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O Maldito [+16]

Iniciado por VincentVII, 19/10/2013 às 19:06

Tirei essa ideia de uma antiga série de terror que passou no SBT, A Hora do Arrepio. The Nightmare Room para quem gosta do títulos em inglês. Não teve muita fama e fechou com apenas 13 episódios. Coloquei ali em cima +16 porque tem vários palavrões, mas não acho que seja pra tanto. Já vou avisando que tem 11 páginas e sei que muitos irão apenas olhar o texto e apertar o X. Quem quiser chegar até o fim, eu agradeço.

E boa leitura!

O Maldito

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- Eduardo Gomes! – um dos fiscais chamou meu nome!
- Eu! – gritei em resposta.
O fiscal fez um gesto para que eu me aproximasse. Dessa vez tinha sido rápido, não tive que esperar mais de dez minutos depois que as provas de direção tinham começado. Enquanto eu me aproximava do fiscal senti que as outras pessoas estavam me observando e por instinto puxei as mangas do meu casaco. Não era o tipo de olhar banal que a gente dá quando vê alguém sendo chamado. Eles tinham reconhecido meu nome. "Saco! Até quando vão lembrar disso?", pensei. Tá certo que aquilo não tinha acontecido há muito tempo, mas mesmo assim...
Abanei a cabeça e afastei aquela memória da minha mente. Não era hora para pensar nisso! Tinha que ficar concentrado e tranquilo, era a minha última chance de fazer a prova antes que o meu processo vencesse depois de amanhã. Se eu não passasse teria que fazer as aulas tudo de novo.
O fiscal era um homem alto, moreno e bem magro. Devia ter lá pelos seus trinta anos. Ele segurava uma prancheta e estava usando óculos escuros. "Igual aquela vez!", acabei me lembrando mesmo sabendo que não deveria ficar pensando no ocorrido. O homem me entregou a minha identidade e me perguntou:
- Sabe qual é o seu carro?
Olhei para a pista e encontrei o carro que meu instrutor tinha estacionado. Apontei para o veículo e fomos até ele. Atrás de nós vinha a segunda fiscal, uma mulher baixinha e gorda. Sempre eram um homem e uma mulher, não sei o porquê, devia ser alguma regra maluca do DETRAN. O fiscal falou para eu entrar no carro e ir me preparando. Fiz todos os passos básicos: ajustei o banco, os retrovisores, pus o cinto e aguardei. O fiscal ficou lá do lado de fora anotando alguma coisa na prancheta e conversando com a mulher. Depois um outro cara chegou no carro, conectou um dispositivo no painel, tirou as nossas digitais e foi embora. Respirei fundo, estava chegando a hora!
O fiscal ainda ficou um tempo lá fora. Pegou o celular e discou um número. Não pude deixar de ouvir a conversa.
- Alô, amor? O Leco melhorou? Um pouco? Que bom! Na hora do almoço eu passo aí no hospital. Tá! Fale pra ele que o papai mandou um abraço. Certo, tchau!
- O Leco ainda tá doente? – a mulher baixinha perguntou quando o cara desligou o celular;
- Sim! Mas a Patrícia disse que a tuberculose já tá melhorando. Se Deus quiser ele tem alta amanhã.
- Tomara!
Os dois pararam de conversar e fiscal entrou no carro. A mulher ficou lá fora para fazer a vistoria.
- Então, Eduardo, tudo pronto? – perguntou o fiscal num tom amigável.
- Sim!
- Então, pode ligar o carro!
Liguei o motor e o fiscal me mostrou o cronômetro. Eu tinha que por o carro dentro da baliza em quatro minutos. Segui todos os passos que meu instrutor tinha me ensinado e estacionei o carro quase que perfeitamente. Num certo momento, quando esqueci da inclinação da pista, deixei o carro escapar um pouco para trás mas não acertei nenhum dos cones. Esse erro fez minha perna começar a tremer de nervosismo, mas depois consegui me acalmar. Quando puxei o freio de mão o fiscal me elogiou dizendo que não perdi nenhum ponto. Isso era ótimo! Então ele falou que eu podia tirar o carro. Essa parte era mais fácil já que não tinha limite de tempo e tirei uns segundos para me acalmar e relaxar a perna. Tirei o carro da baliza e esperei a mulher entrar e sentar no banco de trás.
