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Iniciado por VincentVII, 16/06/2013 às 10:39

16/06/2013 às 10:39 Última edição: 13/07/2013 às 14:42 por VincentVII
Finalmente consegui terminar outro conto. Ficou meio grande, mas acho que eu perdi minha capacidade de resumo. Espero que gostem! Pensei nesta história alguns dias atrás, enquanto me lembrava do filme Advogado do Diabo. Não estou querendo defender nenhuma visão religiosa, fiz esta história somente com intuito literário mesmo! Agora chega de enrolação e vamos ao que interessa:


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O Caso

Já se passavam das 11 horas da noite, mas Mário Alcântara ainda se encontrava trancado no seu escritório, revirando dezenas de papéis jogados em sua mesa.
"Maldito jornal de merda!", pensava o advogado frustrado lembrando-se da notícia que lera mais cedo. Ele sempre quis ter sua foto aparecendo na primeira página: ele estaria vestindo um elegante terno italiano, sorrindo e acenando para os repórteres, orgulhoso por ter vencido um importante caso.
Mas as coisas nunca acontecem do jeito que as pessoas querem. O homem que ele viu no jornal não vestia um terno elegante, nem tinha um sorriso no rosto e em vez de orgulho ele tentava esconder a vergonha cobrindo a cabeça com sua pasta. E onde deveria estar escrito "Mário Alcântara vence um dos maiores casos da história brasileira" só havia uma simples palavra seguida de um ponto de interrogação. Sete letras que o assombrariam pelo resto da sua carreira: "Nazista?".
Mário amassou o papel que estava em sua mão e o jogou no chão junto a uma extensa pilha de outros papéis amassados. Tomado pelo stress, o advogado enfiou os dedos nos cabelos escuros puxando alguns fios. Depois tateou o bolso da camisa em busca de um cigarro, mas o maço já estava fazia. Não fazia nem quinze minutos que ele fumara o último. As guimbas estavam espalhadas pela mesa e pelo chão junto com a maré branca de papéis.
Agora ele ficava se perguntando por que aceitara o maldito caso? Mas era uma pergunta retórica, pois ele sabia muito bem o motivo: dinheiro. A raiz de todos os problemas e âncora que afundaria sua carreira de vez.
Mário voltou para sua cadeira, encarou a pilha de papéis sobre a mesa e deixou a cabeça cair sobre a madeira, com as mãos atrás da nuca numa pose de derrota.
Há quase uma semana seu chefe havia lhe trazido uma notícia sobre um que caso que tinha acabado de acontecer em São Paulo. A notícia em si não era algo tão interessante (afinal era apenas um simples caso de homicídio), mas chamou atenção devido às duas pessoas envolvidas.           
A primeira, a vítima, era uma figura conhecida da comunidade judaica, o Rabino Elijah Abramovski. Elijah era um filantropo que se tornou famoso pelo trabalho de sua ONG "Estrela de Davi", que basicamente ajudava crianças abandonadas, viciados em drogas e pessoas carentes. Sua morte foi uma grande perda para a organização, pois a ONG era mantida principalmente pelo dinheiro de sua família. Porém o motivo do sucesso da notícia vinha do assassino... um alemão!
Michael Friedrich Völkers era o sucessor de uma companhia alemã que se estabelecera em São Paulo há 25 anos. A companhia era dona de uma extensa rede imobiliária de São Paulo, com algumas ramificações em outros estados. Quando jovem, Michael tinha a fama de um típico playboy filhinho-de-papai problemático, que adorava arranjar brigas em boates e um disputar pegas no meio da noite. Michael também fora detido diversas vezes por posse de drogas e vandalismo. Quando completou 35 anos, ele assumiu o controle da rede imobiliária devido à morte de seu pai. Agora, com 43 anos, Michael era acusado pelo assassinato a sangue frio do rabino Elijah.
Se não bastasse a natureza dos envolvidos, os dois possuíam uma história recente. Uma briga pela posse de um prédio que fora leiloado no mês anterior. A ONG do rabino queria aproveitar a estrutura do prédio para construir um centro de recreação para crianças e jovens, mas a companhia de Michael conseguiu o imóvel no último instante. Mesmo com as campanhas de arrecadação e ajuda de alguns patrocinadores, a "Estrela de Davi" não conseguiu superar a quantia oferecida pela companhia alemã, que iria demolir o prédio para construir um complexo de apartamentos.
