamentos, que muitas vezes fizeram meus ferimentos  arder barbaramente. Depois de tanto remexer os frascos, de dentro da pequena caixa branca, Olivia tirou um pequeno pedaço de algodão.

    - Venha, precisa lavar a sua mão! – disse ela enquanto pegava delicadamente no meu antebraço.

    - Solte-me! Eu posso fazer isso muito bem sozinha. – retruquei.

    - Como quiser...

    Levantei cambaleante, fui até a pia e lavei a minha mão, que ao entrar em contato com a gélida água de inverno ardeu profundamente. Apesar de tudo, eu aguentei firme. Minha dor gradativamente foi amenizada, e junto com ela, toda aflição e agonia que em mim se fincavam. Em seguida, Olivia limpou as últimas gotas de sangue com o algodão, que antes tão branco, manchou-se em vermelho. Voltou a remexer a caixa. Dentre as drogas, tirou uma pequena tira de pano que usou para amarrar minha mão, para evitar agressões ao meu ferimento.

    - Precisa de ajuda para voltar ao seu quarto? – perguntou ela com um cara não muito agradável. Provavelmente já sabia a resposta.

    - Claro que não. E volte aos aposentos, você tem muito trabalho amanhã. – respondi o que ela esperava.

    Arranquei a minha vela do candelabro, e a acendi na vela de Olivia, que voltou ao quarto de empregados, como foi mandada, ainda com uma cara de raiva. Subi as escadas e  avistei o espelho, logo no início do corredor, somente a cinco degraus de distância. Mais uma vez tapei meus olhos e passei correndo, mas de nada adiantou. Foi inevitável. Voltei alguns passos, recuei a mão do meu rosto e olhei fixamente para a imagem refletida nele. Aquela menina, aquela janela, aquele corredor... Não tinha bons pressentimentos quanto a isso. Enfim, desviei o olhar e, guiada pela luz da vela que segurava na mão direita, voltei para o meu quarto.

    Deitada, sem conseguir dormir, eu me revirava e me retorcia sobre a cama. Bagunçava os lençóis, aguardava impacientemente o sono deveras atrasado. Os maus pressentimentos ainda me assolavam. Mesmo não sabendo o que ia acontecer, eu os temia.

    Depois de um bom tempo de insônia, cheguei à conclusão de que, se quisesse dormir aquela noite, precisava enfrentar meus medos. Peguei minha única vela sobre o criado-mudo, levantei-me da cama e com toda a certeza e determinação, percorri o corredor, cujo chão, coberto pela neve que entrava pela janela juntamente ao vento, já tinha se tornado branco.

    Já perto do fim do corredor, mais uma vez bloqueei minha visão. Estava cara a cara com o espelho. Respirei fundo, e ao abrir meus olhos, gritei brutalmente. Era sobrenatural. No lugar do reflexo, se encontrava uma negra e profunda escuridão. O espelho nada mais refletia agora. Qual o significado disso?

    Cessei meu grito e atirei a vela que segurava ao espelho, que se quebrou em vários pedaços. Sua moldura de prata desabou ao chão, um novo grito ecoou da minha garganta, e eu, trêmula, recuei alguns passos para trás. Bati de costas com a janela aberta. Quase caindo, me arrisquei a olhar para baixo, e quando voltei a olhar para o corredor, dei de cara com Olivia, bem na minha frente, ainda com o mesmo olhar ameaçador, que sem pensar muito, me empurrou num só golpe.

    Enquanto caia lentamente, pude ver a janela que eu tanto temia sendo fechada. O mesmo negro do espelho ocupava toda a minha consciência. Finalmente cai sobre as pedras. A poça de sangue que se espalhava sobre a neve esclarecia meus maus pressentimentos. Aquela era a hora certa. A hora que a morte, do lado de fora, tanto esperava. O vento deu o seu último sopro, e eu, dei meu último suspiro.


Obrigado por ler! (Não olhe para trás agora!)
Oi, gente!

Eu ia falar bem-vindo, mas vi que você já tem a conta por um tempo, só anda sumido. De qualquer forma, seja bem-vindo de volta.

Li a história toda e gostei da narração. Você soube descrever tudo muito bem. O que eu não curti foi o final. Quando se trata de uma história de terror, eu adoro um bad ending. Acho que nenhum conto meu, tirando o do Castlavania, teve um final feliz. O que aconteceu é que o final da história ficou bem sem graça, aquele final que te faz pensar: É só isso? Poderia ter algo mais surpreendente.

Fora isso, a história está legal.


Viva a lenda!