- Muito bem, Eduardo! – disse o fiscal – Fez tudo certinho, só deixou o carro dar aquela escapada no começo, mas não perdeu ponto. Podemos ir para o percurso?
- S-sim! – concordei ainda um pouco nervoso e comecei a sair.
Da primeira vez que tinha feito a prova eu tinha sido reprovado no percurso. Era a parte que eu tinha mais dificuldade desde quando comecei a fazer as aulas práticas. Eu sempre me esquecia de dar seta, passava a marcha errado ou atrasava muito na rotatória. Eu ficava com tanto medo de fazer besteira que acabava me complicando.
Quando eu fiz a primeira prova eu cometi um erro muito bobo, esqueci de olhar para o retrovisor quando saíamos para a rua. A fiscal, daquela fez era uma mulher loira também de óculos escuros sentada no banco da frente, me tirou dois pontos e falou para eu prestar mais atenção. Não discuti com ela porque realmente eu tinha errado. Fiz uma nota mental para que não cometesse o mesmo erro no decorrer da prova.
Fiz o resto do percurso tranquilamente, até chegar na droga da ponte. Naquela parte do percurso a gente tinha que olhar para a direita para ter certeza que não tinha nenhum pedestre ou ciclista saindo. E eu olhei para a direita! Isso era a única coisa que eu nunca esqueci de fazer durante as aulas. Só que a vagabunda da fiscal falou que eu não tinha olhado. Perdi mais dois pontos e como só podia perder três, fui reprovado! Eu fiquei muito irritado e, então, foi aí que aconteceu o...
"Para de pensar nisso, imbecil!"
Droga! De novo voltei a me lembrar da cena. Tenho que manter a mente limpa se não vou perder a concentração. Respirei fundo e segui com o percurso. Chegando ao mesmo lugar que tinha perdido os dois pontos da última vez, me certifiquei de olhar para o retrovisor. Passado isso, tudo foi ocorrendo bem. Passei a marcha direitinho, mantive uma boa velocidade e passamos da ponte. Agora vinha a hora da rotatória. E ia dar tudo certo, eu espero!
Havia carros demais na rua e eu fui obrigado a parar e botar a primeira marcha de novo. Não gostava quando ocorriam esses imprevistos no meio do percurso, era mais chance de eu fazer algo errado. Mas por outro lado eu tinha um tempo para clarear a mente e ficar tranquilo. Já tinha passado da metade do percurso, agora era só fazer a rotatória, atravessar a ponte de novo e voltar para o local de prova. Se eu não fizesse nenhuma besteira a minha carteira de motorista estava garantida.
O fiscal olhou para fora da janela e soltou um gemido impaciente ao ver que o trânsito estava lento. Não era comum acontecer isso de manhã, íamos ter que esperar um bom tempo. Olhei para o espelho retrovisor e percebi que a mulher baixinha estava me encarando como se estivesse se lembrando de ter me visto em algum lugar. Puxei as mangas do meu casaco temendo que ela visse uma das marcas. Então a boca dela começou a abrir numa pergunta e eu rezei para que não fosse aquela pergunta.
- Ei! – ela começou – Você não é aquele garoto, aquele do carro que explodiu?
"Merda!", pensei irritado. O fiscal se virou no mesmo momento.
- Cacete, é você? Bem que eu pensei que te conhecia de algum lugar. Achei que você estava no hospital...
- P-por f-favor! – gaguejei – Eu não quero falar disso!
- Ah não, tudo bem! – disse ele se desculpando – Foi mal!
- Me desculpa ter perguntando também! – a mulher baixinha falou lá de trás – Deve ser difícil para você voltar a fazer a prova depois daquilo.
Assenti nervoso e o carro ficou num silêncio constrangedor. Agora já era tarde demais, o assunto foi trazido à tona e não podia voltar mais para as profundezas da minha mente. Olhei para frente e as imagens daquele dia começaram a surgir na minha frente.