A ONG tentou negociar com o alemão, pedindo para que ele voltasse atrás. Mas nem Michael, nem seus acionistas expressaram a mínima vontade de ceder a posse. Alguns participantes da ONG, tanto funcionários quanto aqueles que eram ajudados por ela, realizaram diversos protestos diante da sede da companhia alemã. Não houvera nenhuma tentativa de repreender ou impedir as manifestações, mas Michael fizera algumas alegações agressivas contra a ONG, seus envolvidos e o próprio rabino.
Mesmo com o passar do tempo os protestos não enfraqueceram, alguns manifestantes chegaram a bloquear a passagem das máquinas que iriam demolir o prédio. O atraso nas obrar só vez aumentar a tensão entre a companhia alemã e a ONG de Elijah.
Foi então que aconteceu o primeiro fato estranho desta história. Na manhã de segunda-feira a polícia foi acionada sobre o desaparecimento do rabino Elijah Abramovski. As buscas não demoraram muito, pois, na tarde do mesmo dia, o corpo do rabino foi encontrado boiando no rio Tietê. A vítima tinha sido assassinada com dois tiros, um no peito e outro na cabeça, à queima roupa pelo que parecia ser uma arma de calibre 38 (mais tarde o teste de balística comprovou esse fato).
A investigação não tardou a começar, indo direto ao que parecia ser o principal suspeito, o próprio Michael Friedrich. E então aconteceu o segundo fato estranho. A polícia foi encontrar Michael desmaiado em seu próprio apartamento. O lugar estava todo bagunçado, com diversas garrafas vazias espalhadas pela sala. Quando Michael atendeu a polícia, os investigadores puderam notar que ele tinha bebido além da conta na noite anterior. Mas o que mais chamou atenção foi um objeto que repousava tranquilamente no balcão do bar do apartamento. Uma pistola de calibre 38.
Michael foi detido na mesma hora como possível suspeito. Ele tentou se defender, dizendo que não havia saído do seu apartamento à noite toda, mas a polícia não deu ouvidos. Na delegacia ele continuou repetindo a história, alegando sua inocência. Mas então chegou o terceiro fato estranho: a perícia encontrou sangue no porta-malas do carro do acusado.
Foi neste momento que Mário Alcântara entrou na história. Era manhã e Mário estava em seu escritório conferindo os papéis sobre um caso de adultério o qual ele estava atendendo. Então o advogado foi surpreendido pela visita surpresa de seu chefe, um homem baixo e gordo, com um bigode extravagante que o deixava com a cara de uma morsa.
- Ei, Alcântara! Tá ocupado? – perguntou o chefe, entrando na sala sem pedir licença.
- Não, chefe. Só estou olhando uns pá...
- Esquece isso! – o chefe o interrompeu e sentou na cadeira da frente – Tenho algo bem mais importante para você.
Mário notou que os olhos do seu chefe tinha um brilho que chegava a ser perturbador. Ao mesmo tempo ele mantinha um sorriso enorme no rosto.
- Você sabe daquela história do tal rabino. O tal do... Diabos, como é o nome dele? Eloa... Eli... Élio...
- Elijah?
- Esse mesmo! Sabe da briga que ele estava tendo com aquela empresa alemã? A tal da Volk-algumacoisa.
- Völkers Ltda. – Sei sim, li no jornal sobre os protestos.
- Então, parece que o tal do rabino desapareceu ontem à noite. Só que acharam o corpo do cara ontem à de tarde. Encheram o cara de chumbo pelo que eu ouvi. O dono da empresa é o principal suspeito.
- E? – Mário tentou esconder a impaciência.
- Chuta com quem eu estava agora no telefone?
- Com o do...
- Com o dono da empresa! – o chefe de Mário o interrompera novamente – O cara tá simplesmente desesperados. E você sabe o que esses riquinhos fazem quando estão desesperados. Eles não medem esforços para resolver o problema.
- Sim, mas o que isso tem a ver comigo?
- O cara quer te contratar.
- Eu?
