O TEMA DO FÓRUM ESTÁ EM MANUTENÇÃO. FEEDBACKS AQUI: ACESSAR

A Rainha da Atlântica

Iniciado por Vifibi, 21/07/2013 às 01:22

21/07/2013 às 01:22 Última edição: 21/07/2013 às 18:16 por Vifibi


ATENÇÃO
Se você deseja ler este conto em seu formato original e dar suporte ao autor que o escreveu, por favor considere lê-lo em seu website nativo, Biancardine. O conteúdo é o mesmo, mas por estar no website do autor ao invés de um fórum de internet, você estará levando tráfego e subsequentemente mais leitores à obra, o que significa que o autor poderá se concentrar em fazer ainda mais textos originais. De qualquer forma, o texto, em sua forma inteira, está apresentado abaixo. Tenha uma boa leitura, e obrigado por ler este pedido.



A Rainha da Atlântica
Spoiler
Um longo, reluzente e dourado pênis. Sentado, erguido e ereto, estava um pênis no topo de uma mesa de centro. Luíza demonstrava-o com alegria jovial, como se fosse um prêmio do qual ela tinha orgulho de dizer ser dona. Ele era grande demais para ser um vibrador, e absurdo demais para ser um peso de papel. Ouvi Luíza conversar com dois convidados à distância enquanto segurava seu pênis dourado em suas mãos enluvadas de veludo.
— Não é adorável? — ela comentou e depositou a obra de volta em seu lugar na mesa de centro.

Ajeitei minha gravata em desconforto, abrindo um pouco seu nó de meu pescoço e soltando um ar de alívio indiscreto que fez duas senhoritas ao meu redor me lançarem olhares feios de desaprovação. Silenciosamente gesticulei minhas desculpas e parti para outra parte do apartamento, procurando um lugar menos popular. Acabei por me dirigir ao banheiro, sentando-me no vaso sanitário em desconforto enquanto procurei em meu terno por minha abençoada cigarreira de metal e couro preto. Abri-a e notei em desprazer que sobravam apenas três de meus anteriores vinte cigarros feitos à mão. Dei de ombros a mim mesmo e tomei um de cigarros em meus dedos e bati-o contra o couro da cigarreira. Satisfeito, o depositei em meus lábios trêmulos e acendi com meu isqueiro Zippo de metal escovado sua ponta. Dei um longo trago e suspirei, deixando a fumaça escapar por minha boca.

A porta do banheiro se entreabriu e, mais rápido do que eu pude esconder meu cigarro, a face delicada de Luíza apareceu pela fresta da porta, sorrindo em vão. Ao me ver, ela soltou uma risada inaudível com o som da música de Jazz tocando do gramofone da sala de estar. Dizendo palavras inaudíveis, ela entrou no banheiro e fechou a porta atrás de si, abafando o som do gramofone.

— Como você está, querido?

— Bem, bem... é uma bela festa, pena que fui convidado.

— Não diga isso — ela colocou a mão em meu cabelo e tomou de meus lábios o cigarro, tragando-o em silêncio.

— Digo sim. Não estou acostumado a ser anfitrião de festas, se me permite dizer. É desconfortável, e nunca sei dizer se estou falando a coisa certa ou não. Gostaria de poder desaparecer no meu quarto, mas atualmente o estão utilizando como armário de casacos.

— Você está sendo tolo, querido. Aqui, beba. Vai te fazer sentir melhor.

Ela me ofereceu um copo de cristal contendo uísque. Peguei o copo cautelosamente de suas mãos e, em apenas um gole, tomei todo seu conteúdo. Luíza sorveu de sua taça de vinho e me tomou a mão livre.
— Venha, querido. A festa ainda mal começou. Tem alguns camaradas meus que querem falar contigo.

— O que eles possivelmente gostariam de conversar comigo sobre? — respondi, tragando meu cigarro forte e tossindo a fumaça.

— Sobre seu livro, claro!

— Meu livro? Ah, céus.

Ah, céus. Meu livro.

Acordei já era tarde. Meu quarto cheirava a detergente e roupa recém-lavada. Ao me levantar da cama, vi Marilda, nossa empregada, colocando minhas roupas em suas gavetas. Resmunguei para que ela saísse de meu quarto e tentei me vestir ao ela ir embora. Consegui colocar apenas minhas calças antes que Cristian batesse em minha porta.

— Bom dia! — ele sorriu enquanto me via vestir minha camisa — Espero que tenha dormido bem.

— Razoavelmente. Tive alguns pesadelos, mas... eles foram embora.

— Bom saber. Escute, Luíza está na sala. Ela quer falar contigo sobre as resenhas de seu livro.

— Céus, já saíram! — gritei sem querer — Pensei que só seriam publicadas semana que vem!

— Pelo visto, você estava enganado. Venha, ela está te esperando.
Cristian saiu do quarto e me deixou sozinho. Fechei os botões de minha camisa com dificuldade — meus dedos tremiam imensamente. Calcei meus sapatos com pressa e corri até a sala de estar. Luíza tomava seu café distraída enquanto assistia a televisão e fumava um cigarro depositado em sua piteira de prata e detalhes em ouro. Ajeitei meu cabelo com cuspe e endireitei minha coluna e, sem dizer uma palavra, sentei-me ao seu lado no espaçoso sofá branco de cobertura que parecia ser de veludo. Um cheiro de citros permeava no ar, contrapondo-se ao cheiro intoxicante do cigarro de madame. Ela encimou seu café na mesa de centro e, também sem falar, deu mais um trago de sua piteira e bateu com ela de leve no cinzeiro de cristal que mantinha na mesa de cabeceira ao lado do espaçoso sofá. Colocou suas mãos em minhas bochechas e beijou uma após a outra e sorriu com seus dentes brancos como neve. Seus olhos azuis-claros brilhavam sob a luz do dia, e meu coração palpitava de nervoso.

— Bom dia, querido. Espero que tenha dormido.

— Dormi, sim. Nada consegue interromper minhas noites de sono — sorri-lhe sem abrir a boca.

— Mesmo com aquele terrível problema que tive com o Sr. Farias?

— Acredite, seria necessário uma manada de elefantes para me impedir de dormir. E Sr. Farias pode ser generoso, mas ele de forma alguma é uma manada.
Luíza soltou uma gargalhada, e deu um tapinha em minha perna.