- Eduardo, você não olhou para o retrovisor de novo! – disse a fiscal enquanto pisava no freio – Eu te alertei sobre isso.
- Não! Eu olhei sim! – protestei.
  Ela só fez que não com a cabeça.
- Eu juro que olhei!
- Me desculpe, mas sua prova acaba por aqui! Saí do carro e troca de lugar comigo.
- MAS EU OLHEI! – minha voz soou muito mais alto do que deveria – Diz para ela – virei para o cara que estava sentado no banco de trás – Fala pra ela que eu olhei!
Mas o desgraçado só deu de ombros dizendo que não viu nada. E aí que minha personalidade explosiva entra em ação. Eu geralmente sou um cara muito bacana e pacífico, mas se tem uma coisa que odeio, odeio mesmo, é quando me acusam de algo que eu não tenha feito. E quando vi que ia ser reprovado por causa de um erro que não cometi, meu sangue ferveu e eu simplesmente perdi a cabeça.
Saí do carro socando a porta e gritando:
- Eu olhei pra porra do retrovisor! Olhei duas vezes!
- Me desculpe, mas eu não vi você olhando nenhuma fez. E eu tinha te avisado para prestar atenção!
- Mas eu tô falando que olhei!
- Então como eu não vi?
- Porque você tá com essa merda de óculos escuros na cara!
- Quer ficar calmo? Gritar não te ajuda em nada! Você foi reprovado, acontece!
A mulher passou por mim, ignorando todas as minhas alegações, se sentou no banco do motorista e ligou o motor. Depois olhou para mim e disse:
- Agora, por favor, quer entrar no carro, Eduardo!
Mas eu não obedeci.
- Entrar no carro o caralho! – dei meia volta e comecei a me afastar do veículo.
A fiscal saiu e ficou de pé do lado da porta.
- Eduardo, quer fazer o favor de voltar para o carro? Você está exagerando!
- É, cara! Não faz isso! – disse o outro cara do banco de trás – Isso só tá piorando as coisas pra você.
- Quer entrar no carro, Eduardo? – a fiscal repetiu.
Eu parei e me virei para os dois com a expressão mais irada de todos os tempos.
  - Eu quero mais é que vocês e esse carro se explod...
E isso foi a última coisa que me lembro daquele dia. Antes que eu pudesse terminar a frase houve um barulho muito alto seguido de um forte clarão. Eu fui lançado para trás e alguma coisa atingiu minha testa. Quando cai no chão já tinha perdido a consciência.
Acordei dois dias depois numa cama de hospital, tomando soro e com um médico checando meu estado. Minha cabeça lateja e eu senti meus braços arderem. Os dois estavam enfaixados e havia um curativo grande na minha testa. Demorei um bom tempo para entender o que estava acontecendo e precisei ouvir a explicação de um médico, dos meus pais, dos bombeiros, da polícia e da televisão.
O que aconteceu no dia da minha prova pareceu uma cena de filme de ação.
Aparentemente houve um vazamento no tanque de gás do carro ou coisa parecida e como o motor estava ligado ele acabou explodindo. Não fiquei muito convencido com essa explicação, mas foi o que todos disseram então acreditei. Por sorte eu estava numa distância considerável do carro quando ocorreu a explosão, não recebendo ferimentos graves. Só fui lançado para trás. Meu corpo se protegeu automaticamente colocando os braços na frente do rosto então tive queimaduras de segundo grau nos membros. Porém um dos fragmentos do carro conseguiu atingir minha cabeça, abrindo uma ferida que teve que levar sete pontos e me deixando desacordado.
Os fiscais... eles foram carbonizados na hora! Eles não tiveram chance alguma!
Depois que acordei tive que responder dezenas de perguntas para a polícia e para os bombeiros (e também para o jornal local que estava cobrindo a notícia). Tanto as perguntas quanto as respostas eram sempre mesmas.
Por que você não estava no veículo na hora da explosão? Fiquei bravo por ter sido reprovado e saí do carro.
Você sentiu o cheiro do gás enquanto estava dentro do veículo? Não!
Você conhecia os fiscais? Não!
Você acha que possa ter havido alguma espécie de sabotagem? Não sei!
Você bláblábláblá? Não! Não! NÃO!

