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Monday Morning Blues - Capítulo um

Iniciado por Kioumaru, 19/07/2013 às 20:58

Bem, eu tava entediado na biblioteca da escola, e o barulho das vozes das pessoas tava me deixando morrendo de raiva. Meu celular tava sem o fone de ouvido no dia, então tive que arrumar uma forma de me distrair, e tava pensando em como escrever algo sem um narrador físico, mas que aparecesse de forma abstrata. Eu fiz só a introdução, e queria que vocês avaliassem se vale a pena continuar. Bem, é isso.

Spoiler
    Tem uma série de coisas boas sobre ser eu mesmo. Juro. Grande parte das pessoas acha que é um trabalho triste. - Não tenho certeza sobre isso. Não tenho muitos amigos, eu admito. Mas é o que se espera, quando se é.. bem, como vocês chamam mesmo? - Ah,sim. A morte.
    Considerando quem sou eu, confesso que sou bem diferente da noção humana de "morte". Sabe, a maioria das pessoas acha que o Cavaleiro Negro é a morte. Não é. Nossa, aquele cara é muito chato, e nem precisa conhecer ele pra saber disso. Basta ler o Livro das Revelações.
    Do começo - Meu "nome" é Gideão. Sério. É um nome horrível. "Gideão" em hebraico significa "destruidor". Acho que não combina nadinha comigo. Tenho uns quinze bilhões de anos, mas o fato é que só os primeiros sete mil e os últimos sete mil são interessantes. Gosto de jazz livre e de roupas dos anos quarenta. Um pouco de arte moderna também. E você?
(Dois minutos e trinta e três segundos depois)
    Nossa. Que mal gosto. Mas você não veio aqui pra me aturar falando disso, certo? Gosta de café? Vou buscar um pouco pra mim.
    Os primeiros sete mil anos foram uma bagunça. Muita gente se pergunta - "Deus existe?" - Eu respondo. Existe. Na verdade, ele é bem chato e ocupado. A aparência dele é semelhante a um daqueles empresários da bolsa de valores. Magro, cabelos grisalhos e meio arrumado. Gosta de usar um terno branco, inclusive. Super brega, não? Mas você não veio aqui ouvir sobre isso.
    Você veio ouvir sobre as pessoas. Sempre é sobre as outras pessoas. Acho que não vou tirar muitas das suas dúvidas, mas juro que tenho boas histórias pra contar.

