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Sobre o uso de Sistemas Mágicos em Mundos Fantásticos

Iniciado por Moon[light], 23/10/2013 às 16:29

Quando se lida com histórias de fantasia, a menos que se planeje seguir as linhas da fantasia história ou da chamada baixa fantasia, um elemento que quase sempre surgirá é a Magia. Talvez um dos elementos definidores da Fantasia, ela é um dos aspectos mais promissores e, infelizmente, muitas vezes mais esquecidos no estágio de Construção do Mundo. Esse breve (espero) texto tentará discutir um pouco alguns aspectos da abordagem da Magia, tentando oferecer ao leitor novas perspectivas de trabalho em sua narrativa.


Abra, Cadabra e Companhia, afinal, o que é Magia?

Talvez o primeiro ponto em que devamos começar seja dando uma definição para Magia. O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define Magia desse modo:

"Arte ou ciência oculta com que se pretende produzir, por meio de certos atos e palavras, e por intercedência de espíritos, gênios e demônios, efeitos e fenômenos extraordinários, contrários às leis naturais".

Essa definição já apresenta em si alguns pressupostos problemáticos, mas deixemos isso de lado por enquanto. Etimologicamente falando, Magia deriva da palavra persa magi, equivalente ao português "sábio" (essa mesma raiz está presente na palavra magistério) e, portanto, carrega uma forte conotação de "saber fazer algo". Desse modo, poderíamos criar uma definição provisória de que a Magia é a "arte de saber fazer algo". Essa, porém, não é uma boa definição, pois a partir dela não seria possível se diferenciar a magia de uma ciência. E tal diferenciação surge a partir de um ponto básico, dado pela definição de dicionário que apresentei acima: os fenômenos produzidos pela Magia são, necessariamente, "extraordinários, contrários às leis naturais". A Magia, portanto, seria a arte de produzir fenômenos que não poderiam ser produzidos de outro modo. Tendo essa definição em mente, sigamos adiante.

Gandalf, o Cinzento, é, possivelmente, a imagem mais clássica da figura do Mago no imaginário moderno



Magos, Bruxas, Ciência e Deuses: A Magia como elemento do Mundo Fantástico

A primeira coisa a se pensar quando se está criando um sistema mágico para um mundo é qual é a origem da Magia. A maneira como ela seria tratada se fosse concedida pelos Deuses seria bem diferente de como se ela fosse algo conquistado através do sacrifício de centenas de pessoas. Não é estranho imaginar que, no primeiro cenário, Magos seriam bem vistos e talvez até fossem uma Elite, enquanto no segundo eles seriam rechaçados e odiados. E ainda há outras possibilidades dentro dessas. E se na sociedade em que Magos formam a elite, pessoas sem Magia se sintam oprimidas e tentem se livrar da Magia para igualar a mesa? E se no segundo cenário a Magia fosse a única coisa capaz de evitar com que um monstro terrível despertasse? Como esses fatores mudariam o mundo a seu redor?

Após apresentar a definição do Novo Dicionário Aurélio, comentei que havia nela alguns pressupostos problemáticos. Ao dizer isso, me referia especificamente à parte que tratava da metodologia pela qual a Magia opera. Segundo o dicionário, para que algo seja considerado Magia, seria necessários "certos atos e palavras" e a "intercedência de espíritos, gênios e demônios". Embora essa definição opere bem com as maneiras pelas quais a Magia apresentada nas narrativas Fantásticas geralmente funcione, ela falha em abarcar, por exemplo, a Magia presente no Nasuverso ou em The Elder Scrolls, ambos cenários em que a intercedência de seres superiores não é necessária para que se produza Magia. E é a partir disso que iremos trabalhar.

