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Vidas Condenadas

Iniciado por Vifibi, 26/10/2013 às 15:02

Bem, como todo mundo está postando textos medíocres de terror achando que são o novo Stephen King, eis um texto de terror medíocre de um cara que acha que é o novo Stephen King.

Vidas Condenadas

Não havia mais luz agora, e o frio congelava sem piedade. Aconchegava-me com minhas roupas perto da lareira que acendi, tentando ao máximo não sentir o cheiro tóxico do plástico sendo queimado. Peguei minha lata da mochila que carregava e a abri mais uma vez. Estava quase no fim. Comi duas colheres de feijão frio e fétido e guardei a lata novamente. O apartamento não tinha paredes e estava coberto de concreto caído no chão em pedaços, junto com um cadáver meio putrefato de uma mulher.
O que você fez de errado? O cadáver não respondeu. Eu estava rindo sozinho na escuridão quase absoluta, mas aquilo valia a pena se eu não tinha que me concentrar na Torre. Me levantei da parede em que estava encostado e fui até o cadáver. O peguei com algum cuidado cerimonioso e joguei-o contra a parede. Ele estava frio e cheirava mal, mas eu também. Deitamo-nos lado a lado no chão e eu pude ver que havia começado a nevar aquela neve cinza dos últimos três anos.
Será que teremos uma boa noite de sono? Não houve resposta, mas eu também não a esperava. Acariciei os cabelos endurecidos com minha mão enluvada e virei-me de lado para adormecer. Fechei os olhos, e contei até dez. E eu sentia mais uma vez a vontade. E eu queria. Mas não devia. Não devo permitir que ela controle minha vida assim. Meus olhos tremeram conforme eu tentava mantê-los fechados, mas os tremores e o desejo foram mais fortes. Abri os olhos e tornei a encarar a Torre.
A Torre era um arranha-céu construído antes da Queda, que tinha por volta de 80 andares. Suas janelas eram espelhadas e estavam intactas, sem nem mesmo um arranhão de mácula, e elas reluziam a fraca luz do Sol e costumavam reluzir a luz da Lua, até ela desaparecer. Eu nunca entrei na Torre, mesmo quando viver era normal, e sempre me perguntei o que acontecia lá dentro.
O que você acha que tem dentro daquele prédio? Apontei a Torre para minha nova companheira. Ela, como era de se esperar, contribuiu com pouca coisa senão cheiro. Me encolhi conforme um vento passava pelo apartamento aberto, e tirei o cobertor de minha mochila. O cobertor agora era cinza e cheio de buracos, mas eu lembro de uma época em que ele era de uma cor esverdeada com desenhos por sua superfície. Ele era pequeno demais para mim, então dormi em posição fetal.
Meus sonhos eram perturbados por visões da Torre, sua reflexão e tamanho monstruosos jogando sombras até mesmo em minha mente, e eu sempre me via entrando no andar 42, o apartamento 4213, e...
Eles nunca iam além do e. O que quer que houvesse no Apartamento 4213, eu não descobriria em sonho. Talvez fosse um estoque de comida. Talvez fosse uma arma contra as Coisas. Talvez fosse até mesmo um harém de mulheres libidinosas. Mas esses pensamentos eram apenas tentações em minha mente, e deus sabe que eu não tenho espaço suficiente para tantas coisas.
Acordei com os primeiros raios da manhã, o Sol brilhando atrás da poeira que sempre o cobria. Cinza era o mundo. Tchau, amiga. Foi bom passar a noite com você, e parti. Desci escalando um pouco o lado desmoronado do prédio, chegando à rua. Foda-se, vou nessa maldita Torre havia me decidido.
A cidade era uma cidade relativamente grande, mas não tinha um único prédio com mais de quatro andares tirando a Torre. Segui Norte, rumo ao centro da cidade onde foi erigido meu objetivo, olhando a frente cautelosamente. Só tinha uma bala em minha pistola agora. Andei meio a carros quebrados pela poeira levantada e prédios desabados pelas ventanias e tempestades de areia. Mantive minha mão esquerda perto da faca e minha mão direita perto da pistola, e andei pela calçada junto à parede olhando ao redor o máximo que pude. Um homem andando sozinho pela cidade era um alvo fácil tanto para Coisas quanto canibais. Segui a Avenida Principal até chegar à esquina com uma rua menor, onde estava estacionado um Ford Palio coberto de cinzas. Passei a mão por ele, e isso revelou um pouco de sua cor original, um vermelho desbotado. Eu já tive um carro desses, mas era prateado. Hoje em dia, ele estaria cinza.