Depois de um tempo levei alta do hospital e fiquei umas semanas com os braços enfaixados. Quase que eu não conseguia mexer as mãos. Depois tive que ficar uns meses fazendo fisioterapia para recuperar o movimento delas. Ainda tenho as marcas, principalmente nos braços, e por isso as pessoas conseguem me reconhecer tão facilmente. Tive que passar a usar casacos para escondê-las.
Mas o problema não são os danos físicos, mas os mentais. Sobreviver a uma explosão não é algo que se esquece tão facilmente, ainda mais quando ela acontece quando você estava prestes a dizer "Eu quero mais é que vocês e esse carro se explodam!". Não consigo deixar de pensar nisso, foi uma coincidência macabra demais.
E, para piorar, não foi a primeira vez que algo assim aconteceu comigo. Durante toda minha vida eu presenciei uma série de acidentes um tanto bizarros.
Começou quando eu estava no jardim de infância. Naquela época eu tinha o costume de levar bonecos para a escola para brincar com meus amigos. Um dia estávamos um amigo meu e eu brincando com eles. Eu tinha trago o meu favorito, um cavaleiro de armadura e com peças articuladas que meu avô tinha me dado de aniversário no ano passado. Foi o último presente que ele me deu antes de morrer de câncer. Estávamos tão entretidos na brincadeira que nem percebemos que o Pedro tinha se aproximado da gente. Pedro era um garoto meio grande para idade que era temido na escola por ser do tipo valentão. Quando ele viu meu cavaleiro chegou logo metendo a mão e pegando ele.
- Nossa, que boneco legal! É meu!
- Não! – eu gritei em protesto – Me devolve!
Tentei pegar o boneco de volta, mas Pedro me empurrou e eu caí de bunda no chão. Ele começou a rir e eu fiquei irritado (eu já era temperamental naquela época) e fui para cima dele girando os braços. Infelizmente um dos meus socos acertou Pedro, o que o deixou bem irritado.
- Ah é? Você quer ele de volta? Então toma!
Então ele segurou o boneco com as duas mãos e puxou-o com força. O pescoço se quebrou no mesmo instante e a cabeça saiu rolando pelo chão. Vendo que meu boneco preferido tinha sido quebrado eu comecei a chorar, eu era só uma criança. Pedro caiu na risada. Contei para a diretora e ela ligou para a mãe dele. Pedro ficou de castigo e a mãe dele disse que ia comprar outro boneco igualzinho para mim. Mas isso não me fez ficar menos bravo com ele. Pedro não tinha só quebrado meu brinquedo favorito, ele tinha quebrado uma das memórias que eu tinha do meu avô. E isso não é algo que se pode comprar em qualquer loja. O boneco do cavaleiro era muito mais do que um brinquedo para mim.  Desejei que tudo de ruim acontecesse com o Pedro.
Depois daquele dia Pedro não mexeu mais comigo, mas eu continuei muito bravo com ele. Porém num belo dia ele não foi para a escola, e no dia seguinte também não, e nem no seguinte, nem na outra semana. Eu e outros alunos ficamos felizes pelo valentão da escola ter sumido, mas também ficamos muito curiosos do porquê desse desaparecimento. Nos disseram que a família dele tinha se mudado, mas anos depois eu descobri a verdade por meio dos meus próprios pais. Pedro tinha caído da escada e quebrado o pescoço... assim como o meu boneco do cavaleiro!
E não parou por aí. Muitas pessoas que eu conheci tiveram acidentes semelhantes. Um professor que me tinha me dado zero por ter achado que eu colei na prova, mesmo eu dizendo que tinha sido o outro aluno que tinha copiado as minhas respostas sem eu saber, morreu de envenenamento alimentar. Um garoto que me deu um soco no olho durante o ensino médio por  eu ter tentando defender um amigo meu ficou cego ao ser atingido por um foguete de festa junina. O ex-chefe que demitiu meu pai e quase fez a minha família perder a casa morreu num incêndio no prédio dele.
A mais recente foi minha ex-namorada. Estávamos namorando há quase um ano quando descobri que ela estava me traindo. Outra vez pareceu cena de filme. Cheguei um dia na casa dela de surpresa, tinha acabado de chegar da fazendo de um tio meu, e a encontrei transando com um garoto mais velho da rua dela no sofá. Piranha!
E nem foi a traição que me deixou puto. O que me deixou mais irritado era o fato de que, quando eu tentei alguma coisa com ela, a vadia teve a cara de pau de me falar que estava se guardando para o casamento. Não acredito que caí nessa conversa!