Uma batalha entre Magos no Nasuverso pode ser decidida tanto na base da Magia quanto na base das pancadas

Tipicamente, em cenários de Fantasia, a Magia é feita através da canalização dos poderes de uma determinada entidade através do indivíduo que realiza a Magia (daqui em diante chamado de Mago). Nesse sentido, ela é equivalente ao que se costuma chamar de Taumaturgia, ou Operação de Milagres. Em cenários desse tipo, Magos, em geral, possuem ligação com uma entidade e precisam seguir uma série de códigos éticos para que lhe sejam concedidos poderes. É o caso dos clérigos de Dungeons and Dragons, por exemplo. Esse tipo de Magia, como se pode inferir, é bastante próximo de uma religião e o Mago seria, portanto, o equivalente a um Sacerdote. Todavia, como já falei antes, isso não é uma universal. Também é muito comum fazer com que a Magia seja um dom natural ou até mesmo biológico (alguns cenários vão além e têm espécies específicas capazes de usar Magia), ou que se faça da Magia um dom latente a ser despertado em qualquer um. Outros cenários apresentam a Magia como algo equivalente a um objeto que pode ser passado de um indivíduo para o outro através de determinados processos. Há ainda cenários em que a Magia é um elemento essencial da realidade, não diferente das leis da física, e que pode ser executado por qualquer um com conhecimento necessário. Existem mesmo versões em que a Magia não é algo real, mas uma criação voluntária que ganha forma pela fé daqueles que a executam. Como podem ver, as variações são inúmeras.

Ligado diretamente ao modo como a Magia é obtida, está o modo como ela é tratada pela sociedade. Num mundo como o nosso, controlado por um conjunto de regras e crenças, a descoberta da existência de Magia causaria uma gigantesca repercussão. Cultos surgiriam, grupos a favor e contra seu uso, cientistas dispostos a estuda-la. E isso assumindo que a Magia não possui nenhum efeito negativo na sociedade. Imaginem só se para usar Magia alguém tivesse que sacrificar crianças? Não seria algo nem um pouco bem visto, não é? O que quero dizer com tudo isso é que numa sociedade em que Magia existisse, seu papel seria tão fundamental quanto o da ciência. Naturalmente, ao dizer isso estou assumindo um mundo em que Magia e ciência coexistem, algo que pode não ser verdade.

Em The Elder Scrolls, a civilazação Dwemer criou seu exército de robôs a partir de Magia e Vapor

Pensar no que a Magia é capaz também é importante. Se num certo cenário Magos são capazes apenas de curar, num outro eles podem dominar elementos e num terceiro são capazes de dominar mentes, isso tudo alteraria a visão que se teria de Magia. E não apenas isso. Imaginem se no nosso mundo houvesse pessoas capazes de transformar ferro em ouro, isso mudaria o valor que o ouro teria, não é? Mas não só isso. Ouro também é um ótimo condutor elétrico, logo não é difícil de imaginar que se esse tipo de Magia existisse, computadores mais potentes existissem, pois se poderia usar um material melhor para produzi-los. E com computadores melhores, a pesquisa científica poderia avançar e, quem sabe, já não tivéssemos carros voadores e robôs? E mais! Como o ouro é tão comum, ele não seria valorizado e a exploração de ouro jamais teria ocorrido, o que mudaria completamente a história do mundo. Tudo isso apenas porque algumas pessoas são capazes de transformar ferro em ouro! E se pensarmos em coisas maiores, como Magias capazes de criar bolsões espaciais ou de criar portas entre dois lugares diferentes as mudanças seriam ainda mais drásticas. Se qualquer coisa dessas existisse, o mundo seria completamente diferente do que é hoje em dia!

E isso nos leva diretamente a outra coisa a se pensar: se a Magia existe, quem a conhece? Se ela é concedida pelos Deuses, seria possível pensar que ela fosse mantida em segredo e apenas alguns poucos grupos a conhecessem, mas se ela é algo que qualquer um pode aprender seria difícil esconder isso do mundo inteiro, não é? E se o mundo inteiro soubesse, não seria possível que ela fosse amplamente estudada como são as ciências? Teríamos assim universidades, centros de pesquisa, escolas, programas de televisão, livros e muito mais dedicado a ensinar as pessoas a usarem Magia! E com tanto conhecimento disponível ela poderia se tornar algo extremamente comum, não? Tão comum que todos conheceriam ao menos um pouco dela! E países inteiros poderiam se dedicar à pesquisa mágica para conseguir desenvolver aquela superarma antes do país inimigo. E se ninguém a conhece, seria possível que existissem grupos secretos dedicados a estuda-la? Será que o conhecimento se espalharia por boatos e criaria toda uma subcultura? Será que teríamos gangues de Magos iniciantes?