Mário estranhou aquela conversa do seu chefe. Mário nunca fora um advogado excepcional. Ganhara alguns casos, perdera outros, mas nunca fez nada que gerasse alguma fama por ele. Nem mesmo na firma de advocacia que trabalhava Mário tinha qualquer prestígio. Geralmente ele ficava com casos menores, como adultérios ou roubos. Mas os verdadeiros processos nunca chegavam a sua mesa. Por isso ele duvidou quando o chefe lhe dissera que um importante homem dos negócios estava requisitando seus serviços.
- Mas por que eu? E o advogado dele?
- Eu sei lá do advogado dele! – o chefe fez um gesto de erguer as mãos – O importante que ele quer contratar a nossa empresa, mais especificamente você.
- Mas por que eu?
- Já falei que não sei, caralho! – o chefe de Mário deu um tapa violento na mesma – O negócio é que esse cara é cheio da grana e ele está disposta a pagar muito pelo serviço.
- Quanto? – perguntou o advogado curioso.
- Cinco mil por hora!
- CINCO MIL? – Mário não conseguiu acreditar.
- Isso mesmo! Eu te falei, esses riquinhos desesperados não veem limite na carteira. Além disso, o cara disse que se sair dessa ele vai dar uma "bonificação" para empresa pelo ótimo serviço prestado, se é que você me entende!
- Sei! – Mário respondeu ainda pensando na quantia que tinha acabado de ouvir.
- Então o que me diz? Vai pegar ou largar? Por que se você não quiser eu jogo isso na mão do Dias.
Mário não respondeu de imediato. Ficou meditando sobre aquela proposta por algum tempo. Realmente era uma bela quantia de dinheiro, a maior que ele receberia por um serviço. Mas em contra partida, ele nunca tinha trabalho em um caso de homicídio que não fosse culposo. Além do mais o chefe não tinha dado nenhuma informação sobre a atual situação do caso. Mas eram cinco mil reais... por hora! Então Mário deu a resposta que agora lamenta amargamente por ter falado.
- Ok, eu cuido do caso!
E, sem saber, Mário acabou atando seu pé em uma grande pedra que iria leva-lo para o fundo de mar cheio de merda. O advogado podia sentir que a cada segundo ele ia afundando, afundando, afundando e afundando cada vez mais.
Nos dias seguintes Mário viu a situação do caso ir de mal à pior. Conforme a investigação prosseguiu, para o azar do advogado, a culpa de Michael ficara cada vez mais evidente. Era como se pistas surgissem por passe de mágica. O exame toxicológico revelou que o alemão tinha ingerido diversas quantidades de álcool, a amostra de sangue do porta-malas revelou ser do rabino, uma testemunha disse ter visto Michael sair do apartamento do rabino (fato que foi confirmado pela câmera de segurança da vítima), encontram diversas mensagens ameaçadoras vindas do alemão no celular da vítima e, é claro, o exame de balística da arma encontrado no apartamento de Michael bateu com as marcas encontradas em Elijah. E mesmo com tantas provas o alemão insistia em alegar sua inocência!
E para piorar a mídia se aproveitou da história. Em um país em que reina o sensacionalismo, a história de um alemão matando um judeu trouxe de volta os fantasmas de uma guerra de quase 70 anos atrás. No jornal e principalmente na televisão já estava comum ver notícias falando sobre o nazismo e se referindo ao caso. Michael ganhou o apelido de Hitler Brasileiro, um fato que demonstra como as notícias se tornam exageradas no país. Este sensacionalismo estava tornando a vida de Mário um inferno.
"Por que eu? JORNAL DE MERDA!", pensou o advogado ao lembrar outra vez da notícia do dia. "É como se tivessem tirado a semana para me foder legal!".
Ainda sentado na sua cadeira com o rosto na mesa, Mário tentou ler o papel que estava bem na sua frente, esperando que alguma solução saltasse da folha. Frustrado, o advogado gritou para as paredes:
- O que eu vou fazer?
- Talvez eu possa te ajudar...
Mário se levantou assustado com aquela voz. Já era noite, não deveria ter ninguém mais no escritório. Somente a lamparina em cima da sua mesa estava acesa, deixando o resto do escritório na penumbra. Procurando pelo seu locutor, o advogado viu uma silhueta desconhecida em pé ao lado da porta.
- Quem é você? – perguntou ele preocupado.
- A solução que você está procurando! – respondeu o que parecia ser um homem.
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A Proposta

