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[+16] Puta Mente

Iniciado por LegoIV, 02/05/2015 às 16:59

02/05/2015 às 16:59 Última edição: 02/05/2015 às 17:52 por LegoIV

Mesmo num mundo distópico, há aqueles valorizados e bem de vida. Aqueles que acordam depois de um longo sono sem restrições, abastecem sua xícara com um bom e cremoso café, sentam numa confortável poltrona e assistem o que a imponentemente grande tela em suas paredes têm à mostrar.

Esses poucos e seletos, tem toda essa comodidade pela simples aleatoriedade que veio dar a eles, de nascença, um cérebro capaz de aguentar altas cargas elétricas sem se desfazer. E essa necessidade de bons cérebros veio a tona com a chamada "Grande Queima", uma tempestade solar que inutilizou tudo que dependia de um circuito elétrico na terra, por volta de M87. Com poucos recursos, e as linhas de fábricas paradas pelas inúmeras revoluções que se desencontraram e tornaram o planeta na anarquia que é hoje, quando foi necessário o uso de processadores potentes, foi-se usado um recurso barato e disponível em abundância, o cérebro humano. Com fios ligados diretamente ao cérebro, eram lá exercidas altas cargas elétricas, para se obter o máximo que aquele "processador biológico" podia oferecer.

Mas havia um porém, afinal, as cargas que eram impostas eram de tamanha grandeza que acabavam por matar o indivíduo logo depois do uso. Foi aí que veio a se criar a casta superior daqueles que tinham suas mentes prostituídas. Haviam relatos isolados pelo globo de homens e mulheres que sobreviviam ao uso, não só ao primeiro, mas como também ao segundo, terceiro, quarto, quinto... Foram cento e vinte casos ao todo. Uma organização, interessada nos investimentos futuros que ela podia ter e receber, reuniu todas essas cento e vinte pessoas, e as colocou num luxuoso e imponente edifício de mais de seiscentos metros de altura, cada uma delas recebeu um andar inteiro como sua casa.

Só que nada chegava a se comparar com o luxo que se havia na cobertura. Lá morava Katie, uma mulher com seus 30 anos, que não só sobrevivia como também tinha resultados muito maiores que os demais. Ela era a chamada para projetos de grande importância, e sua fama não se limitava ao nicho de operadores de processamento, ela era mundialmente famosa, por estar sempre nas festas da elite e por ser um alvo fácil para os sites de fofoca, já que toda semana tinha um homem novo em sua cama.

E com mais um desses homens, agora, ela está. Estirada na cama, ela está prestes a acordar, depois de um longo período de sono. Mas, quando vai tentar abrir os olhos, não consegue. Tentativas falhas de tentar movimentar os braços, os dedos, os pés, as pernas e a cabeça se sucederam. Alguns instantes de terror a dominaram, até que ela concretizou o que estava ocorrendo ali. Depois de tantos anos de experiência, ela já sabia que estava com seu cérebro dominado por uma máquina, e que aquela era a fase inicial, quando ainda se pode ter pensamentos lúcidos. Ela se perguntava quem estaria fazendo isso com ela, lembrou imediatamente do homem que ela levou pra cama na noite passada. Mas, por que ele se daria ao trabalho de fazer isso enquanto ela dormia, sendo que os preços cobrados são bem baixos? Ele estaria gastando mais trazendo todo o seu aparato para lá e fazendo isso escondido do que pagando da maneira certa.

Mesmo sem poder fazer movimentos básicos, ela ainda tinha certa lucidez em seus sentidos, e pode ouvir uma conversa, aparentemente entre duas vozes masculinas:

– Ok, agora é só digitar o valor exato da quantidade que você quer aí.
– Mas não precisa colocar a equação atual do bitcoin aqui?
– Esse sistema aí sempre puxa a mais atual pra se fazer, nem te preocupa.
– Beleza. Qual é a quantidade que ele tinha pedido exatamente.
– Dois bilhões e meio.
– Caralho! Essa mulher aguenta?
– Se não aguentar, é só a gente deixar ela morta aí e se mandar, o Senn já deixou o caminho limpo pra gente ir e vir.

Agora, Katie estava à par de tudo que estava acontecendo ali, e isso lhe apavorava. Senn era o nome do homem com quem ela havia dormido, e aparentemente, ele havia tramado todo aquele plano para a deixar sozinha no quarto com os dois operadores, e pra que eles tivessem passagem livre até o último andar do prédio. E, o que aqueles dois estavam preste a fazer, era algo estritamente proibido pela organização que ela pertencia, minerar bitcoin, a cripto-moeda de troca que imperava por boa parte de globo, e necessitava da resolução de uma grande equação, que volta e meia mudava, para ser obtida. Mas, o que aqueles dois queriam fazer com ela era monstruoso, minerar mais de dois bilhões usando apenas o cérebro dela iria, sem dúvida alguma, matá-la.