Um tiro na parede, Merda! Pulei para trás do carro por cobertura, e ouvi o som de uma arma sendo recarregada. Quem é você! Uma voz perguntou ao longe. Um amigo, respondi alto tentando parecer inofensivo. Ele devia ter um rifle para atirar tão longe assim. Meus únicos amigos são comida e água, e você só vai ser um deles morto!
Eu tenho comida! Gritei alto, e o silêncio reinou por alguns segundos. Se você me deixar ir em paz, te dou a comida que tenho! Ele nunca me deixaria ir em paz. Pegaria minha comida e então me mataria para comer meu cadáver. Tudo bem! A voz respondeu e saí do abrigo, torcendo para ele não me matar aqui e agora. Vi à distância uma silhueta segurando apontada para mim um rifle com escopeta. Aquilo seria muito útil se eu conseguisse roubar do meu atacante. O atacante desapareceu da janela, e eu aproveitei para quebrar o espelho do carro e pegá-lo para mim. Assim que o homem apareceu no solo, me joguei atrás do carro novamente, e comecei a vê-lo através do espelho. Ele estava em posição de atirar. O que você está fazendo, seu merdinha imprestável? Ele gritou alto. Era um homem velho. Mirei nele através do espelho e, esvaziando meus pulmões, atirei. Acertei-o no ombro, e ele caiu no chão com o impacto. Corri até ele e chutei o rifle para longe e saquei minha faca e coloquei-a contra o pescoço do velho.
Por favor, não me mate. O velho implorou. Você iria poupar minha vida, seu velho safado filho da puta? Falei baixo. Provavelmente já havia dezenas de Coisas vindas atrás do barulho dos tiros, junto com canibais curiosos. Sem tirar a faca de seu pescoço, vasculhei suas roupas. Achei uma pistola do mesmo calibre que a minha com três balas, um clipe de munição para rifles, e um pedaço de carne crua envolto em um pedaço de pano. Pelo tamanho era a carne de uma mulher. Você fode e depois come mulheres, velho? O velho me olhou com olhos esbugalhados, temendo por sua vida. Você não sabe como é ter fome, garoto! Você não sabe o que é ter fome e ter carne bem à sua frente!
Cortei-lhe o pescoço e peguei a carne, guardando-a de volta nos panos em que estava envolta e guardei-a em minha mochila. Peguei o rifle e o coldre do mesmo e coloquei-os em minhas costas. Dei um chute no velho, apenas para garantir que era de fato apenas um humano e, como ele não se moveu, fui embora em direção à Torre.
Atravessei dois quarteirões antes de ver, à distância, uma silhueta. Deitei-me no chão e saquei meu rifle, ainda desacostumado com seu peso, e olhei através da escopeta. Era um homem. Ele estava patrulhando a rua, e ela estava impedida por entulhos de cimento e outras coisas, formando para ele uma barreira. Havia apenas uma passagem, e ela era na calçada, de forma que seria impossível atacar-lhe diretamente sem levar tiros. Mirei acima de sua cabeça um pouco, como me lembrada dos tempos do exército, e atirei. A bala foi em arco, e atingiu-o diretamente no crânio. Aproveitei o tempo e comecei a correr até a barreira, guardando o rifle e sacando meu revólver. Atravessei a barreira e vi o cadáver de meu alvo. Ele estava seco, quase putrefato. Era uma Criatura. A porta que a barreira cobria abriu-se, e de dentro saiu uma mulher.
A mulher era bonita, e tinha poucas cicatrizes — algo raro nestes dias —. Seus cabelos castanhos e olhos azuis me deixaram sem sombras de dúvida de que ela era uma Criatura. Mirei o revólver contra ela, e a vi chorando por cima do cadáver da Criatura que eu havia acabado de matar.
Você! O que você fez com meu marido? Ela gritou, enfezada. Não respondi e entrei na porta que ela abriu. Dentro era uma casa com janelas presas com pedaços de madeira, paredes descascadas, escadas quebradas que dariam para o segundo andar e, em um dos cantos, um colchão imundo ao lado de alguns instrumentos estranhos, junto com um par de algemas. Peguei as algemas e saí da casa. A mulher estava me olhando assustada, e eu senti pena de ter que lhe matar. Levantei minha pistola e mirei nela. Não iria desperdiçar uma bala, mas se eu me aproximasse com apenas uma faca ela correria assustada.
