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O Velho Jardineiro

Iniciado por Vifibi, 09/01/2015 às 17:56

Era um velho homem, de idade avançada e cabelos cor da neve, com um nariz curvado que lhe atribuía um ar pensativo a cada ruga que demonstrava em seu rosto cansado. Seus olhos cor-de-jade tinham em cada pálpebra a dignidade sofrida de Atlas, carregando o firmamento em suas costas. O homem cuidava de um jardim na pequena cidade de Iguaba do estado do Rio de Janeiro, criando tulipas de diversas cores, indo do roxo tradicional a um calmo amarelo, até mesmo um vermelho vivaz. O homem tinha orgulho em seu trabalho, e todo dia, ao nascer do sol, o povo da cidade acordava para ver o homem diligente em seu ofício, criando flores para a cidade, sem nunca pedir um cruzado em retorno.

Os jovens da cidade tinham um apreço especial pelo homem, a quem chamavam de "Vovô Tulipa" por suas flores, e os rapazes da cidade muitas vezes iam ao homem pedir por arranjos de flores para darem às garotas du jour. O homem tinha gosto em ver tais rapazes pedindo-lhe flores, e sempre lhes dava um buquê e uma "dica" que lhe parecia romântica no momento. Ele ajeitava as vestes dos apaixonados, com todo o carinho de um pai, e lhes dizia cada:

— Vá àquela mulher, meu rapaz, e diga-lhe o que sente. O cortejo não pode se deixar impedir pela timidez!

O homem era feliz com sua vida cuidando de seu humilde jardim, sossegado em seu canto, longe da vista da auto-estrada, escondido pelas casas ao seu redor do resto do mundo, coberto pela sombra do fim de tarde, acariciado pela brisa da manhã, sua labuta lhe trazia uma alegria calma, uma serenidade que ele apreciava toda manhã ao acordar antes do sol. Seus dedos tinham calos de seu trabalho, e seus pés traziam bolhas por suas caminhadas, mas o homem aguentava tais dores, e seguia em frente com a criação de suas tulipas, cada uma delas trazendo beleza e alegria ao jardim que ele tinha adotado.

Toda manhã, o homem caminhava de sua modesta casa no fim de uma viela a três blocos do jardim, carregando consigo um regador vazio, uma tesoura de jardim, duas luvas, e sementes novas para seu jardim, muitas vezes conseguidas nas lojas próximas da auto-estrada que ia de Niterói para Cabo Frio, a RJ-124. A rotina do homem era simples: Ao chegar ao jardim, ele depositava suas ferramentas no banco verde onde ele se sentava após encerrar seu dia, ia até o poço ao lado do jardim e, com a ajuda de um gancho amarrado a uma corda com roldanas, descia seu regador ao fundo do poço e, com bastante esforço, trazia o regador de volta, e começava o longo dia de regar as plantas, cortar raízes, fazer buquês, e cuidar de suas amadas flores, dia após dia. Ninguém sabia o seu nome, exceto que ele adorava falar sobre suas flores, e se perdia em seus próprios pensamentos, tagarelando sobre tulipas para quem quer que ousasse ouvi-lo. Por isso, muitos dos rapazes que lhe pediam flores evitavam ouvi-lo quando ele tentava falar-lhes, e o homem ficava sozinho com suas flores. Parte dele sentia-se isolado, mas a outra parte estava apaixonada demais por seu trabalho para dar atenção à sua solidão. E assim anos se passavam.

Um dia, quando o homem já tinha uma idade além de avançada, ele chegou ao seu jardim como todos os outros dias. Colocou suas ferramentas no banco, dirigiu-se ao poço e pendurou seu regador no gancho do mesmo. Com a roldana, ele lentamente desceu o regador à água, e esperou alguns segundos até que o regador se enchesse. Quando se deu por satisfeito, começou a tentar girar a roldana na direção contrária, mas o peso se provou demasiado grande para suas mãos cheias de calos e machucados. Ele puxou e puxou, mas no fim suas forças se esvaíram, e ele acabou por se sentar à base do poço, recuperando seu fôlego lentamente. O homem sentiu suas mãos doerem e, apesar de querer se levantar, sentiu-se cansado demais para fazê-lo. Horas se passaram, até que o sol raiou e começou a brilhar forte sobre seu rosto. Ele conseguiu se levantar e foi-se sentar à sombra, esperando alguém passar para que pudesse pedir ajuda.