Tendo que lidar com criaturas capazes de enlouquecer com um olhar, os Magos de Call of Cthulhu tem uma vida curta e muito trabalho para manter o mundo a salvo

Pensar em todas essas coisas pode ser algo bastante trabalhoso. São, de fato, muitos elementos e muitos deles não tão claros. Todavia, levar tudo isso em consideração na hora de se desenvolver um mundo fantástico vai resultar sem dúvidas alguma num mundo muito mais vivo e interessante para o seu público que vai, sem dúvidas, querer saber mais e mais.

Eu realmente estou ficando muito babaca... ou muito velho. Você decide.

De primeira digo que ficou muito interessante seu texto, e também fica minha aprovação pelo uso de imagens. Se eu fosse você, faria mais isso.

Magia, hm, é um tema bem rico, creio que seja sua principal vantagem e desvantagem. Desenvolver a magia num enredo exige bastante atenção aos detalhes. Como você disse aqui:
CitarSe num certo cenário Magos são capazes apenas de curar, num outro eles podem dominar elementos e num terceiro são capazes de dominar mentes, isso tudo alteraria a visão que se teria de Magia.
Se não for bem explicíta quais são as limitações da magia, ela simplesmente pode ser a solução para tudo. Os fenômenos mágicos tidos como "extraordinários, contrários às leis naturais", podem ser utilizados como argumento para anular afirmações físicas e biológicas. Digamos que um cavaleiro crava sua espada no coração de um mago, que tecnicamente deveria morrer, mas pode ter sua sobrevivência justificada pela magia, mas não explicada pela mesma. Não sei se fui claro, o que quero dizer é que por não ser algo real, fica difícil de definir seus limites.

Outro ponto que gostei está presente neste trecho:
Citarse a Magia existe, quem a conhece?
Conhecimento é poder. Ao invés de clichês como pedras preciosas, poderíamos ter mais enredos tendo como objeto de poder o simples saber mágico. Pelo menos para mim, seria um aspecto até inovador.

23/10/2013 às 21:38 #2 Última edição: 23/10/2013 às 21:40 por VincentVII
Citar
Pensar em todas essas coisas pode ser algo bastante trabalhoso. São, de fato, muitos elementos e muitos deles não tão claros. Todavia, levar tudo isso em consideração na hora de se desenvolver um mundo fantástico vai resultar sem dúvidas alguma num mundo muito mais vivo e interessante para o seu público que vai, sem dúvidas, querer saber mais e mais.

Exato! O universo de uma história tem que ser complexo e ao mesmo tempo atraente. E o sistema mágico é um elemento fundamental;

Magia para mim sempre foi a alma da fantasia. Não que ela seja nem mais nem menos importante do que o resto do mundo da história, mas é algo que sempre nos chama atenção. Sei lá, mas quando eu leio uma história de fantasia que não tem um sistema mágico eu fico com a sensação que falta algo na história.

Recentemente eu li os dois primeiros livros da série "A Trilogia do Mago Negro", de Trudi Canavan. Achei a história muito monótona, parece um Highschool Musical com magia, porém o sistema mágico foi bem bolado. Há magia não é acessível a todos, existe uma Elite Mágica por assim dizer. O ruim é que mesmo com um universo decente a autora não conseguiu fazer uma história que me prendesse, principalmente no segundo livro em que a história focou mais na protagonista sendo atormentada deixando a história com mais cara de Malhação do que fantasia. Rolou até um duelo no final, mas foi a luta mais sem graça que eu já li.

Atualmente eu ando pensando nessas coisas para aprimorar o universo da minha história. Pensar em como o raiki afeta a sociedade, as suas utilidades além do poder em batalha, etc.



Viva a lenda!