O pior é que quando a gente descobre um segredo a gente descobre todos. Depois disso fiquei sabendo que ela já tinha rodado no... vamos dizer "na mão", de metade dos caras da rua dela. Ainda consigo sentir o peso dos mil chifres brotando na minha cabeça.
Semana passada descobri que ela pegou AIDS e acho bem feito. Agora ela aprende a não se deitar com cada coisa que ande em duas pernas e saiba dizer oi.
Talvez sejam só coincidências, mas não posso deixar de pensar que eu estou sempre em lugares que acontecem coisas ruins. Ou talvez coisas ruins acontecem por que eu estou lá... chega de pensar nessa história! Eu tenho uma prova para passar e isso só está me deixando mais nervoso
Finalmente chegou a minha vez de fazer a rotatória. Esperei o último carro passar e acelerei. Virei o volante, passei a marcha, entrei na faixa, dei seta, mudei de faixa, desliguei a seta e fui em frente.
"Deu tudo certo! Ótimo, agora é só atravessar a ponte e voltar para o local de prova.", eu estava transbordando de confiança. Finalmente ia conseguir minha carteira!
Atravessei a ponte e olhei para os lados, me certifiquei bem disso. Então um ônibus parou no ponto e eu tiver que parar atrás dele. Outro imprevisto, mas tudo bem. Eu estava perto do fim, era só entrar numa rua e pronto. O ônibus começou a sair e eu fui logo atrás dele. Por um segundo eu olhei para baixo para certificar que ia passar a marcha certa e...
Bump!
Senti o carro dar uma parada brusca e o fiscal começou a xingar.
"Não, não, não!"
Olhei para frente e vi a última coisa que se quer ver durante uma prova de direção: um ciclista no meio do para-brisa. Ele tinha surgido do nada, contornando o ônibus e vindo na minha direção. Por causa de eu ter olhado para a marcha não o vi chegando, mas eu não devia estar a mais de 10km/h e ele podia muito bem ter desviado. Aliás, o que este imbecil está fazendo andando na contramão?
- Merda! Porra, Eduardo, você não viu o ciclista?
- Não... é que... eu... o ônibus... eu... marcha... não... contramão... – as palavras a saíram todas emboladas e confusas da minha boca.
O fiscal ligou o pisca-alerta e desceu do carro. Enfiei a cara no volante. Eu ia reprovar de novo... não, espera aí! Mas talvez nem tudo esteja perdido. Eu não perdi nenhum ponto, se o fiscal descontar três pontos eu ainda posso passar. Além do mais o ciclista estava na contramão e...
Vi o rosto da mulher baixinha pelo retrovisor. O olhar dela disse tudo: não vai rolar!
"Não, não, não! Eu estava tão perto!"
Desci do carro e fui ver o ciclista. O fiscal estava ajudando-o a sair do para-brisa e algumas pessoas estavam olhando para nós. Olhei primeiro para o para-choque, não estava amassado, então eu não estava tão rápido assim. A bicicleta do cara parecia estar inteira também, então não foi uma colisão forte. O para-brisa estava intacto, então ele não bateu a cabeça. Não foi nada grave pelo menos. Mas mesmo assim o rosto do fiscal não estava com a melhor das expressões.
- Você está bem? – ele perguntou para o ciclista que disse que sim. Depois olhou para mim – Porra, Eduardo! Tem que prestar atenção. Como você não viu o ciclista vindo?
- Mas, mas ele estava na contramão! – tentei me defender.
- E daí? Você tinha que ter visto.
- Mas o ônibus estava na minha frente. Não tinha como eu imaginar que...
- Você tem que estar preparado pra tudo no trânsito! Senão olha o que acontece – ele fez uma pausa – E pior que você estava indo tão bem, agora vou ter que te reprovar.
Reprovar. Quando ouvi aquela palavra senti a cabeça esquentar. Eu não podia reprovar, meu processo ia vencer depois de amanhã. Não tinha como eu fazer outra prova.
- Reprovar? Mas eu não perdi nenhum ponto, ainda dá pra...
- Causar acidente é reprovação imediata! – disse o fiscal me interrompendo.
"Não, por favor, não! Eu fiz tudo certinho!"
- Mas ele que estava na contramão!
- Não interessa! Você tinha que ter prestado atenção! – o fiscal parou de olhar para mim e voltou-se outra vez para o ciclista – Tem certeza que você está bem?
- Sim, sim! – respondeu – Tô de boa!
Então eu reparei nos olhos dele. Estavam um pouco vermelhos. Então percebi que na ponta dos dedos dele havia um cigarro. Mas o cheiro era diferente. Era cheiro de...