Logo um jovem, a quem ele conhecia há anos, atravessou seu jardim. O homem levantou-se ligeiramente, e chamou o rapaz.
— Rafael! Meu jovem! — ele chamou, entusiasmado.
— Vovô Tulipa! — respondeu o jovem, sorrindo. Há três anos atrás, o homem tinha lhe ajudado a cortejar a mulher que hoje era sua esposa — Como vai?
— Podia estar melhor, rapaz. Diga-me, teria como você me fazer um favor? — o homem disse, sentindo-se novamente cansado.
— Ah, desculpe-me, senhor, mas tenho compromissos hoje. Tenho trabalho, faculdade, e hoje é aniversário de casamento meu, dá pra acreditar? Mas, te prometo, amanhã hei de ajudá-lo.
— Entendo, jovem — disse o homem tristemente, e voltou a sentar-se.

Tal conversa se repetiu para o homem incontáveis vezes durante o dia, e a cada vez que lhe recusavam ajuda, mais ele se sentia cansado, caindo cada vez mais em desespero. O dia se encerrou, e seu regador ainda estava preso no fundo do poço. Todos a quem ele pediu ajuda tinham coisas mais importantes para fazer, e agora ele se encontrava desesperado, sem querer ir para casa sem seu precioso regador, mas temeroso demais para passar a noite a céu aberto. Por fim, seu medo ganhou e ele caminhou até sua casa, onde mal conseguiu dormir.

O dia seguinte se levantou, e com ele o velho caminhou até o jardim, onde suas flores estavam pálidas, com sede. O velho tentou novamente retirar seu regador do poço, mas seus dedos se soltaram antes mesmo que ele desse a ordem, e ele novamente se viu em desespero. O dia se passou como o anterior, e logo uma nova rotina se estabeleceu. Todo dia, o velho ia ao jardim, ver suas flores lentamente morrerem, e ver os jovens que outrora tanto ajudara, agora o ignoravam, e esqueciam-se de seu jardim. O que antes era um belo jardim, com tulipas de todas as cores, cada uma muito bem-cuidada, agora se definhava, e se tornava feio e pútrido diante dos olhos impotentes do velho, que ainda se obrigava a fazer a dolorosa jornada todo dia. Quando chovia, ele se via agradecendo a ninguém em particular, e se sujeitava ao frio da chuva apenas pela alegria que ela trazia às suas poucas flores que ainda viviam. Dia após dia, o velho marchava ao jardim, e se via definhando junto com suas amadas flores. Onde estavam os jovens, ele se perguntava, onde estava a ajuda? Seus ossos agora já doíam demais, e seus calos não lhe davam folga. A marcha se tornava cada dia mais dolorosa, mais longa, mais difícil, e as bolhas de seus pés cada vez mais incômodas. Mas todo dia, ele lá caminhava, para ver suas amadas flores morrendo, e tentar dia após dia recuperar seu regador. Mesmo novos regadores se tornavam pesados demais para ele, independentes de ele os encher em casa ou na casa de vizinhos do jardim. Seus dedos já não tinham forças, e, em breve, nem suas pernas.

Rafael um dia retornou ao jardim, onde prometera ajudar "Vovô Tulipa" com aquilo que tinha pedido, seja lá o que fosse. Quando lá chegou, não viu sinal do velho, nem do jardim. Do terreno baldio que o jardim outrora fora, ele tinha retornado a ser, e não tinha mais a beleza e o vigor que o jovem tinha conhecido por toda sua infância. Ele decidiu procurar pelo velho, mas percebeu que nunca soube seu nome, ou onde morava. Tentou perguntar aos vizinhos do jardim, mas estes também não sabiam e, mais importante, nunca se importaram. Rafael observou o jardim morto uma nova vez, e não viu sequer uma tulipa. O que era uma vez colorido, agora era marrom, sujo, e morto. O rapaz deu de ombros, como era de seu feitio, e retornou às suas tarefas do dia-a-dia, esquecendo-se do velho mais uma vez.
E o jardim, que uma vez ostentava beleza simples e honesta, agora não tinha mais sinal de vida ou de carinho, e esperava apenas o próximo dono do terreno para transformar-se numa casa, num prédio, ou o que quer que fosse. O povo da cidade lembrava-se do jardim que lá habitava, mas memórias contentes nunca nos habitam por muito tempo; os problemas do dia-a-dia muito mais nos importam que um segundo de felicidade, seja lá qual fosse. E o velho, cujo nome ninguém soube, cujo passado era um mistério para todos, definhou em seu lar, cuidando das últimas tulipas que tinha forças para, um pequeno buquê, todo amarelo, que nunca teve espaço para crescer, e logo secou e morreu, junto com o velho.

Quando vi um tópico com teu nome, primeiro me surpreendi, depois sinceramente esperei por um texto
bem "floreado" (no mal sentido para mim) acho que sabe qual tipo de floreamento
quero dizer, ou tuas famosas métricas rsrs.

gostei bastante do trabalho, eu diria que ele é bem reflexivo em algumas partes
e gostoso de ler, realmente gostei.

é bom ver você reativando a área, cá entre nós... ela precisa
de um upgrade.