— És um palhaço, meu querido! Um terrível palhaço!

— Posso ser um palhaço, mas você adora!

— Bem — Luíza tomou subitamente um tom sério — está preparado, querido? Tenho aqui as resenhas nos jornais mais populares da cidade.

— Não, mas não tem como adiar o inevitável. Conte-me.

— Pois bem. Esta aqui é d'O Globo. Está preparado para ouvir?

— Conte uma versão resumida — disse, cruzando as pernas e acendendo meu próprio cigarro.

Luíza atendeu meu pedido e leu a resenha em silêncio. Suas sobrancelhas franziram-se a cada parágrafo que lia.

— Então, — comentei, meu coração batendo tão forte quanto um tambor de carnaval — boas notícias?

— "A obra encontra-se em estado deplorável. Parece mais um sonho louco febril do que uma história. Evite 'Os Sonhos da Realeza' se valoriza seu gosto em boa literatura."

— ... Isso não é bom — falei para mim mesmo.

— Não, não é — Luíza concordou sem rodeios. Subitamente seus olhos voltaram a sorrir e ela comentou em seu tom leve e desapressado de sempre — Mas é só um jornal. O que o resenhista saberia, não é mesmo?

— Sim, sim... você tem razão.

— Vejamos, Jornal do Brasil...

Ela tornou a ler em silêncio, seu cenho franzido em concentração — ou desgosto. Tentei conter minha angústia de sua visão, mas era difícil manter-me impassível quando as palavras injustas e maliciosas de um crítico imbecil afrontavam meus olhos, como que insultos de vilões às belas obras de arte da Antiguidade. Movi o jornal de forma a ocultar a crítica e voltei a olhar Luíza. Ela me observava com olhares de pena.

— "Uma obra patética" — ela disse, simplesmente. Meu olhar tornou-se de desconfiança e, como se tivesse lido meus pensamentos, ela me mostrou a matéria no jornal. "Uma obra patética" eram as palavras mais gentis de toda a mensagem. Ela me entregou o jornal e, sem dizer uma palavra, virei-o da mesma forma que O Globo e cruzei os braços, bufando.

— Querido... que pena.

— Por que pena? — traguei meu cigarro lentamente, tentando fazer meus dedos pararem de tremer — Obviamente, meu texto não foi bom o suficiente. Não há pena aqui.

— Bem, ainda tem O Dia.

— O quê?

— O Dia. É um jornal pequeno que começou há uns seis anos atrás, mas que já tem algum sucesso. Também fizeram uma crítica ao seu livro nele.
— É mesmo? Leia para mim, então — Dei mais um trago de meu cigarro e levantei-me em direção ao bar. Servi-me de um copo de Johnny Walker Gold Label e sorvei-o de leve enquanto Luíza lia a crítica d'O Dia com atenção.
— "Uma obra amadora", meu querido. Sinto muito — Pude sentir a tristeza na voz de Luíza. Ela pingava como gotas d'água se agarrando desesperadamente às telhas de seus amados telhados.

— Não tem problema, — menti — no fim das contas, tudo será resolvido. Devem ter recebido o livro errado.
— Ou então são filisteus demais para entenderem uma verdadeira obra, querido. Eu amei o livro. Os cenários, as personagens, as discussões... parecia uma obra de Oscar Wilde só que sem o tédio terrível.

— Obrigado, querida.

Cristian saiu do banheiro de terno e gravata, pronto para ir trabalhar.

— E então, colega? Amaram seu livro ou amaram seu livro demais?

— Odiaram, todos os jornais — respondi sem rodeios, sorvendo meu uísque uma segunda vez — Acho que isso é um novo recorde, não?

— Oras, que absurdo! Luíza me disse que a obra era magnífica!

— Pelo visto, Luíza é de um gosto mais refinado que o que encontramos no Rio — brinquei. Meu cigarro tinha-se terminado sem eu notar, então depositei sua bituca no cinzeiro de cristal e coloquei um novo em meus lábios antes de removê-lo e guardá-lo novamente. Fui ao meu quarto e retornei com meu cachimbo curvo London e meu fumo oriental e mandei Marilda trazer-me fósforos. Soquei o tabaco para dentro do fornilho em três camadas enquanto Luíza despedia-se de Cristian e, satisfeito com sua consistência, acendi-o com os fósforos que Marilda trouxe. Tornei minha atenção à televisão que tocava em preto-e-branco imagens do seriado que Luíza assistia como se fosse Igreja, Leave It to Beaver. Era algum tipo de episódio cômico onde Theodore fez algo estúpido e subsequentemente era corrigido por seus pais. Pessoalmente, eu detestava a série. Faltava-lhe o quê de classe e cultura de um bom livro ou programa de rádio. Continuei tragando meu cachimbo em curtas tragadas em ritmo e senti o fornilho aquecer-se aos poucos. As críticas eram bobagem. Tenho certeza. Ninguém prestará atenção em filisteus brasileiros e suas opiniões.

Luíza tomou minha mão após eu terminar meu cigarro e me dirigiu para fora do banheiro e de volta para a festa. O apartamento ainda continuava o mesmo de dez minutos atrás. Pinturas de homens desportistas penduravam-se às paredes, seus abdomens e braços tão musculares quanto Adônis e Héracles, seus corpos livres de máculas. Nas mesas colocadas em pontos estratégicos da enorme sala de estar com seus cinzeiros estavam estátuas feitas de mármore de homens nus em diversas posições de esporte, todos imitando a Antiguidade e sua arte greco-romana. Na mesa de centro, contudo, não havia estátua greco-romana, apenas a estátua modernista do pênis dourado que Luíza havia comprado por sabe Deus quanto. Ela me levou ao bar onde duas senhoras fumavam de suas piteiras cigarros feitos à mão com, notei pelo cheiro, tabacos ingleses aromáticos.

— Catarina, Diana, é meu prazer apresentar-lhes meu querido autor e atual residente — Luíza disse em tom enfático, demonstrando-me como se fosse uma obra de arte e, após a demonstração, rindo-se com suas próprias palavras.

— Céus, este jovem é o autor de que tanto fala? — Diana comentou, espantada.

— Ele é tão jovem! Parece até mesmo um bebê! — Catarina complementou.