O que você vai fazer, seu filho da puta? Vai matar a mim como matou meu marido? Vá em frente. Eu já morri mesmo! Babaca! Ela começou a chorar em soluços, e se virou para longe de mim. Seu marido era uma Criatura, lhe disse. Ele iria te tornar uma criatura. Até onde sei, já a tornou, e você quer me tornar também.
Do que você está falando? Ela gritou, este era meu marido! Você matou meu marido! Peguei minha arma e mirei nela, quase puxando o gatilho. Seria fácil explodir sua cabeça e fazer um buraco por onde seus neurônios poderiam vazar. Mas... Suspirei. Estava ficando fraco demais. Isso iria me matar. Peguei as algemas e algemei a mulher. O que você vai fazer, seu escroto? Vai me fazer sua escrava agora? Mata meu marido e me faz de escrava, é isso? Ela cuspiu em mim, e eu tive vontade de bater nela. Contive-me, e ajudei-a a se levantar. Deixá-la para trás era arriscado demais, assim como era levá-la comigo com ela em liberdade.
Caminhamos juntos pela calçada — velhos hábitos demoram a morrer, mas isso também diminuía nossa visibilidade — em direção à torre, passando por diversas cenas de morte já putrefatas, algumas delas provavelmente da época em que o mundo foi à merda. Provavelmente não muito depois das Criaturas chegarem. O sol estava começando a se por quando chegamos numa encruzilhada. Puxei a mulher para perto e entramos num prédio. Não havia ninguém, mas estava escuro. Liguei minha lanterna — teria que arranjar novas baterias em breve — e subimos as escadas. O prédio era um daqueles designs novos com janelas espaçosas e pouca privacidade. Bom para negócios, bom para ficar de guarda à noite. Entramos num escritório quase intacto — apenas a porta estava destruída — e eu coloquei a escrivaninha cobrindo parte da janela, diminuindo nossa visibilidade da rua. Recolhi papéis pelo andar, andando em passos silenciosos e voltei ao escritório que escolhi. Concentrei os papéis numa pequena pilha e acendi-os com um fósforo — 31 agora. 3 balas. Uma garrafa d'água pela metade. Uma lata de feijão fechada e uma no fim. E aquela carne. A carne de mulher, que o velho tinha cortado. Ela me dava água na boca. Seria tão fácil comê-la. Era só botar em minha boca e saborear. Seria uma refeição farta. Uma refeição farta após anos de miséria, comendo colheradas por refeição. Suspirei e guardei a carne em minha mochila novamente. Peguei a lata inacabada e a colher e dei duas colheradas para a mulher. Ela me olhou desconfiado, mas comeu. A lata acabou. Joguei-a fora e abri uma nova, tomando duas colheradas. O fogo não iria aguentar a noite inteira. Olhei para a mulher. Ela estava quase nua, vestindo apenas uma camisola rasgada e roupas íntimas.
Suspirei e peguei o cobertor de dentro de minha mochila. Cobri a mulher com ele, que me olhou desconfiada e então se virou para dormir. Fiquei acordado algumas horas, ouvindo ao redor. Não havia nenhum barulho, nada que indicasse humanos ou Criaturas. Satisfeito, permiti-me dormir.
Sonhei com o Verão, o clima quente que eu antigamente detestava mas agora tanto desejava. Sonhei com cigarros. Cigarros foram a primeira coisa a acabar. Cigarros e água. Meu desejo era fumar uma última vez. Um último trago. O último cigarro do mundo, provavelmente seria.