:.x.: Saudações Azulinas.

Citação de: SimonMuran online 09/01/2015 às 19:12
Quando vi um tópico com teu nome, primeiro me surpreendi, depois sinceramente esperei por um texto
bem "floreado" (no mal sentido para mim) acho que sabe qual tipo de floreamento
quero dizer, ou tuas famosas métricas rsrs.

gostei bastante do trabalho, eu diria que ele é bem reflexivo em algumas partes
e gostoso de ler, realmente gostei.

é bom ver você reativando a área, cá entre nós... ela precisa
de um upgrade.

:.x.: Saudações Azulinas.


Acho irônico minhas métricas serem famosas, quando eu sempre considerei poesia o lado mais fraco de minha escrita... Mas enfim. Obrigado pelo comentário, e eu gosto de fazer textos reflexivos; são o meu pão diário, por assim dizer.

E não sei se estarei reativando a área, mas certamente pretendo fazer mais textos em português. Inglês pode até ter mais leitores, mas é no português onde jaz o meu amor imortal por escrever.

Posso não manjar nada de roteiros ou histórias, escritas em geral, mas como faço em todo tópico, eu entrei para ver, e como era você e sua reputação com textos é ótima eu comecei a ler, eu imaginei que seria como quase toda vez, eu começo e paro nem na primeira linha, porém, esse texto tocou fundo em mim em alguma parte que não sei exatamente dizer e acabou que eu quis terminar de ler...

Agora, sobre o texto, incrível, não vou dizer de nada técnico, pois como já disse, não manjo nem um pouco. Mas para mim um simples leitor de curtas no jornal, seu texto está mais do que bom, parabéns pelo feito.

Citação de: miguel8884 online 09/01/2015 às 19:43
Posso não manjar nada de roteiros ou histórias, escritas em geral, mas como faço em todo tópico, eu entrei para ver, e como era você e sua reputação com textos é ótima eu comecei a ler, eu imaginei que seria como quase toda vez, eu começo e paro nem na primeira linha, porém, esse texto tocou fundo em mim em alguma parte que não sei exatamente dizer e acabou que eu quis terminar de ler...

Agora, sobre o texto, incrível, não vou dizer de nada técnico, pois como já disse, não manjo nem um pouco. Mas para mim um simples leitor de curtas no jornal, seu texto está mais do que bom, parabéns pelo feito.

Miguel, muito obrigado. Fico feliz de ter-lhe convencido a ler o texto inteiro, acredite, é para isso que eu vivo. Se quiser exercitar um pouco mais sua leitura, eu tenho um excesso de textos neste fórum, alguns comédia, outros dramas, e por aí vai. Agradeço a leitura, e tenha um bom dia.

ahhh como é bom acordar e ler algo assim nem feito =w= hehe' eu gostei vifibi *u* não sou nenhuma especialista na área, mas como leitora eu gostei, triste =c mas gostei ^w^

Citação de: Pri177 online 10/01/2015 às 08:15
ahhh como é bom acordar e ler algo assim nem feito =w= hehe' eu gostei vifibi *u* não sou nenhuma especialista na área, mas como leitora eu gostei, triste =c mas gostei ^w^

Não é preciso ser especialista para se apreciar um texto, Pri. E que bom que gostou.

Well,Well querido belo texto não esperava menos vindo de você.
Ficou um texto muito bonito e tocante.

Juro quase chorei,sacanagem não ajudarem o velhinho né?
Mas bem, belo texto!


:.x.: Rapina
''Somos feitos por nossas escolhas''

Citação de: Rapina online 10/01/2015 às 13:23
Well,Well querido belo texto não esperava menos vindo de você.
Ficou um texto muito bonito e tocante.

Juro quase chorei,sacanagem não ajudarem o velhinho né?
Mas bem, belo texto!


:.x.: Rapina

Bem, ando um pouco enferrujado, então pode ter certeza que meus próximos textos serão melhores. E não o ajudarem era, se é para ser honesto, o ponto da história. De qualquer forma, obrigado pelo comentário.

Nossa  :T.T:
Realmente é um texto muito bonito, mas com um fim, ahn, triste. Gostei muito dessa frase: "os problemas do dia-a-dia muito mais nos importam que um segundo de felicidade, seja lá qual fosse".  :clap:.

Esteja você enferrujado ou não, seus textos são uma beldade de dar inveja. Parabéns.
fear is the mind-killer

Gostei pacas, bem realista, cruel, mas ao mesmo tempo natural e simples. Pra um texto com um jardineiro velho e solitário, fiquei gratamente surpreso de não ver nenhuma lição de moral ou versículo bíblico no término. Mas se entendi direito o seu objetivo, acho que faltou algo mais aí, emoção talvez, o texto ficou meio cru. Uma veia poética mais forte e corajosa talvez fosse ajudar no desfecho. Enfim, os seus textos de comédia ainda são os melhores. Já tinha lido um outro seu de drama, acho que era "amor no inverno" ou algo parecido. Acho que, se me lembro bem dele, a crítica que tenho a fazer pros dois é a mesma.
Ah, tô feliz que pelo visto você vai aparecer mais por aqui.