— Me diga, jovem, quantos anos você tem? — Diana continuou, enviando olhares venenosos para Catarina por tê-la interrompido.

— Tenho vinte e três anos, senhora — Respondi, ruborizado.

— Santa Maria! — Diana blasfemou — És um bebê, meu caro! Um bebê publicado!

— Não sei quanto a bebê, mas certamente fui publicado. Graças a Luíza, na verdade — tornei meu olhar para Luíza, mas ela não estava mais conosco. Procurei-a na sala, e a vi do outro lado do aposento conversando com um espalhafatoso homem que reconheci como sendo Sr. Farias. Seus olhos, notei com dificuldade, estavam lacrimejando, e ele estava vermelho dos cabelos aos pés, tentando tomar a mão de Luíza. Fiz minhas desculpas para Catarina e Diana e atravessei o aposento em direção ao Sr. Farias.

— Luíza, minha querida! — ele implorou, seu tom de voz choroso e soluçando — Por favor, dê-me uma segunda chance! Faço de tudo que desejar, apenas não seja tão ardilosa comigo! Você sabe que sou o único capaz de te fazer feliz!

— Sr. Farias! — Luíza respondeu, indignada — Você sabe muito bem que sou uma mulher casada! Pare de fazer esta cena absurda e mantenha o que lhe sobra de dignidade!

— Está havendo algum problema? — meti-me no meio da conversa, sorrindo de leve e olhando feio para Sr. Farias.

— Ah, querido! Que bom que chegou. Seja um amor e leve Sr. Farias ao seu carro. Acho que ele já se gastou o suficiente na bebida por hoje, não concorda?

— Está absolutamente certa. Vamos, Sr. Farias. Venha comigo.

— Largue de mim, seu porco! Meu terno vale mais que todos seus livros juntos!

— Sr. Farias! — Luíza respondeu à sua ofensa, novamente mostrando indignação — Você sabe muito bem que os livros dele são muito bons!

— Muito bons? — ele se pôs a rir — São lixo! Ele é tão ruim que nem conseguiu agradar críticos do Rio de Janeiro, minha cara! Você apostou no brinquedo errado!

— Pois bem, já chega — respondi, aborrecido, e peguei novamente Sr. Farias pelo braço e o levei à força para a porta da frente. Expulsei-o de casa e assisti enquanto ele tropeçou em si mesmo e caiu no chão do corredor.

— Você acha que consegue, rapaz? — ele comentou, chorando.

— Acho que consigo o quê?

— Ela, rapaz. Luíza. Eu a persigo já faz anos. Acho que você ainda era uma criança quando meus olhos encontraram-se com os dela. Uma moça de dezesseis anos, nascida no interior mas que veio à cidade com sonhos de teatro... era até mesmo bonito, de uma forma inocente. Lembro-me que a propus em casamento assim que se tornou dezoito, mas...

— Rodrigo, — respondi, franzindo o cenho e colocando os dedos às pálpebras

— não me interessa. Ela fará o que quiser, e eu não vou intervir.

— Onde está seu respeito, rapaz! — ele tornou-se novamente furioso — Eu que te apresentei Luíza, ou já se esqueceu? Eu que te tirei da rua! Eu que te tornei quem você é hoje, e você está tentando roubar de mim a mulher de meus sonhos!

Fechei a porta do apartamento, deixando Rodrigo gritando sozinho.

Entrei no clube e minha visão parecia a noite. Tudo era escuro demais para aquela hora do dia, e apenas luzes elétricas impediam-me de estar completamente cego. Garçons homens sem camisa serviam bebidas aos fregueses, em sua grande maioria mulheres. Achei que entrei no lugar errado, mas à distância vi Rodrigo acenando para mim. No palco, um homem de cabelos castanhos e olhos verdes dançava de calção. Dirigi-me à mesa de Rodrigo e sentei-me ao seu lado, tentando não olhar os garçons e atrações do clube.

— Rodrigo! — gritei indignado — Que lugar absurdo é este?

— É um cabaré alternativo! — ele gritou de volta.

— Por que raios estamos aqui?

— Luíza adora este lugar. Vem frequentemente com seu marido.

— E o marido permite que ela venha aqui?

— Pelo que entendo, sim. Ele não nega a ela muitas coisas.

— Verdade? O que, ele não sabe controlar a mulher que tem? — brinquei.

Rodrigo não disse nada e se contentou em ler o cardápio. Chamou o garçom e, evitando o olhar como eu, pediu um uísque forte. Pedi uma soda.

— Beba algo de verdade! — Rodrigo reclamou quando o garçom foi embora.

— Soda é algo de verdade. É feito com açúcar, e médicos recomendam açúcar para atletas quando eles têm dores musculares.

— Você quem sabe, rapaz... Ah! Aí vem ela.

Virei-me na cadeira e olhei para onde Rodrigo apontava. Descendo as escadas da entrada do clube estava uma linda mulher que parecia ter não mais que trinta anos. Seus cabelos loiros estavam presos num coque, e seus olhos azuis-claros não perdiam um relance de luz. Ela trajava um vestido verde-escuro que ia de seus ombros sem manga até os pés, quase arrastando-se pelo chão. Em seus pulsos estavam pulseiras de marfim e pérolas, e ao redor de seu pescoço colares discretos de prata. Em sua mão esquerda, notei, estava uma aliança de casamento com um enorme diamante. Ela acenou para Rodrigo com os dedos e andou apressada até nós, seus quadris movendo-se em ritmo com seus passos.

— Rodrigo, meu querido! Como vai!

— Vou excelente, minha cara. Excelente e melhor impossível! Diga-me, como você anda?

— Ah, Rodrigo, nem te conto. A vida no Rio é tão apressada! Carros voando pela avenida, buzinando até mesmo de noite e impedindo-me de dormir... mas eu não viveria de nenhum outro jeito. Rio é o melhor lugar para se estar, não concorda?

— Discordo plenamente. O melhor lugar para se estar é onde você se encontra, seja este Paris ou Marrocos.

— És um palhaço, Rodrigo! Um terrível palhaço!

— Não sei se sou tão engraçado assim, Luíza — Rodrigo ficou ruborizado, e tentou esconder o fato ao tomar um gole de seu uísque que o garçom havia acabado de trazer.

— Ah, mas é! Diga-me, rapaz, ele não é um completo palhaço?