Mário permaneceu estático na sua cadeira. Ele não reconhecia aquele homem. Não era nenhum funcionário e não parecia ser um cliente, afinal quem iria até um firma de advocacia às 11 da noite? Meio preocupado, o advogado ficou em silêncio tentando pensar no que fazer.
- Me desculpe! – disse o homem com um tom cortês – Estou te incomodando? Se quiser posso passar amanhã...
- Não! Digo... você me pegou de surpresa! – Mário respondeu um pouco mais relaxado.
- Oh, perdoe-me! Às vezes eu me esqueço de como minha presença pode ser desconfortante. Voltarei quando o senhor estiver mais apto a me receber.
- Não, está tudo bem! Por favor, sente-se! – Mário apontou para a cadeira à sua frente.
- Obrigado!
O homem se aproximou e o advogado pode vê-lo melhor. Era um homem alto, aparentava ter uns 40 e tantos anos com cabelos curtos e um rosto firme. Tinha um estilo meio inglês e estava vestindo um terno todo branco. Sem fazer cerimônia, o homem sentou na cadeira que lhe havia sido apontada e ficou esperando que Mário dissesse alguma coisa. O advogado lhe estendeu o mão e disse:
- Mário Alcântara, e o senhor?
- Como eu estou mal-educado hoje, esqueci de me apresentar – o homem apertou a mão de Mário. - Vejamos, estamos no Brasil, então pode me chamar de Lúcio.
- Certo, senhor Lúcio...
- Sem senhor, por favor! "Senhor" é o outro. Me chame só de Lúcio.
- Ok... Lúcio! O senhor, digo, você disse que poderia me ajudar. Do que você está falando?
  - O caso do alemão – Lúcio apontou para um dos papéis em cima da mesa – Tenho algo que pode resolver seus problemas.
Mário não se sentiu mais feliz. Embora ele quisesse acreditar que aquele homem poderia o ajudar, o advogado não tinha mais esperança que sua situação pudesse melhorar.
- E o que seria isso? – perguntou o advogado sem expressar interesse.
- O que o senhor faria se eu lhe dissesse que posso acabar com tudo isso, com o caso, com os boatos, ou com qualquer outro problema que te aflige?
- Eu construiria um altar em sua homenagem e o nomearia meu deus! – respondeu Mário com um tom zombeteiro.
- Hahahahaha! Acredite, não seria a primeira vez! Mas estou lhe dizendo a verdade. Se você concordar com os meus termos posso por um fim em todos os seus problemas.
- Sei, sei! Olha aqui Lúcio, eu sou um homem ocupado. Minha vida tá de ponta-cabeça, minha carreira está indo para o brejo e acabaram os meus cigarros. Se o senhor não tem nenhuma informação útil – Mário apontou para porta – Sinta-se livre para sair!
- Calma, sr. Schmitz! Estou tentando lhe ajudar!
O nome dito por Lúcio irritou Mário profundamente, pois aquele nome era a razão da sua raiva. Todos que olhavam para Mário viam somente o rosto de um advogado brasileiro. Ninguém sabia que ele tinha raízes alemãs.
O avô de Mário, Hans Schmitz, fora um dos soldados da Schutzstaffel. A famosa SS, a organização paramilitar que tinha como uma das suas funções a responsabilidade pelo extermínio das massas judaicas nos campos de concentração. Com a queda do Terceiro Reich o avô de Mário fugiu para o Brasil e sua família, por motivos óbvios, fez de tudo para abafar a informação.
Por isso que, quando Mário viu a vertente que o caso tinha tomado, rezou para que ninguém descobrisse o passado de sua família. Ele até pensou em desistir, mas o dinheiro falou mais alto. Tudo estava indo bem até a noite anterior. Mário estava saindo do escritório acompanhado do seu cliente, o alemão pagara fiança e estava sob condicional. Quando os dois deixaram o prédio foram atacados por uma multidão faminta de repórteres. Os flashes cegavam o advogado que tentou cobrir o rosto com a pasta. Dezenas de microfones e celulares foram jogados na frente dele e do alemão junto com mil perguntas que nenhum dos dois respondeu. Então Mário ouviu:
- Dr. Alcântara, é verdade que seu avô era nazista?
A espinha de Mário gelou na hora. O advogado ficou sem palavras e só conseguiu seguir em frente para o carro. Os repórteres o seguiram até o veículo, tentando fazê-lo responder a pergunta. Mário foi para casa temendo pelo pior. No dia seguinte seus temores se tornaram reais, na primeira página do jornal havia a sua foto do dia anterior com uma pergunta bem grande em cima: "Nazista?".
Não existem palavras para descrever o nível raiva em que o advogado ficou no momento. Parecia que todo o universo estava conspirando contra ele. Mário já tinha se conformado com o fato de perder o caso, de qualquer forma ele seria pago, mas o título de nazista iria prejudicar sua imagem como advogado. O maldito sensacionalismo dera uma bela rasteira nele.