(quero gladiar contigo, porra!)

Citação de: FilipeJF online 10/01/2015 às 13:45
Nossa  :T.T:
Realmente é um texto muito bonito, mas com um fim, ahn, triste. Gostei muito dessa frase: "os problemas do dia-a-dia muito mais nos importam que um segundo de felicidade, seja lá qual fosse".  :clap:.

Esteja você enferrujado ou não, seus textos são uma beldade de dar inveja. Parabéns.

Obrigado pelo comentário, Felipe. Não é porque estou enferrujado que vou deixar de dar o meu melhor nestes textos, oras! Mas pode ter certeza: daqui em diante, só terei melhorias em meus textos.

Citação de: RuanCarlsyo online 10/01/2015 às 14:53
Gostei pacas, bem realista, cruel, mas ao mesmo tempo natural e simples. Pra um texto com um jardineiro velho e solitário, fiquei gratamente surpreso de não ver nenhuma lição de moral ou versículo bíblico no término. Mas se entendi direito o seu objetivo, acho que faltou algo mais aí, emoção talvez, o texto ficou meio cru. Uma veia poética mais forte e corajosa talvez fosse ajudar no desfecho. Enfim, os seus textos de comédia ainda são os melhores. Já tinha lido um outro seu de drama, acho que era "amor no inverno" ou algo parecido. Acho que, se me lembro bem dele, a crítica que tenho a fazer pros dois é a mesma.
Ah, tô feliz que pelo visto você vai aparecer mais por aqui.

(quero gladiar contigo, porra!)

Se fosse para ter versículo bíblico no final, seria provavelmente Matheus 27:46; "Deus meus, deus meus, cur dereliquisti me?"

Agora, em termos do que eu intencionava com o texto, isso nunca importou. Eu faço um texto, o leitor que decide o que achar dele, e isso inclui objetivo. Se você achou que falta uma "veia poética" maior, então é uma pena. E, sem querer demonstrar minha idade, mas "Amor de Inverno" já vai fazer quatro anos; sugiro que leia um texto dramático meu mais recente; talvez Rosa Negra, que tal? De qualquer forma, obrigado pelo comentário, e levarei o que disse em mente.

As you asked, aqui estou.

Em geral não tenho muito o que falar sobre o texto, a escrita está impecável como de costume, e nem preciso dizer que é uma leitura agradável, suave, e até mesmo refrescante para os olhos. A linguagem é simples e direta, não existe esforço em colocar "palavras difíceis" para aprimorar o texto, é belo naturalmente.

Me identifiquei um pouco com Rafael (não porque esse é meu nome), suas ações foram simples como as de qualquer outra pessoa que pelo jardim passara, mas notei que ele tinha um certo apego pelo jardim e até mesmo pelo velho.

No mais, é uma boa leitura, chega a ser um ponto de partida para uma reflexão sobre o dia-a-dia que temos. Gostei bastante, espero ver mais textos como este por aqui, sejam esses textos seus ou de outra pessoa. :XD:

Citação de: Mistyrol online 10/01/2015 às 18:08
No mais, é uma boa leitura, chega a ser um ponto de partida para uma reflexão sobre o dia-a-dia que temos. Gostei bastante, espero ver mais textos como este por aqui, sejam esses textos seus ou de outra pessoa. :XD:

Pode ter certeza, não pretendo parar de escrever tão cedo. Pelo menos não até me oferecerem dinheiro o suficiente para parar de torturar estes fóruns com meus textos. *Risada maléfica*

Que texto lindo! Parabéns  :clap:
Quase chorei meu kkkk.
Mas ao ler esse texto não pude deixar de notar um pequeno errinho. Não sou especialista nem nada, se eu estiver errado me fale tá?
Ok, o erro é o seguinte: Ao se referir ao jardineiro vc só usou o homem isso o homem aquilo. No fim,  "o homem"
virou "o velho". Não seria melhor por um "Ele" ou "o jardineiro"? Se eu não me engano só achei dois "ele" no texto.
Mas é claro que isso não atrapalha quase em nada o texto, pois a qualidade do mesmo é muito alta.
Pelo menos acho que isso aconteceu com os outros. Eu sou chato mesmo, li o texto tentando achar erros...
Mania minha sabe?
E isso acabou deixando o texto meio cansativo de ler, na minha opinião claro!
Fora isso, parabéns de novo lindo texto!!!!