— Eu... uh... não sei dizer, madame. Sou amigo de Rodrigo há apenas dois anos, não tenho como dizer sobre sua carreira como palhaço porque nunca o vi atuando nela.

Luíza se pôs a rir.

— Mãe divina! Estou rodeada de palhaços hoje! Que dia afortunado!

— Este, Luíza, este é quem eu te falei sobre. O próximo melhor escritor do Rio de Janeiro.

— Encantada — Luíza sorriu para mim, e seu sorriso derreteu-me por completo. Tomei sua mão e a beijei, e ouvi-a rindo de prazer.

— Veja só, meu novo palhaço também é um cavalheiro! Diga-me, cavalheiro, justamente o que você escreve?

— De tudo um pouco, se é para ser honesto. Gostaria de dizer que sou bom o suficiente para fazer o que quero, mas... céus, estou tão distante disso que chega a ser engraçado. Atualmente, trabalho no que quer que seja necessário para pagar meu aluguel.

— Então nada de obras-primas com seu nome?

— Nem mesmo com meu nome como revisor.

— Entendo. Você tem alguma obra sua?

— Não, infelizmente não — abaixei minha cabeça.

— Aqui — Rodrigo pronunciou-se, tendo terminado seu uísque. — Trouxe um dos textos que ele publicou na minha revista comigo. Bem, trouxe a revista em si, mas você entendeu.

Levantei a cabeça, surpreso, e fitei Rodrigo com apreensão. Ele piscou para mim e tornou sua atenção à leitura de Luíza, que pulava de linha em linha com velocidade assustadora. Por fim, ela fechou a revista e, sorrindo, olhou-me nos olhos e segurou minha mão. Tomei um gole de minha soda rapidamente de nervoso.

— Está interessante.

— Você acha?

— Acho. Não está lá grandes coisas, mas está bom o suficiente que eu vejo potencial em você.

— Então...

— Então?

— Bem... uh... Rodrigo mencionou que você procurava um artista para patrocinar. Achei que...

— Ah! Sim, claro. O mecenato. Rodrigo presta atenção demais em minhas palavras quando terminei minha terceira taça de vinho, temo dizer. Mas sim, gostaria de patrocinar um artista. Acho que seria uma excelente base para uma linda história, não concorda?

— Certamente. Uma linda história, com uma linda protagonista — sorri.

— Bem, eis minha proposta, querido — posso te chamar assim? Ah, não importa. Eis minha proposta: Em meu novo apartamento, temos três quartos. Um deles foi transformado no escritório de Cristian, meu marido. O outro, contudo, nós não sabemos o que fazer com, até que eu levantei a possibilidade de deixarmos um artista viver nele. Dar-lhe refeições boas e ver se assim ele tem mais tempo para seu ofício.

— Por que você faria isso? — perguntei, confuso.

— Pela caridade, talvez? Talvez pelo glamour de se patrocinar a voz de uma nova geração. Quem sabe? Você está interessado, querido?

— Certamente. Posso não entender a motivação, mas certamente estou interessado. Especialmente quando você mencionou refeições boas.

— Sabia que você ia gostar dessa parte! — Rodrigo riu-se — Nada como comida de verdade feita por chefs profissionais ao invés dessa gororoba que os pretos fazem, né?

— Certamente — ri de volta e terminei minha soda — Bem, quando posso me mudar?

— Mês que vem, querido. Mas por favor, mantenha seus comentários distantes de minha moradia.

— Como?

— Seus comentários sobre os negros. São desagradáveis de ouvir.

— Ah, desculpe. Eu... eu não sei o que deu em mim? — olhei para Rodrigo, mas ele deu de ombros.

— Está perdoado, querido. Bem, foi um prazer falar contigo novamente, Rodrigo, nos vemos semana que vem?

— Sempre que você quiser, querida. Só me chamar.

Rodrigo ainda estava gritando sozinho no corredor. Sacudi a cabeça, cansado, e dancei um foxtrote para poder caminhar entre a multidão até o bar. Um negro servia bebidas para os convidados. Pedi-lhe um Martini de vodca sacudido e tomei-o em silêncio enquanto observava a festa. Diversas senhoras, senhores e senhoritas dividiam o aposento, algumas conversando abafadamente, outras gritando opiniões aos ventos competindo com a música no gramofone, e alguns usando do gramofone para dançarem.
O negro atrás do bar continuou servindo aos convidados. Uma mulher de aproximadamente minha idade veio até mim, sorrindo sem discrição. Ela depositou seu vinho em meu ombro e eu pude notar que suas bochechas e orelhas estavam vermelhas. Ela dedilhou meu umbigo até meu peito e sussurrou algo inaudível em meu ouvido.

— O quê? — gritei para ser ouvido através do som do gramofone.

— Quer dançar? — ela gritou de volta.

— Não! — respondi sem rodeios.

— Vem comigo! — ela gritou de volta, e saiu andando para o escritório de Cristian. Duvidei se deveria segui-la, mas acabei me decidindo por ir. Dirigi-me atrás dela e entrei no escritório, fechando a porta atrás de mim. O aposento cheirava a tabaco e poeira, como era de se esperar. Livros de medicina enfeitavam as estantes e um esqueleto autêntico estava pendurado ao lado de uma escrivaninha com uma máquina de escrever muito mais bonita e cara que a minha depositada em seu topo. O piso, diferente da sala, era de madeira, e as paredes de veludo castanho-escuro. A mulher estava sentada no sofá  longo e confortável do escritório, ainda bebendo seu vinho. Ela bateu com a palma da mão no sofá. Andei até o sofá e sentei-me ao seu lado. Ela descansou o queixo em meu ombro e, sem dizer uma palavra, beijou minha bochecha.

— O que você está fazendo? — deixei escapar de nervoso. Movi meu ombro e ela endireitou-se no sofá, fazendo beiço para mim.

— Estou tentando ser amigável. Achei que um garoto como você gostaria de conversar com uma garota como eu. Sabe, como naquelas histórias que passam nos movie theatres.

— Desculpe, mas embora você seja adorável, não estou interessado. Tenho coisas importantes a fazer, se me permite dizer.

— Eu te conheço, sabia?

— Como? — observei-a com mais atenção, e subitamente meu sangue gelou. Se ela soubesse de meu passado antes de Luíza, certamente iria estragar minha reputação na festa e embaraçar-me na frente de todos meus possíveis colegas e leitores.