Primeira morte - O toca discos no canto do quarto

    Tenho uma confissão. Acho seres humanos uma coisa muito confusa. Nunca vou entender esses "sentimentos" que eles tem. Sério mesmo. Nossa, imagina que estranho deve ser chorar.. me lembro bem de uma música. Where or When, da Peggy Lee. Essa música, por sua vez me dá outras lembranças. Lá pros meados do século vinte, um cara de treze anos andava nas ruas da sua cidade. Era a primeira vez que saía de casa depois de se mudar mais uma vez. Estava acostumado com tanta mudança. Seu nome era Henry Springwells. O garoto Springwells corria na rua, e até batia carteira de vez em quando. Mas as pessoas gostavam dele mesmo assim. Não que isso não fosse perfeitamente possível. O garoto Springwells corria na rua, e até batia carteira de vez em quando, mas era boa pessoa. Todo mundo é.
    Sabe, também me lembro de uma menina de quatorze anos que morava na mesma rua do garoto Springwells. Gostava de usar um laço vermelho-sangue na cabeça e um vestido branco. Também gostava de uma música chamada "My favorite things", que é uma das minhas preferidas do jazz livre. Tinha um toca-discos no canto do quarto da menina. Ela não usava muito, por falta de discos. O pai da menina não deixava ela sair muito de casa, então ela passava o dia olhando a janela. O que, antes do dito "politicamente correto" era bem comum até. Ela tinha um nome também. Era algo como "Philipa Rosetto". Imigrantes italianos em tempos de quase-guerra. Tinha um cabelo levemente encaracolado, e um castanho-quase preto nos olhos e no já citado cabelo. Uma pessoa a cada meio bilhão nasce com olhos como os dela. Olhos dos quais, por mais que seja preferível não olhar, ainda se olha.
    Passaram uns poucos anos, talvez cinco ou seis. Henry Springwells conseguira fugir de se alistar ao exército. Coisa rara, naquele tempo. Não tinha muitas pessoas na rua, nesse tipo de período. Então é como se só existissem duas famílias na rua inteira. Como se já não fosse óbvio, eventualmente eles se apaixonaram. Sentimentos são uma coisa confusa.
    Depois de muitos eventos cotidianos - e uns nem tanto, os dois resolveram fugir de casa. Era noite, duas e meia da manhã de uma quarta-feira cinza. Apesar do céu cinza, a lua estava linda no céu. Philipa saía de casa, e Henry a esperava na rua, sentado. Eles partiram, a pé mesmo. Depois pegaram um táxi, e depois roubaram um carro por aí. Daí sumiram pra um apartamentozinho bem distante de Manhattan, mas não tão longe assim. Nova Iorque. Não é uma escolha sábia, e eles tinham o conhecimento disso. Famílias de imigrantes não tinham uma credibilidade boa na época, de fato. Philipa Rosetto não aguentou, e por alguma razão não-tão inteligente, ela resolveu levar o toca-discos. Henry Springwells levou um disco que antes pertencia a sua mãe. Eles estavam com um sorriso enorme no rosto. Eles estavam ferrados. Henry trabalhava dezesseis horas por dia. Isso por alguns anos, alguns anos bem tortuosos. Quatro anos bem tortuosos, na verdade. Depois ele só foi menos explorado mesmo. E assim foi por toda a sua vida.
    Philipa Rosetto achava que Henry Springwells era uma boa pessoa. E, sabe. Ele era mesmo uma boa pessoa. Uma das melhores pessoas das quais já vi na minha não-vida inteira. E ela também, na verdade. Todos os dias, Henry voltava cansado de casa, e deitava no colchão do apartamento vazio. Pegava um exemplar de um livro de qualquer novela proletária e lia. Não antes de dar alguns beijos na sua amada. Philipa adorava fazer café e discutir política com pessoas aleatórias. Infelizmente, não existiam muitas pessoas das quais ela poderia conversar no apartamento vazio, então, como sempre, ela só olhava pela janela do quarto. Um novo cárcere, novas loucuras. Philipa não só lia muitos livros de todos os tipos, mas gostava também de escrever. Escrevia psicodelias de todos os tipos, onde todos os tipos de coisas aconteciam. Mas isso não vem ao caso, vem?
    Philipa Rosetto gostava muito de usar um vestido branco, dos mais belos que já vi. E assim foi no seu casamento com Henry, um ano depois de tanta rotina. Foi um evento bonito e simples. Haviam poucos amigos do casal numa capelinha ridiculamente branca por dentro. Henry não trabalhou por uma semana, e essa acabou sendo a melhor semana da sua vida. Naquela época, era realmente estranho um casal viver desse jeito. Juntos, mas não casados. Na verdade, eles lançaram bastante moda, se for parar pra pensar. No seu casamento, estava presente um amigo de um amigo próximo de Henry, cujo nome não importa. O nome da pessoa que falo é "Chuck Reaves". Tinha um gosto exemplar por bom jazz, admito. Trabalhava junto com o Henry, apesar de mal olharem uns aos outros na fábrica. Seu gosto por jazz o tornou um bom amigo de Philipa, do garoto Henry também.
    Ainda sobre Philipa, a sua amizade com Chuck Reaves cresceu bastante por um ano. Por mais estranho que pareça, Henry confiava bastante em Chuck. Jogavam cartas juntos, falavam bobagens por horas e coisas do tipo. Demorou bastante, mas o garoto Henry conseguiu até comprar uma televisão. Cinco anos se passaram. Henry mudou de emprego. Como as pessoas costumam dizer por aí, ele foi o seu próprio chefe. Não era muita coisa, mas ter aberto uma mercearia foi uma ideia interessante. Querendo ou não, conseguiram comprar muita coisa.