Depois disso, Mário se enfiou em seu escritório pensando em alguma forma reverter a situação. O advogado estava pensando em desistir do caso e tentar explicar a situação para mídia. Mesmo assim, algo dentro dele dizia que isto não ia resolver nada. Desistir do caso só iria colaborar para que as pessoas achassem que o boato era real, pois era muito mais fácil as pessoas acreditarem que alguém é culpado do que inocente. Esta era a natureza humana!
- Como você sabe desse nome? – perguntou o advogado inconformado.
- Eu sei muitas coisas sobre você, Mário. Posso dizer que te conheço mais do você mesmo se conhece. Sei que você é neto de Hans Schmitz, um ex-soldado da SS que matou dezenas de judeus. Sei que você está louco com a descoberta desse segredo de família e sei que você está quase pensando em pular por aquela janela. Eu sei de tudo e mais um pouco, Mário!
- Ok, sr. Sabichão! – Mário ficou mais irritado – Já que você de tudo, com certeza deve saber o caminho para a saída!
Mário se levantou e ficou do lado da porta, estendendo a mão para o corredor. Lúcio se levantou, porém não saiu.
- Você está cometendo um erro, sr. Schmitz! Essa é uma oportunidade que só vem uma vez na vida.
- Aham, sei! Saia, por favor!
- Sr. Schmitz...
- SAIA!
- O senhor não sabe com quem está falando...
- Não vou pedir de novo. Saia ou eu chamo a polícia.
Lúcio levantou e, com as mãos na cintura, olhou para baixo e disse:
- Eu não queria ter que fazer isso.
De repente, a pele do rosto do homem começou a se soltar, deixando para trás uma pequena membrana vermelha de sangue. Mário pode ver pequenas fumaças negras saindo dos buracos das suas narinas. Os olhos de Lúcio ficaram amarelados e a pupila se tornou fina como a de um gato. Um par de chifres surgiu na testa dele e suas mãos se tornaram cascos.
Mário começou a tremer ao ver o monstro. O choque foi tão grande que ele não conseguiu se mover, ou até mesmo respirar. O advogado foi tomado por um medo terrível e sentiu suas calças ficarem úmidas.
Lúcio, ou melhor, o monstro deu uma risada demoníaca encarando o advogado assustado.
- O que foi? Viu algum fantasma? – o monstro tinha uma voz grave que Mário só tinha ouvido em filmes de terror.
- O-o-o que é vo-você? – Mário gaguejava descontroladamente.
Num piscar de olhos Lúcio voltou à figura humana.
- Já disse, sou alguém que quer te ajudar. Agora sente-se!
Lúcio fez bateu palmas e a cadeira ao seu lado se moveu sozinha na direção de Mário. O advogado permaneceu estático ao lado da porta.
- Sente-se, por favor! – repetiu o homem-monstro – Ou prefere que eu vá até aí?
Imediatamente Mário se sentou e ficou calado. Lúcio também voltou a se sentar e então a porta se fechou violentamente. Depois a cadeira do homem-monstro voou até Mário, fazendo que os dois ficassem cara a cara.
- Você é o... o... o dia... – Mário tentava fazer uma pergunta.
- Lorde Lúcifer? Não! Quem dera eu fosse! Sou o que vocês humanos chamam de demônio. E não precisa ficar tão nervoso, sr. Schmitz. Não vou te machucar.
- O que você quer comigo? – Mário tentou se acalmar.
- Pela milésima vez, só quero te ajudar.
- Como?
- Fazendo uma proposta, um pacto, por assim dizer!
- E que tipo de proposta seria? – Mário ficava cada vez mais preocupado.
- Uma que irá lhe beneficiar imensamente. Se você concordar, todos os seus problemas irão desaparecer como um passe de mágica.
- Quando você diz problemas, você está falando sobre...
- O caso do alemão e do rabino. Posso fazer com que o caso seja fechado e que a história sobre você ser nazista desapareça.
- E como você faria isso?
- Tenho meus meios, mas claro que não será de graça. Como você, eu também tenho que receber pelos meus serviços!
Mário já conhecia histórias sobre pactos com demônios, mas sempre achou que elas não passavam de histórias fantasiosas. E nunca tinham um final feliz! Além do mais, essa conversa com o demônio estava parecendo boa de mais para ser verdade. Nada na vida vinha tão fácil assim, pelo menos não de graça, Mário sabia disso.
- E o que eu teria que fazer? – perguntou o advogado muito temeroso.
- Algo muito simples, basta assinar aqui!
O demônio estalou os dedos e uma folha de papel surgiu em sua mão junto com uma caneta preta. Lúcio entregou os dois objetos para o advogado com um sorriso no rosto.
- E então Sr. Schmitz, aceita ou não?
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O Acordo