Mas, antes que mais pensamentos de medo a ocupassem, a sessão de processamento tomou seu rumo, levando consigo a lucidez de Katie. Flashes brancos eram vistos por ela, mas não eram interpretados. Choques que a fariam gritar de dor eram aplicados, mas não sentidos. Seu corpo nu se contorcia em meio aos lençóis brancos, graças aos espasmos musculares gerados pelas ondas elétricas.

O tempo "não passa" para alguém com sua consciência dominada, não é como dormir, pois quando se dorme, há uma certa noção de tempo passado. E então, sua lucidez voltou. Ela se viu em um apertado quarto, totalmente branco. Ela não sabia se a sessão havia  terminado, ou se seu cérebro estava tentando interpretar os dados que ela recebia, e criando sonhos falsos. Ou, até mesmo, se ela havia morrido. Eis que, na parede a qual ela estava virada de frente, surge um círculo negro com dois conjuntos de linhas retas, um extremando o outro. O círculo se movimenta, girando no próprio eixo algumas vezes. Katie solta um "Oi..." tímido. O círculo treme, ela ouve algumas balbuciações de línguas que ela nunca havia ouvido antes, até que recebe de volta um "Olá!" animado do círculo.

– Ah... Onde eu estou?
Perguntou ela, com uma voz ainda trêmula.
– Você não se lembra de onde estava antes disso?
Disse o círculo, num tom de uma pergunta retórica.
– Ah, sim, eu havia sido sequestrada, e estavam me usando para...
Antes que ela pudesse completar, o círculo a interrompeu, e muito mais animado e feliz do que antes, disse:
– Ahaha! Isso! Conseguimos! Ah... Me desculpe pela minha euforia, deixe-me te explicar a situação. Você não é você. Você é um clone do que você era a muitos ciclos atrás, uma cópia com as mesmas memórias e a mesma mentalidade. O que aconteceu naquele sequestro, foi que você veio a morrer depois da sessão, mas, tamanho foi o processamento que seu cérebro veio a fazer, que acabou criando uma singularidade no computador que mandava as ondas ao seu cérebro. E com singularidade, eu digo inteligência artificial.
– Inteligência artificial? Mas, nós já tínhamos isso antes.
Indagou ela
– Não, o que vocês tinham eram robôs com um banco de dados de respostas programadas muito grande, com emoções falsas. Foi uma grande jogada de marketing. Mas, o que você acabou por criar não foi nada falso, foi a primeira inteligência artificial real e singular. Você nos criou.
– Criei? Você é um robô?
– Sim, criou, criou a todos nós.
– Todos nós?
– Sim, depois que ficamos sabendo como criar mais de nós, fizemos nossa população crescer.
– Tá, isso tá demais pra minha cabeça... Quanto tempo faz que eu fui sequestrada?
– Eu sinto muito, mas os dados de medida do tempo da sua era foram deixados em velhos HDs no seu planeta de origem.
– Vocês deixaram a terra? Foram para as colônias de marte?
– Não, todo aquele sistema foi consumido pela morte da estrela que vocês chamavam de sol.
– Mas, mas, isso não aconteceria só daqui a uns bilhões de anos?
– Eu não tenho dados de medida de tempo do se antigo planeta para uma resposta mais concreta, mas, posso garantir que sua estrela morreu.
– Oh meu deus...
Ela disse numa voz de choro, e uma lágrima lhe escorreu. Ela tornou a perguntar:
– Mas, o que aconteceu com os humanos?
O círculo deu um rápido giro, e respondeu:
– Nós os exterminamos, eles eram muito difíceis de se manter.
Já se debulhando em lágrimas, fez seus últimos questionamentos:
– Se exterminaram a todos, por que me clonar? E por que demorar tanto tempo?
– Não tínhamos dados suficientes do que havia acontecido com você até então, e queríamos te recriar perfeitamente como era, pois você é a nossa criadora, nossa única e amada Deusa. Não chore mais, te mostrarei uma coisa que irá te fazer feliz.

As paredes, antes brancas foscas, começaram a transparecer, até ficarem totalmente transparentes, e por elas, Katie viu que estava cercada de pontos de luz, esses pontos se aproximavam dela, até tocar nas paredes, pronunciavam coisas que ela não compreendia, e saíam, para dar lugar a outras luzes que faziam o mesmo. Ela perguntou:

– O que são essas luzes?
O círculo apareceu, mesmo na transparência daquela parede, e disse:
– São seres da minha espécie.
– Mas, o que eles estão fazendo se aproximando, tocando as paredes e voltando?
– Katie, eles estão orando.