    Cinco anos depois, aquela mercearia havia se tornado um daqueles tais.. supermercados. Mas o que tenho pra contar não é sobre o novo brinquedo do Henry, se passa um ano depois. Voltava pra casa cansado. A década de 50 foi definitivamente barulhenta. Henry chegava cansado em seu apartamento relativamente velho. Esperava ver Philipa pintando qualquer coisa, ou só olhando a TV mesmo. Estava vendo TV, e Chuck estava sentado do outro lado do sofá, com uma cara de tédio. Tudo normal. Chuck vai embora calado. Henry ignora, e começa a tirar seu terno caro. O coração de Philipa Rosetto batia forte. A estranheza da atmosfera da sala fez Henry Springwells perguntar um "Tudo bem, querida?" - Philipa estava calada. E disse poucas frases das quais até hoje me deixa irritado em lembrar. Disse "Henry.. não sei muito bem como dizer isso. Estou grávida do Chuck. Desculpa." - Henry abaixou a cabeça. Estava se segurando. Pegou uma mala, colocou um monte de roupas lá. Philipa não fazia nada, apenas olhava com estranheza. O garoto fechou a mala. Pegou algum dinheiro, mas não todo. Assinou um cheque de mil dólares, colocou seu terno de volta. Não disse nada além de um "adeus". Desce as escadas. Mudou de ideia. Sobe as escadas correndo, entra em casa, joga a televisão nova no chão com toda a sua força. Agora sim, descia as escadas. Pegou o metrô. Estava pronto pra uma nova vida.
    Naquela noite, foi dormir em um hotel qualquer. Na noite seguinte, já tinha comprado um apartamento bem grande, longe dos subúrbios. Já estava longe do trabalho mesmo. Foi um mês bem solitário no escuro de um quarto chique. Não que o não tão jovem Henry não preferisse isso a mais um instante com uma traidora. Não é estranho que um homem de 35 anos e incrivelmente bem sucedido acreditasse numa utopia como essa, o que vocês humanos chamam de "amor"? Se sentia bem, ao mesmo tempo que se sentia perturbado. Mais um mês depois, Henry comprava uma arma e três balas. Pegou um táxi até o apartamento onde morava com Philipa. Deu uma gorjeta bem grande ao taxista, porque tinha tido uma conversa realmente agradável.
    Subiu as escadas rápido. Pegou a Magnum 44. Aquela do Dirty Harry, sabe? Bate educadamente na porta, escondendo o revólver. Philipa atende. Henry pergunta um "posso entrar?" - Philipa não entende, mas permite. O garoto anda até a cozinha, diz um "e aí" para o seu traidor, Chuck. Pega uma xícara de café, senta-se no sofá e pergunta "Tudo bem, Philipa?", olhando pra TV quebrada. Philipa responde. "Para de brincar, por favor." O garoto chama seu traidor pra sala. Termina sua xícara de café. Solta um suspiro demorado. Chuck se aproxima de Henry. Nesse instante, o garoto levanta seu revólver e atira na cabeça do seu Judas. O garoto anda devagar até o canto da sala. Lembrou-se do toca-discos. Coloca seu disco preferido a tocar. "Summertime", na versão mais clássica possível. Limpa a marca do café da sua calça preta. Uma de três balas gastas. Guarda a arma. Se aproxima de Philipa, que estava apavorada. Então, Henry dá um soco na barriga da sua ex-amada, e então a joga no chão. Brutalmente, Henry dá vários socos e chutes. O bebê está morto, com certeza. Tapas e socos na indefesa Philipa. Seu vestido branco está manchado agora. Henry se levanta e se recompõe. Dá mais alguns chutes, e pisa sobre a traidora. Duas balas. Uma bala. Atirou no coração da sua ex-esposa. Talvez tenha feito por amor, talvez por pura raiva. Não tenho certeza sobre isso. Desce as escadas, e guarda o revólver. Naquela época, gente com dinheiro não tinha que arcar com consequências desse tipo de coisa. Foram alguns mil dólares em subornos, e estava tudo bem. Agora sim, o garoto Henry estava pronto pra uma nova vida.
    Henry fez bastante sucesso depois disso. Seu supermercado se tornou uma rede deles, em pouco mais de vinte anos. Foi uma vida cheia de sucessos, mas a melhor das histórias foi trágica. Trágica o suficiente pra tornar a vida do garoto de cinquenta anos deprimente. Ainda havia uma bala. Não demorou muito para o garoto Henry tentar um suicídio. Não o fez, mudou de ideia. Guardou a Magnum numa gaveta da qual não se lembraria no futuro. E nesse momento, no exato momento em que eu estalar os dedos, o garoto, Henry Springwells vai partir. Um, dois, três. Parada cardíaca. E nesse presente, uma vida chega ao fim do seu futuro. Fim.

Fim da primeira história.
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Nossa, pensei que isso não ia ficar tão grande, mas foi interessante desenvolver isso. Vou fazer outros casos, daqui a não muito tempo. Bem, avaliem o primeiro capítulo, que eu terminei. Está lindo, não? <3
Spoiler
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Opa, só toma cuidada pra não postar na área errada! Para avaliação é nesta parte

Bom, como é só o primeiro capítulo, eu não tenho muito que falar. Conforme a história for evoluindo eu prometo fazer uma crítica bem mais completa.

Eu gostei do que li. Curti essa personalidade meio extrovertida da Morte e do modo que você descreveu os personagens para que ele não fossem apenas figurantes que se matam sem mais nem menos. A conclusão do capítulo também me agradou bastante.

Aguardando mais capítulos!

Viva a lenda!