O advogado segurava a folha de papel, mas não lera uma palavra sequer. Nada daquela conversa lhe soara bem.
- Algum problema? – perguntou o demônio. – Não vai ler o contrato?
- S-sim! Só que está meio escuro...
- Não seja por isso.
O demônio estalou os dedos e uma pequena chama surgiu no ponto do polegar. Aquilo deixou o advogado ainda mais nervoso. Com as mãos tremendo um pouco, Mário começou a ler o contrato.
"Ao assinar este contrato, o portador deste documento estará se pondo aos serviços do demônio com o qual a negociação será feita. O portador também estará se julgando ciente de que uma vez estipulado o acordo, este será irreversível e, caso não seja estipulado um tempo limite, valerá por tempo indeterminado. Além disso, uma vez estipulados os termos do acordo os mesmos não poderão ser alterados por ambas as partes.
Caso os termos não sejam cumpridos isso resultará na anulação por completo do acordo e o portador estará livre de qualquer obrigação. Se a causa do não-cumprimento de um dos termos for devido à fatores externos e não por incapacidade de um dos envolvidos poderá ser feito uma nova negociação. Este novo acordo resultará na anulação do anterior."
No fim do documento havia um espaço demarcado para a assinatura de Mário e outro que parecia ser para Lúcio assinar. O advogado releu o contrato outra vez para ter certeza e então perguntou:
- O que seria isso de "me por aos seus serviços"?
- Você já viu o filme "Advogado do Diabo"?
- Já! Por quê?
- Será mais ou menos como o filme!
- Como assim? Eu vou ter que me juntar com a filha do Diabo para dar a luz ao anticristo e dominar o mundo?
- Hahahahaha! Vocês humanos realmente acreditam nessas bobagens bíblicas holywoodianas? O que eu queria dizer é que você terá que prestar seus serviços de advogado.
- De que jeito? – Mário ainda não entendia o que Lúcio queria dizer.
- Sabe, há muitas pessoas neste mundo que "apoiam" a causa do meu lorde. O problema é que muitas dessas pessoas tendem a se meter em problemas e nessas horas é bom ter pessoas como você do nosso lado.
- Vocês não podem resolver esses problemas por si mesmos?
- Não do jeito que você imagina. A verdade é que nós, demônios, não podemos interferir diretamente com a vida de vocês, humanos. São ordens superiores! O que podemos fazer é tentar induzi-los a agir da forma que esperamos. Simplificando, posso pedir que você pule na frente de um carro, mas não posso empurrá-lo. Posso pedir que você roube um banco, mas não posso fazer que o dinheiro caia no seu colo.
- Entendo! – o concordou com a cabeça – Então como você espera me ajudar?
- Como eu lhe disse, muitas pessoas apoiam o nosso "grupo" e tais pessoas estariam dispostas a  te ajudar, caso lhe seja pedido.
- E que tipo de pessoas são essas?
- Dos mais variados. Do trabalhador mais simples até grandes empresários. Nossa organização, se posso chama-la assim, possui muitos membros. De simples pedreiros até grande engenheiros, de frentistas até magnatas do petróleo, de guardas até poderosos juízes. Inclusive temos a nosso dispor alguns jornalistas que ficariam felizes em contar a sua verdadeira história.
- E essa pessoas irão me ajudar se eu me dispuser a retribuir o favor, defendendo-as caso alguma delas faça alguma besteira?
- Exato! É algo como uma mão lava a outra.
- E em troca disso você acabaria com o caso de Michael Friedrich?
- E com os boatos sobre você ser nazista.
- Como?
- Já disse, você é surdo ou está se fazendo de idiota? Nos temos contatos com pessoas influentes.
- E porque eu deveria acreditar na sua palavra?
- Não deveria, mas você tem escolha? Claramente este é um caso perdido. E depois disso você ficará com o carimbo de nazista pelo resto da sua vida, ou você acha que as pessoas irão esquecer o caso tão facilmente? Se aceitar a minha proposta, não só se verá livre desta marca como ganhará importantes aliados. Nós temos recursos que podem ser muito úteis na sua área de trabalho.
Mário olhou para o papel mais uma vez. Era uma proposta tentadora. Ele se veria livre de toda essa dor de cabeça que contraiu ao aceitar o caso e só precisaria ter que defender algum meliante de vez em quando. Não seria o primeiro advogado a fazer isso, ele mesmo fez isso ao aceitar defender o caso de Michael. Mesmo assim alguma coisa dentro dele o impedia de aceitar aquele acordo.
- E então sr. Schmitz, o que me diz? Vai aceitar ou não?
Mário ficou pensando por um tempo.
- Vamos lá sr. Schmitz, tempo é precioso até para mim. Me diga se aceita ou não e poderemos seguir com nossas vidas.
- Se eu aceitar esse acordo significa que eu irei para o inferno?
- Isso depende! Você está sendo uma pessoa boa? Anda indo na igreja todo domingo? Deu esmola para algum mendigo? Contanto que você faça suas boas ações os portões do céu permanecerão abertos para você. Deus não é esta figura vingativa que alguns de seus padres e pastores gostam de divulgar em seus sermões. Ele é um cara bem compreensível. Bom, eu imagino que seja, afinal eu não trabalho para companhia dele! Contudo, se você resolver bancar o papel de vilão pelo resto da sua vida temo que iremos passar um bom tempo juntos. No fim das contas, não é o que você é mas o que você fez que irá determinar se você sobe ou desce.
- Então esse papel não quer dizer que eu me tornei um satanista?
- Hahahahaha! Essa é a sua preocupação? Esse documento é só um acordo como qualquer outro, a única diferença é que você estará fazendo com um demônio e não uma pessoa comum. Você continuará sendo a mesma pessoa vivendo a mesma vida, só que com algumas responsabilidades a mais. Se você me permite comentar, creio que essa seja uma situação em que você só tente a ganhar.
Mário voltou a encarar o documento. Ele não sabia o que fazer. Por um lado ele queria acabar com aquela história do alemão, mas por outro lado algo dentro dele dizia para não assinar. O demônio, percebendo o dilema que se passava dentro da cabeça de Mário, apontou para o espaço demarcado para a assinatura e disse:
- Vamos lá, sr. Schmitz! O que você tem a perder? Assine aqui!
E então a mão de Mário começo a se mover.
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O Pagamento