— Você é o autor que Luíza adotou — ela riu para mim. Ri de volta, e me levantei do sofá.

— De fato, sou o autor. Você acertou em cheio, querida.

— Também sei que você é péssimo — ela arriscou, mordendo seu dedão.

— Isso é discutível. Apenas os críticos não entenderam minha arte. Asseguro-lhe minha obra será vindicada pela história.

— Se você diz... honestamente, não vejo graça nisso. Mas acho autores tão... sensuais.

— Desculpe — respondi novamente, ajeitando meu terno e gravata — não estou interessado. Agora que tal você parar de beber? Acho que já está 'alegre' o suficiente por um dia.

— Você não gosta de mim? — ela perguntou, levantando seus braços e demonstrando seus sovacos lisos.

— Não — disse sem rodeios — Não tenho interesse em você.

— É por causa de Luíza, não é?

— Como? — levantei uma sobrancelha, tentando esconder meu medo. Podia sentir minha testa suar frio. Ela podia estar bêbada, mas ainda faria pessoas falarem. Se pessoas falassem, eu seria expulso com certeza.

— Você está apaixonado por Luíza, como todo cafajeste que se acha dono da verdade que passa por aqui. Vocês nouveau-riche não entendem as sutilezas de uma boa paixão, sabe. Se acham todos bem-aventurados e cheios de razão, mas não entendem nem qual garfo usar à mesa.

— Você está errada, querida. Tanto sobre essa acusação sem base quanto ao meu status social. Minha família é antiga em sua terra natal, e bastante poderosa. Meu sangue provavelmente é mais azul que o seu.

Peguei uma bebida que Cristian escondia no escritório e tomei um gole direto da garrafa. Era um Bourbon forte sem rótulo, mas que também tinha um delicioso gosto. Tomei outro gole para completar a surpresa, e fechei a garrafa.

Saí de meu quarto recém-adquirido, ainda me sentindo desconfortável. Aquela casa era bonita demais para alguém como eu. As estátuas eram meio bizarras, mas não se pode culpar alguém por ter gostos diferentes. Mesmo que esses gostos sejam estátuas de homens nus, suponho. Espreguicei-me na abertura da porta e tirei meu cachimbo de meu bolso do paletó. Já estava tirando o fumo quando gritei de susto ao ver Luíza sentada ao bar, observando-me com curiosidade enquanto fumava sua piteira.

— Vejo que resolveu retornar ao mundo dos vivos — ela riu e soltou anéis de fumaça.

— Desculpe por desaparecer por algumas horas, eu...

— Você ficou em seu quarto por três dias. Achamos que você tinha morrido.

— ... me entusiasmo quando fico inspirado. Mas já estou de volta ao normal, não se preocupe. Onde está Cristian?

— Foi trabalhar. Contra minha vontade, devo acrescentar. Até lhe ofereci carinho se ele ficasse, mas ele decidiu ir da mesma maneira. Gostaria de poder entender seu desgosto por mim.

— Bem, talvez ele não goste da decoração do apartamento que você escolheu — disse por alto, indo sentar-me ao bar.

— Não fui eu quem escolheu a decoração do apartamento, querido.

— Então... pensando bem, deixa para lá. Por que está fumando sozinha?

— Não tem ninguém com quem eu fumar. Bem, não tinha. Por favor, acenda seu cachimbo. Sirva-nos uma bebida também, que tal?

— Eu não bebo — respondi como que por reflexo — mas posso te fazer uma bebida — acrescentei, notando minha própria estupidez.

— Beber sozinha? Isso sim é o cúmulo da depressão! Vamos, querido, beba algo comigo. Temos os melhores vinhos do mundo, os melhores uísques! Até mesmo cervejas temos, para nossos convidados sem gosto.

— Bem, eu... suponho que possa beber uma cerveja.

— Excelente. Me faça um daiquiri de morango e beba a cerveja que quiser. Temos até bock, se esse for seu gosto.

— Acho que tomarei uma cerveja nacional mesmo. Não quero que desperdicem algo caro comigo.

Luíza concordou e me observou dar a volta para dentro do bar e pegar um copo de coquetel da prateleira invertida para copos, e os ingredientes da geladeira que ficava atrás do balcão. Misturei-os com cuidado e, satisfeito com minha própria obra, servi-os no copo e coloquei-o à frente de Luíza, que levantou o copo e esperou-me servir-me de uma cerveja. Contra minha vontade, voltei à geladeira e peguei uma garrafa de vidro da cerveja mais barata que achei — mas que ainda assim era bastante cara — e servi-a num copo. Ela não ficou com muito colarinho, felizmente. Brindei com Luíza e juntos sorvemos nossas bebidas. O gosto amargo da cerveja bateu em minha língua, e Luíza riu de minha careta.

— Que adorável! — ela comentou, deixando escapar fumaça — Você estava falando a verdade.

— Claro que estava — respondi, tentando novamente tomar um gole da cerveja — por que eu mentiria?

— Os motivos de sempre, imaginei. Querer parecer mais santo do que é. Querer parecer fraco. A lista é grande.

— Não tenho motivos, sinto informar.

— Certamente que não. Agora venha, fume comigo. Faça companhia à pobre Sra. Cruz.

— Sem querer ofender, mas a senhora não tem nada de pobre, madame. Acho que é mais bonita do que modelos de minha idade.

— És um doce, querido. Mas vamos, acenda seu cachimbo. Junte-se ao ócio da riqueza.

Preparei o cachimbo com seu fumo e acendi-o. Sentei-me ao lado de Luíza no bar e juntos fumamos, ela seus cigarros com sua piteira e eu com meu cachimbo e meu fumo brasileiro que custava Cr$1,81. Traguei em ritmo para manter o cachimbo aceso e ficamos ambos degustando o sabor do tabaco e álcool. Minha mente voou para café, já que sempre preferi o sabor do café ao fumar, mas álcool também era bom. Luíza deitou a cabeça em meu ombro e tragou sua piteira mais uma vez.

— Meu Deus — ela disse — Quando nossas vidas ficaram tão boas, querido?

— Quando te conheci — sorri-lhe, e ela sorriu de volta.