Acordei com o som de algo quebrando, e imediatamente me levantei e saquei minha pistola. O fogo estava apagado, e pelo visto, estava apagado havia algumas horas. A mulher estava acordada, ouvindo atentamente e tremendo. Se era frio ou medo, eu não sabia dizer. Saí do escritório e olhei ao redor. Estava absolutamente escuro e não havia qualquer luz para me indicar vida ou movimento. Liguei minha lanterna, irritado — baterias não eram fáceis de se encontrar, e a minha já estava no fim — e andei pelos corredores estreitos do prédio, vendo todos os cantos com extrema cautela, procurando algo que eu absolutamente não queria encontrar. A lanterna estava piscando. Desliguei-a, e continuei procurando no escuro. Ouvi passos distantes, vindo por trás. Virei-me, apontando a arma primeiro. Nada. Uma respiração pesada, como alguém que acabou de correr, foi percebida por meus ouvidos, e tentei encontrar sua fonte, sem sucesso. Imaginei se meus próprios passos não estavam anunciando minha presença, mas o chão era sólido, e eu estava andando cautelosamente. Talvez fosse minha respiração. Prendi o fôlego por alguns segundos e aguardei, em silêncio absoluto. Nenhum movimento. Continuei procurando, andando devagar e sem fazer barulho, e novamente os passos continuaram. Distantes, vindos de diversos locais ao mesmo tempo. Todos eles tentando me achar, me matar. Eram canibais, talvez até mesmo Criaturas — sobreviventes não procuravam comida à noite. Vi algo, à distância. Uma luz fraca, reluzida de algum objeto redondo. Provavelmente um relógio. Andei com cuidado até a fonte da luz. Ouvi sussurros, conspirações, planos contra mim, o alvo. Nenhum tiro foi ouvido, e isso me preocupava. Eles sabiam onde eu estava, e já podiam ter me matado com um único tiro agora. Por que não atiraram ainda? Mais sussurros, e o homem do relógio novamente reluziu em minha face. Mirei na luz, e me preparei para atirar. Mais uma luz, mais uma amostra, e eu atiraria. Sussurros. Passos apressados atrás de mim e em minha frente. Eu podia sentir suas presenças se aproximando, me encurralando na escuridão... Ligar minha lanterna agora seria suicídio. Ficar ali também. Andei em frente, mirando ainda onde estava a luz que me guiou. Ouvi um passo em falso imediatamente atrás de mim e, sem pensar, saquei minha faca e cortei para trás. O homem que prestes enterrar uma faca em minhas costas olhou para o corte em seu pescoço e definhou, revelando-se agora uma Criatura morta.
Criaturas. Era pior do que eu pensava. Me virei para o homem do relógio, e não havia nada. Liguei a lanterna — agora já não adiantava mais ficar no escuro — e não havia absolutamente nada, apenas o corredor e uma abertura para a direita. Apontei meu revólver para o corredor à direita. Ninguém. Passos à direita, vindo de onde eu estava. Virei-me. Nada. Aonde estava aquele maldito?
Um grito agudo penetrou meus ouvidos. A mulher. Corri para o escritório onde estávamos, e vi o homem do relógio. Ele estava ocupado rasgando as roupas da mulher, revelando seu corpo desnudo. Estava armado com uma pistola. Era perigoso demais tentar um ataque corporal, e não sabia o que ele faria. Suspirei e mirei em sua cabeça e atirei, matando-o com um tiro. Ele caiu em cima da mulher, que começou a gritar para ele sair de cima dela. Puxei seu cadáver para longe e ela se levantou, me chutando e tentando correr. Peguei seu cabelo, impedindo-a. Ainda tem um deles lá fora, lhe disse. Olhei o cadáver recém-morto. Era um humano. Um canibal, mas um humano. Peguei seu revólver e percebi que ele não tinha nenhuma bala — era um blefe. Xinguei baixo e guardei minha pistola — duas balas, agora. Meu rifle só tinha um clipe de munição — por volta de 15 tiros — e eu não estava em condições de lutar corpo-a-corpo com alguém que possivelmente era uma criatura. Ou era uma Criatura lentamente assimilando os outros, ou eram duas Criaturas se preparando para terminar o serviço. Mas contar com a própria sorte era algo que eu não podia fazer. Ergui meu revólver e comecei a mirar na mulher, que congelou de medo. Mandei-a me esperar. Por que deveria te esperar? Porque tenho a chave das suas algemas, e tentar sobreviver sem ter mãos pode ser bem complicado.