"MACONHA!", gritei para mim mesmo.
Fi-lho-da-pu-ta! Além de estar na contramão, ele está drogado! Viado, por isso ele nem tentou desviar do carro.
- Então está tudo bem – o fiscal continuou falando – Desculpa o transtorno. – virou-se para mim de novo – Bom Eduardo, infelizmente sua prova acaba aqui!
- O quê? A cara, por favor, me tira três pontos. Meu processo tá vencendo!
- Não posso fazer nada!
- PORRA! – comecei a perder a cabeça igual a última vez – Ele estava na contramão, cacete!
- Já falei, você tinha que ter prestado atenção!
- Caralho! Como eu ia saber que esse viado estava atrás do ônibus? Ele devia estar na outra faixa! O filho da puta tá até drogado.
O ciclista se encolheu. O fiscal olhou para o papel enrolado entre os dedos deles e balançou a cabeça.
- Isso não vem ao caso!
- Que não vem o que! Esse viado se chapa na maconha, entra na contramão e eu tenho que tenho que me foder. Ah, qualé? Isso não é justo!
- Desculpa Eduardo, não posso fazer nada! É assim que tem que ser!
- Merda!
Me virei chutando o ar inconformado. Segunda vez que me ferro por causa dos outros. Meu pai gastou toda a grana na autoescola à toa. Só pode ser maldição! É, eu devo ser um maldito! Coisas ruins estão fadadas a acontecer comigo.
- Foi mal aí, véi! – disse o ciclista para mim.
"Foi mal aí, véi? FOI MAL AÍ, VÉI?". Naquela hora fui tomado por uma raiva tremenda. Me lembrei do Pedro, do meu professor, do garoto do ensino médio, do ex-chefe do meu pai, a minha ex-namorada, aquela fiscal loira. Todos eles foderam com a minha vida de alguma forma enquanto eu tentava fazer tudo certo.
Acabei pulando sobre o ciclista e derrubando-o no chão.
- Foi mal aí, véi? Seu filho da puta, por sua culpa eu vou reprovar! – gritei enquanto dava socos nele.
- Larga ele, Eduardo.
O fiscal pôs a mão entre nós dois e nos separou. O ciclista se levantou e foi para trás do carro. A mulher baixinha veio ajudar separar a briga também. Uma multidão maior estava espiando o meu escândalo.
- Não foge, desgraçado! Eu vou acabar com a tua raça! – eu tinha perdido a linha totalmente – Maconheiro de merda!
- Para, Eduardo! – dizia o fiscal tentando me segurar.
"Parar uma ova! Esse maconheiro de merda merece uma lição!".
Eu tentava a todo custo me soltar do fiscal. A mulher baixinha ficou entre nós e o ciclista me pedindo para ficar calmo. De repente, eu parei como se estivesse entrando num transe. Uma imagem surgiu na minha mente. Visualizei o ciclista descendo a rua, fugindo da confusão. Ele olhou para trás para se certificar que eu não estava vindo correndo atrás dele e não percebeu que o sinal da transversal tinha aberto. Um caminhão branco surgiu a toda velocidade e atingiu o ciclista, lançando-o para longe e deixando um grosso rastro de sangue pelo caminho.
Quando voltei a si, o ciclista já tinha subido na bicicleta e saído de perto do carro.
- Me solta! Me solta! – falei para o fiscal.
Vendo que o ciclista já tinha ido embora, o fiscal me largou. Me virei de com os braços na cintura, reclamando com Deus e o mundo.
Então veio a buzina, seguida de um som de batida e um grito de "Ai, meu Deus!". Ouvi os passos de pessoas correndo desesperadas.
"Não... Que isso... Não pode ser!", pensei enquanto me virava lentamente.
Meus olhos não puderam acreditar. Estava tudo ali. O sinal aberto, o caminhão branco, o ciclista jogado para longe, o sangue! Era a mesma imagem que da minha cabeça. Era como se... como se... eu tivesse feito aquilo acontecer!
O fiscal e a mulher baixinha saíram correndo pela rua em direção ao ciclista junto a dezenas de pessoas que se amontoavam para ver o atropelamento. Eu fiquei parado onde estava olhando para minhas próprias mãos. Levantei a manga do casaco e olhei para as marcas de queimadura.
"Eu quero mais é que vocês e esse carro se explodam!"
"Pedro tinha caído da escada e quebrado o pescoço... assim como o meu boneco do cavaleiro."
"Mas semana passada descobri que ela pegou AIDS e acho bem feito. Agora ela aprende a não se deitar com cada coisa que ande em duas pernas e saiba dizer oi."
"Eu estou sempre em lugares que acontecem coisas ruins. Ou talvez coisas ruins acontecem por que eu estou lá!"