— É tão bom ter sua companhia, sabe. Precisa me mostrar no que estava escrevendo depois, mas... por enquanto, fique aqui comigo. Cristian não sabe o que está perdendo, não é mesmo?

— De fato, não sabe. Mas suponho que é parte do trabalho, afinal. Não que ele não pudesse faltar. Não é como se ele fosse um médico, não é mesmo?

— Na verdade ele é médico.

— Ah — parei por um momento, confuso — Bem, ainda assim, ele não te merece, querida.

— És um amor, querido.

— Menos do que você imagina, infelizmente — respondi e continuei a tragar meu cachimbo.

A moça me observava com curiosidade. Tornei a abrir a garrafa secreta de Cristian e bebi mais um gole, desta vez mais longo que o comum. Comecei a me sentir tonto, mas não era muito importante. Sentei-me novamente no sofá e a moça colocou suas mãos em minhas bochechas.

— Você está bem, moço? Está vermelho como um tomate!

— Estou bem sim! — respondi, irritado — Me deixe em paz, raios! Será que não entendem o conceito da privacidade?

— Mas que rude! — a garota respondeu e me deu um forte tapa através das bochechas. Enquanto acariciava minha bochecha dolorida, ela recolheu seus pertences e saiu do escritório a passos largos, com o nariz para cima. Depois que ela saiu, Cristian entrou e fechou a porta atrás de si, sorrindo para mim como se soubesse o que tinha ocorrido.

— Noite difícil? — ele perguntou, colocando as mãos nos bolsos das calças e levantando os ombros.

— Não, noites nunca são difíceis. Difíceis são as pessoas que as habitam.

Cristian soltou uma risada com minha frase e sentou-se ao meu lado, massageando meu ombro.

— Sabe, Cristian — comecei a falar, pegando a bebida que Cristian trouxe e a colocando em minha bochecha — você não sabe a sorte que tem. Uma mulher que te adora, uma casa inacreditável, o status que você consegue... e enquanto isso eu nem ao menos consigo fazer um livro que preste.

— Não fale assim. Seu livro só teve alguns problemas. Sempre haverá o próximo, não é mesmo?

— Sim, mas... ele não será o primeiro. Ele não terá o suporte que eu recebi. Ele não será tão grande quanto este foi, simplesmente porque este não vendeu. Eu tinha uma oportunidade perfeita para mudar minha vida para melhor, e a desperdicei tentando agradar... — parei de falar.

— Agradar a quem? — Cristian perguntou, se aproximando de mim.

— Meu ego — menti — tentando agradar meu ego besta. Obrigado por me ouvir. Já me sinto melhor.

— Não há de quê, meu caro. Agora venha, Luíza está procurando por você.

Saí do banho frio com meu corpo todo tremendo. Enrolei uma toalha ao redor de meus quadris e notei que havia esquecido de trazer minhas roupas para o banheiro novamente. Se bem me lembro, a casa estava vazia a esta hora do dia. Marilda já foi para casa, Cristian ainda estava no trabalho e Luíza tinha saído com suas amigas para o centro da cidade. Abri a porta e saí, dirigindo-me rapidamente ao meu quarto.

— Que espetáculo! — gritou a voz de Luíza. Meu sangue congelou de imediato, e me virei para ver Luíza sentada numa das poltronas da sala, me olhando de cima a baixo.

— Achei que você estava na rua — tentei explicar.

— Estava. Voltei quando você estava no banho.

— Bem, desculpe por você me ver desta forma indecente. Irei ao meu quarto — pude sentir minhas bochechas estarem vermelhas.

— Não! Não faça isso. Fique aí mesmo, rapaz!

Parei de andar e olhei para Luíza confuso.

— Por quê?

— Você seria um excelente modelo para pintar!

— Não.

— Sim!

— Não.

— Sim! — ela se repetiu, tirando minha toalha.

— Ei! Devolva isso!

— A cena é perfeita, meu querido! O homem construído como um Adônis pelas tribulações da vida, fumando em ócio para comemorar sua fortuna ganha por seu puro suor. Não concorda que seria uma pintura magnífica?

— Não me importa, seria terrivelmente embaraçoso!

— Não seja tão envergonhado! Você tem um corpo perfeito para se pintar!

— Não me interessa! Devolva minha toalha!

— Pare de ser tão mesquinho! Eu motivo suas artes, motive as minhas!

— ... Por que você está fazendo isso comigo? — perguntei, entreabrindo os olhos.

— É para seu próprio bem, querido. Agora seja um amor e vá pegar seu cachimbo e sente-se no sofá.

— Posso recusar o pedido?

— Não.

— Então não é bem um pedido, certo?

— Se você quer ser rude, certo.

Suspirei, sentindo-me acima de envergonhado, derrotado. Caminhei até meu quarto e recuperei meu cachimbo de meu armário junto com meu fumo e minha soqueira. Levei-os todos para a sala e sentei-me na poltrona à frente de Luíza, que estava arrumando o cavalete junto com as tintas a óleo e a tela. Abri meu pacote de tabaco e o cheiro me lembrou um pouco os cigarros Marlboro que estava fumando quando acordei.

— Não, não! — Luíza gritou, pegando meu saco de fumo e levando-o para a cozinha. Ouvi a lixeira abrir e fechar, e vi Luíza retornando com um pote de metal cilíndrico em mãos. Ela me entregou o pote e, sorrindo, voltou a acertar seu arsenal de pintura. O pote tinha escrita japonesa ou chinesa — não conseguia distinguir de forma alguma — em seu rótulo e, ao abrir, senti o cheiro pungente e forte de tabaco fresco.

Pisquei de surpresa e olhei para Luíza.

— Como que o tabaco está tão fresco?

— Segredo dos orientais, pelo que sei — ela disse sem rodeios — Mas achei que você iria gostar de um fumo mais prestigioso que não se pode comprar na loja de conveniência da esquina.

— Meio desconfortável fumar nu, sabe.

— Tenho certeza de que você consegue, querido.

— Bem, você podia ao menos me incentivar.

— Como assim?

— Bem, eu estou aqui, nu, envergonhado, e possivelmente imortalizado em minha vergonha por seu óleo. Você podia ao menos ficar na mesma situação que eu.

— Ah! Céus, não. Não seria próprio de uma dama. Mas compreendo sua apreensão, querido. Não se preocupe, não é a primeira vez que faço isto. De fato, todas as pinturas desta casa eu mesma quem fiz.