Ele assinou! Mário assinou o contrato com o demônio. Mesmo que não estivesse confortável com a decisão, ele a fizera. Não tinha como voltar atrás, só esperar pelo melhor.
- Ótimo! Foi uma decisão inteligente!
Mas não era assim que Mário se sentia. O demônio se inclinou para frente e pegou o papel e a caneta. Depois assinou o contrato com caracteres que o advogado não conseguiu reconhecer. Com tudo em ordem, Lúcio se levantou e pegou na mão de Mário.
- Foi muito bom fazer negócios com o senhor, posso te chamar de Mário? Essa história de sr. Schmitz deve estar te irritando.
- Tudo bem! – Mário retribuiu o aperto de mãos – Então é só isso? Você irá cumprir a sua parte do acordo?
- Mas é claro, Mário! Eu sou um homem, quero dizer, um demônio de palavra. Vou cumprir cada termo deste contrato.
- Ok! – Mário parecia estar bem mais aliviado do que quando começara essa conversa – Você vai conseguir mesmo limpar meu nome?
- Claro! Não deverá ser tão difícil assim, afinal foi eu quem começou com esta história toda
Mário voltou a ficar desconfiado.
- O quê? Do que você está falando?
- Ora, Mário! Vai me dizer que você nunca pensou que toda essa história estava estranha demais? Um alemão mata um judeu do nada. Então o assassino, um homem com bastante poder aquisitivo, resolver procurar a ajuda de um advogado de segunda-categoria. O caso começa a se complicar e a mídia descobre uma informação que sua família escondeu a sete chaves. E então eu apareço na sua porta com uma proposta tão tentadora. Você tem que ser muito idiota para pensar que isso tudo foram meras coincidências.
- Você... foi você... – o advogado estava espantado. – Mas você disse que não podia interferir diretamente na vida dos outros.
- E não interferi! Como eu lhe disse, nós demônios só podemos persuadir os humanos. A não ser que vocês façam um pacto conosco, neste caso nós ganhamos o total controle sobre suas vidas. Eu instiguei Michael a matar o rabino. Disse que se ele o fizesse, eu cuidaria para que ninguém descobrisse. Não foi difícil fazê-lo assinar o acordo, já que ele estava tão bêbado que o hálito dele poderia esterilizar uma agulha. Mas o estúpido não leu direito os termos do contrato. Quando descobriram o corpo, eu o convenci a procurar a sua ajuda e então deixei vazar todas as pistas que lhe incriminariam. Por último, deixei escapar a informação sobre o seu avô. Um golpe de mestre, não acha?
- Por quê? POR QUE, SEU FILHO DA PUTA?
- Por quê? Ora, meu amigo ingênuo, para fazer você assinar este contrato. Você deveria ter lido as letras miúdas!
- Do que você está falando?
O demônio devolveu o documento que Mário pegou numa velocidade agressiva. Relendo mais uma vez o papel o advogado viu que o texto que ela tinha lido anteriormente tinha desaparecido e no seu lugar havia uma pequena frase:
"Eu, Mário Alcântara Schmitz, vendo minha alma para Lúcio!"
O medo tomou conta do corpo do advogado novamente.
- Mas que merda é essa? Não foi isso que eu assin...
Então Mário sentiu uma pontada no coração, seguido de uma imensa dor no peito. Depois o advogado caiu sobre os joelhos e sentiu sua respiração ficar pesada.
- Mal....di...to... você me eng...
Mário não conseguiu terminar a frase e caiu no chão. Enquanto isso, Lúcio se aproximava do seu corpo.
- Te enganei? O que você esperava? Eu sou um demônio, caro Mário! É da minha natureza enganar. Tsc, tsc, tsc! E eu pensei que você não ia ser tão estúpido assim. Parece que sua raça fica mais ignorante quando a situação aperta. Quando, em toda essa história, você pensou em ser uma boa ideia? Não aprendeu nada com os filmes? Tsc, tsc, tsc! Tão ignorante...
- Por...que... por... quê?
Lúcio se agachou e aproximou seus lábios do ouvido de Mário.
- Porque eu posso, simplesmente porque eu posso! A vida de um demônio não é tão legal assim. De vez em quando a gente tem que pensar em um jeito de se divertir e vocês humanos são ótimos para tal função. Não pense que você é especial, só estava no lugar errado, na hora errada, tomando a decisão errada! Se não tivesse sido você, teria sido outro, sempre tem um idiota! – Lúcio se levantou e deu as costas para o advogado, fazendo um pequeno aceno de despedida - Até mais Mário, te vejo lá em baixo!
O demônio desapareceu no meio da escuridão, deixando Mário para trás agonizando. Os olhos dele foram se fechando aos poucos. O mundo foi ficando cada vez mais silencioso e escuro... e então Mário viu o fogo!
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Viva a lenda!