Eu fiz isso! Não é possível ser apenas uma série de coincidências. Eu desejei que ele fosse atropelado e ele foi! Assim como o carro explodiu, como Pedro quebrou o pescoço, como os outros morreram.
Eu... eu... eu sou mesmo um maldito! Ou seria uma benção?
Olhei para o fiscal e sorri!
"Parece que o filho de alguém não vai melhorar tão cedo! HAHAHAHAHAHAHA!"
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Viva a lenda!



19/10/2013 às 21:53 #1 Última edição: 19/10/2013 às 21:56 por K.A.O.S
 Demorei pra ler, haha.

Demorou quanto tempo pra bolar o texto? Eu pessoalmente gostei bastante do que li! Teve alguma influência de outro seriado alem do ja citado? Uma coisa que esqueci de citar, essa situação(inicio do texto) me lembrou bastante algo que passei quando fui tirar minha licença no DETRANSP, haha.

Abraços!
Clique nas imagens p/ visualizar as aulas



Opa, já tem um comentário? Valeu pela paciência de ler o texto todo K.A.O.S!

A ideia desse texto já estava na minha cabeça há alguns meses. Foi semana passada que eu resolvi passar ela para o papel. A influência vem de dois lugares. Primeiro desse seriado mesmo, porque tem um episódio (My Name is Evil) onde falam que o personagem faz coisas ruins acontecerem. Claro que de uma forma muito menos violenta.

Contém informações da história
E a segunda, sobre a prova direção, é totalmente baseado na minha vida. Na primeira vez que fiz a prova de direção fui reprovado porque a mulher disse que eu não tinha olhado para o lado e na segunda eu quase atropelei um ciclista que vinha na contra mão. As únicas partes fantasiosas são as mortes e o cara drogado. Ou talvez não...  :o__o:
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Obrigado pelo comentário!

Viva a lenda!