Olhei ao redor uma outra vez. Pinturas de homens — gordos, magros, fortes, esqueléticos — decoravam a casa, alguns em poses orgulhosas, outros em poses acuadas. Todos estavam nus.

— Isso vai me acalmar — comentei, enchendo o fornilho do cachimbo.

Por fim, Luíza terminou de arrumar seu cavalete e tela e começou a ajustar minha pose. Ela me fez cruzar as pernas, descruzá-las, por a mão ao queixo, retirar, cruzar os braços, descruzar, abrir as pernas — definitivamente fechá-las, mostrar os pés, escondê-los, alternar entre confiante e amedrontado, e por fim, decidiu minha pose. Minha perna esquerda estava repousada sobre minha direita, com meu ombro esquerdo repousado sobre esta e meu queixo em minha mão. Com minha mão direita, eu tragava meu cachimbo tentando parecer distraído. O cachimbo estava fervendo de quente de tanto que o tragava de nervoso.

Entrei de volta à festa e vi o quadro que Luíza fez de mim pendurado atrás da televisão, demonstrando a todos meu corpo. A face podia ser diferente, mas o corpo era definitivamente meu. Procurei na multidão pelo rosto suave dela, mas assim como Cristian, fracassei em minha tarefa. Voltei ao bar, onde acenei para o negro e lhe pedi um gim-tônica. Ele desapareceu debaixo do bar e ressurgiu com um copo e um misturador e, sorrindo para uma garota ao meu lado, fez minha bebida e a serviu. Tomei-a em silêncio, apenas ouvindo as conversas ao meu redor, quando senti uma mão ser depositada em meu ombro. Tornei na direção da mão e vi Luíza sorrindo para mim, acompanhada de Cristian.

— Querido! Que bom que te achei! Estava te procurando por toda parte!

— Bem, você achou. E vejo que Cristian também me achou. Viva por isso também, suponho.

— Não seja sarcástico — Luíza retrucou — Cristian estava apenas me ajudando. Não é mesmo, Cristian?

— Sim, de fato! Eu apenas estava ajudando-a, colega. Não precisa ser tão rude.

— Certo, certo... desculpe-me, querida. Estou apenas um pouco rabugento. Diga-me, por que tanto me procura?

— Minha amiga acaba de chegar. Ela seria perfeita para você, aposto! E você definitivamente irá gostar muito dela, meu querido. Ela é uma pintora e acaba de ingressar nos círculos da alta arte!

— Não estou interessado — respondi bruscamente. Virei-me de volta ao bar e continuei a tomar meu gim-tônica.

— Como você pode ser tão rude! — Luíza levantou a voz, puxando-me novamente para olhar-lhe — Estou sendo uma excelente anfitriã e amiga, e assim que você me agradece! Com gestos rudes e barbáricos!

— Desculpe, querida. Eu... só não estou interessado, tudo bem?

Meu cachimbo estava quase terminando quando Luíza entrou no quarto, usando um vestido de gala glamoroso preto que brilhava sob a luz da sala. Ela me pegou pelas mãos e me levantou do sofá, me puxando pelo aposento até a cozinha.

— Venha, querido! Venha! É maravilhoso! Já sei como te animar!

— Você inventou uma máquina do tempo? Porque estou bastante certo de que isso não acabou bem no Além da Imaginação.

— Não seja tolo! Vamos dar uma festa! Convidei todos meus amigos e todas as garotas da cidade. Vai ser um baile inesquecível. E após uma festança dessas, quem irá se lembrar de umas críticas cruéis de uns zés-ninguéns?

— Todo mundo que não foi convidado? — perguntei para mim mesmo.

— Bobagem, querido. Vamos, você irá adorar. Sem contar que vai tirar sua mente dessas críticas chatas que tanto te aborrecem.

— Sendo honesto, Luíza... não são as críticas que me aborrecem.

— Como assim, querido? Você não estava excitadíssimo para o livro?

— Sim, estava, mas... Não é mais tão importante. Eu não quero tanto assim ser um escritor publicado, se me permite ser honesto. Eu quero... você.

Luíza ficou em silêncio. Observei-a pelo que pareceram horas, e vi sua expressão séria lentamente se tornar um sorriso mal contido até se tornar um sorriso completo e, por fim, uma gargalhada.

— Céus, querido! Assim você me deixa sem ar! Não faça piadas assim comigo, meus pulmões já não são mais o que eram!

— Estou falando sério — respondi impassivelmente, ainda a fitando nos olhos.

Ela ainda tinha seu sorriso nos lábios, como se tirasse deleite da situação.

— Vamos, querido... a piada foi boa, mas já chega.

— Não estou fazendo uma piada! — levantei a voz, ficando irritado. Pus minhas mãos no traseiro de Luíza e a puxei para perto e a beijei profundamente. Ela nem moveu os lábios.

— Seu porco! — ela gritou e me deu um tapa — Porco! Porco! Não sabe o que é apenas uma amizade, seu bastardo inapropriado?

— Mas... eu... — esfreguei minha bochecha dolorida em absoluta surpresa.

Meu coração estava afundado e furado, e eu não conseguia mais senti-lo bater forte.

— Eu sou leal ao meu marido, seu porco. Agora peça desculpas! — ela gritou.

Seus olhos não expressavam um pingo de raiva.

— Me... me desculpe.

— De joelhos, homem.

— Como?

— Você não quer pedir desculpas? Fique de joelhos.

— Você está gozando de minha cara, certo?

— Não.

Pisquei duas vezes, mas decidi que era melhor atender seu pedido. Uma perna após a outra, ajoelhei-me diante de Luíza.

— Por favor, Luíza, me perdoe. Eu estava errado.
Luíza abraçou minha cabeça e sussurrou para mim com um tom de voz satisfeito.

— Está perdoado, querido.

Luíza estava me observando beber meu gim-tônica até o fim, mas não ousou dizer uma palavra. Terminei-o e coloquei o copo de volta no bar, e por fim ela se pronunciou.

— Que tal você vir conhecer a pintora, querido? Você vai amá-la.

— Que tal você ficar comigo? — retruquei, já me sentindo bêbado — Você vai me amar.

— Não seja tolo — Luíza respondeu rispidamente.