O Seus contos são muito bons,digamos que (Otimos)
Continue assim......

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Opa! Valeu, Alvin! Achei que o esse aqui não ia ter comentário, geralmente o pessoal não lê tudo quando tem muito texto. Obrigado pela sua paciência! Vou tentar continuar sempre.

Viva a lenda!



   Eu já tinha lido outros dos seus contos/histórias, mas não deixei nenhum comentário por vergonha, mas enfim
   Seus contos são excelentes e nos fazem ficar presos e ansiosos querendo saber mais e mais sobre o que vai ocorrer (pelo menos eu fico assim)
   Mas enfim, espero que continue assim, pois seus contos e histórias são ótimos
(um dia vou te superar. Aguarde!)
Nyah nyah diz o gatinho. Nyah nyah sou bonitinho  :ded:

Nossa, desculpa pela demora! Tenho sido um fantasma aqui pela CRM e fazia muito tempo mesmo que não entrava na área das histórias.

Muito obrigado pelo seu comentário, Asari, sempre é bom receber um reconhecimento pelo trabalho. Não precisa ter vergonha que eu adoro um feedback, positivo ou não. No dia que eu voltar a ficar ativo por aqui tento trazer mais algumas histórias, só que tá meio difícil com essa minha tentativa de escrever um livro de fantasia. Até qualquer dia desses!

Citação de: Asari Kimiga online 29/04/2014 às 00:10
[(um dia vou te superar. Aguarde!)

Bring it on!  :ok:

Viva a lenda!