— Não estou sendo! Estou cansado de ficar escondendo o que sinto! Eu te amo, cacete! Fique comigo e largue esse boiola que você chama de marido! Isso mesmo, Cristian! Você é um boiola! E eu quero sua esposa!

— Eu... eu sei que você quer Luíza, colega. Todos sabem.

— Vocês... vocês sabem? — me senti traído. Como eles poderiam saber? Por que não fizeram nada!

— Sim, sabemos — Luíza respondeu — Já sabemos há meses. Achei que você ia superar isso com o tempo, querido.

— Não me chame de querido — respondi — apenas... me deixe em paz.

— Se é o que deseja... — Luíza disse em tom pesado — Venha, Cristian.

Vamos falar com os outros convidados. Você vai ficar bem, não é querido?

Não respondi. Levantei-me da cadeira ao bar aos tropeços e caminhei vagarosamente pela casa. Pinturas de homens nus e estátuas de homens nus estavam ao meu redor, cada uma mais obscena e irritante que a outra. A música de jazz ainda tocava no gramofone, irritando-me profundamente, e algum bastardo ligou a televisão no volume máximo numa reprise de Leave it to Beaver. Eu não aguentava mais. Peguei o objeto mais próximo de mim e joguei-o na televisão. Apenas vi de relance o reluzir de um objeto cilíndrico e alto e dourado antes dele bater de frente na televisão e a despedaçar, silenciando a terrível série. Todo o aposento ficou em silêncio, excetuando-se o gramofone. Andei a passos largos até a televisão e, indo para trás dela, cheguei à pintura que Luíza fez de mim. Peguei na lona com as duas mãos e puxei com força, rasgando por completo a obra. Ouvi Luíza gritando comigo, mas não consegui entender uma palavra do que disse. Estava tonto demais, bêbado demais. Minha visão ficou turva. Subitamente, tudo estava na mais absoluta escuridão.

Acordei deitado no chão com o sol brilhando em meu rosto e uma terrível ressaca capaz de explodir a mente. Abri os olhos lentamente e cobri-os com meu braço ao sentir a dor escaldante da luz do sol sobre eles. Levantei-me do chão que estava coberto de vômito, copos, casacos e outros apetrechos da festa da noite anterior. A casa inteira estava uma bagunça. A televisão tinha a estátua do pênis que Luíza comprou com alegria dentro de si, e atrás dela a lona de minha pintura estava rasgada e aos pedaços. Olhei para o sofá, e vi Luíza e Cristian fitando-me. Cristian parecia preocupado e triste. Luíza parecia impassível.

— Você fez uma bagunça e tanto — Luíza disse sem rodeios — já arrumamos suas malas.

— Entendo. Desculpe... por tudo que causei. Irei para um motel qualquer.

— Não tão rápido — ela continuou — Conversei com Cristian sobre o assunto, e tenho duas propostas.

— ... Pois bem. Diga.

— Você pode ficar sem teto novamente e voltar à barbaridade que chama de vida, longe de minha proteção... ou você pode ficar aqui e ser perdoado, mas com uma condição.

— E qual é a condição?

— Você nunca mais fará algo tão embaraçoso novamente, e escutará o que tenho a dizer sem pestanejar. Se eu te disser para sentar, você irá sentar. Se eu te dizer para pular, você irá pular. Entendido?

— E Cristian está contente com essa proposta?

— Ele concorda com o que eu quiser — Luíza interrompeu Cristian antes que ele pudesse falar — Qual é sua decisão?

Pensei por alguns minutos na proposta. Meu coração ainda palpitava de angústia e desejo por Luíza, e só de ver suas pernas lisas tão perto de meu rosto já me deixava angustiado. Por fim, cheguei a uma conclusão.

— Acho que irei para um motel — disse sem rodeios — Vocês foram excelentes pelo tempo que passei convosco, e agradeço por isso. Mas... não posso aceitar tamanha hospitalidade.

— Mas... — Luíza começou a falar, surpresa — você prefere voltar à classe baixa a seguir minhas regras?

— Não é que eu prefira — menti — É só que... eu não quero mais ser um fardo, querida. Sempre me lembrarei de você, mas eu preciso seguir meu próprio caminho agora.

— Pois... Pois bem! Vá! Pegue suas malas e saia de minha vista!

Levantei-me com dificuldade do chão, com minha cabeça ainda latejando de dor, e andei até as malas que fizeram por mim. Eram três, como no dia em que cheguei, marrons e de couro. Peguei as três e parti para a porta de entrada do prédio. Rodrigo não estava mais no corredor, o pobre bastardo. Virei-me para Luíza e Cristiano, e acenei um último adeus. Apenas Cristian acenou de volta. Notei pela primeira vez que a porta do quarto de Luíza e Cristiano estava aberta, e dentro só havia uma cama de solteiro. Cristiano continuou acenando, e eu acenei de volta, triste. Os olhos de Cristiano pareciam lacrimejar. Os de Luíza, contudo, mostravam para mim pela primeira vez melancolia.
[close]

Achei bem legal, teve horas que ficou uma confusão na minha cabeça, já que ficou aquela espécie de volta no tempo. E não avisa nada kkkkkkkkkkkkk.

Caramba e meu Deus, acho que já li uns quatro textos seus e dois deles tinham a palavra pênis no meio kkkkkkkkkk. É sua inspiração, não pode faltar?

Achei muito legal, e estranho o modo da Luíza,  em ser mandona...E decorar sua casa com homens nus.

E no final você colocou Cristiano, sendo que todo o texto é Cristian. Isto não é um erro né?
(Sei que pode ser apenas para não ficar falando o nome inteiro durante todo o texto)

Bem é isto aí, vou ler outros textos seus quando tiver mais tempo. Até.
  

Citação de: felipefalcon online 21/07/2013 às 02:15
E no final você colocou Cristiano, sendo que todo o texto é Cristian. Isto não é um erro né?
(Sei que pode ser apenas para não ficar falando o nome inteiro durante todo o texto)

Sim, totalmente é proposital. De forma alguma é um erro cometido porque eu escrevi durante 12 horas seguidas para terminar este conto e me esqueci completamente de fazer qualquer tipo de edição de conteúdo após terminar a edição de formatação. Nem sei porque você pensou nisso.

De qualquer forma, que bom que gostou. Sempre gosto de ver gente apreciando meus textos.