Saí do escritório novamente, sabendo muito bem que estava entrando numa armadilha letal. Não me importava. Preferiria morrer a virar uma Criatura nojenta. Novamente, estava coberto pelos sons enganadores do corredor estreito. Podia sentir as paredes fechando sobre mim, me prendendo, mas não era nada senão uma ilusão, uma brincadeira de minha mente para me torturar. Segui em frente, olhando para trás a cada dez passos mais ou menos. Ouvia passos atrás e à frente, mas não achei que deveria ter mais de um. Não sabia nem se tinha outra pessoa. Ou se era uma pessoa. Meus músculos estavam tensos, e todos os meus instintos me mandavam correr dali o mais rápido o possível. Eu sentia sua presença; a presença do homem que queria me matar, queria me tornar uma Criatura. Ouvi seus passos atrás de mim, indo para frente, voltando para trás. Ele dava-me voltas pelo corredor estreito, e eu não conseguia vê-lo. Ligar a lanterna seria anunciar minha presença, deixar-me exposto a um tiro pela escuridão. Cheguei à virada do corredor, e mirei. Pude sentir a presença do maldito, bem à minha frente, mas invisível. Ele estava prestes a atacar, prestes a me matar, a me tornar uma Criatura...
Mas eu atirei primeiro. E não havia nada lá. Uma bala desperdiçada. Merda. E eu podia ouvir o homem rindo, dançando nas sombras. Sua presença era forte, eu podia sentir seu sopro acima de meus ombros, seus olhos me observando de perto... Se ao menos eu pudesse vê-lo. Andei ainda mais pelo corredor escuro, e as paredes me deixavam extremamente desconfortável. Não havia espaço para fugir, caso houvesse uma briga. E a Criatura ainda estava me perseguindo, calculando como iria me matar, me assimilar. Senti um peso em meu ombro. Me virei e atirei. Nada. Última bala, desperdiçada com paranoia! Desgraçado. Não tinha mais como eu me livrar dele. Voltei ao escritório, peguei a mulher pelo braço sem dizer uma palavra e a levei comigo para fora do prédio. Não me importava que ainda era noite, não iria ficar mais um segundo naquele lugar, onde o Homem me esperava. Ele iria esperar durante anos, pois eu nunca mais voltaria lá.
Andamos pelo escuro durante alguns minutos — meus ouvidos estava aguçados e meus olhos acostumados ao escuro, e meu medo superava meu frio — até chegarmos a uma encruzilhada. A torre ficava ao Norte, e é para onde deveríamos seguir, mas Criaturas faziam emboscadas frequentes em encruzilhadas, aproveitando o amplo espaço sem cobertura para atacar. Peguei a mulher em meus braços — ainda não tinha a coragem de abandoná-la — e corri através da encruzilhada. Nada nos atacou. Notei, em um prédio, uma luz acesa. O prédio era uma casa de dois andares, sem nenhuma proteção, e provavelmente eram canibais que eram temidos na região ou então Criaturas, que não precisam se esconder ou inspirar medo. De qualquer forma, iríamos congelar no frio da noite, a mulher especialmente.
Entramos pela porta da frente de forma cautelosa, com a arma erguida. A porta fez um barulho — parecido com o barulho de um sino — e eu xinguei baixo. Fechei a porta, e novamente o barulho foi ouvido. Alguém havia preparado uma emboscada. O apartamento, pelo lado de dentro, era uma sala de estar muito bem conservada com uma escada ao segundo andar e uma ao subsolo e uma cozinha impecável. Tinham-se sofás na sala, e uma geladeira na cozinha. Tive vontade de abri-la, mas agora tinham outros assuntos. Ouvi passos descendo as escadas do segundo andar, e olhei, tarde demais, um homem mirando em mim. Ele estava bem-vestido — suas roupas quase não tinham rasgos — e sua espingarda estava apontando para minha cabeça. Quem é você, ele perguntou. Sou apenas alguém procurando abrigo pela noite. Ele parou de mirar em mim, mas continuou com a arma em mãos. Qual é a história da mulher? Sou uma captiva deste infeliz, ela respondeu, cuspindo no chão.
Ela pode ser uma Criatura, disse ao homem. Seu dono era uma. O homem levantou a arma novamente, desta vez mirando para a mulher. Uma Criatura! Ele gritou alto. E você a trouxe até aqui sem uma venda nos olhos? Ela está algemada, eu mesmo pus-lhe as algemas. Ela não é mais um risco. O homem riu. Criaturas podem chamar outras de sua espécie, seu imbecil. Mas esta não parece ter ido à Torre ainda, então pode não ter evoluído ainda.
Eu não entendi nada. Eu explico, o homem respondeu e abaixou a arma. Existem dois estágios de Criaturas. No primeiro, elas simulam humanos e conseguem se misturar a eles sem maiores problemas. No segundo, elas perdem suas capacidades cognitivas de misturarem-se, e começam a caçar os humanos que eram seus parceiros. Essa criatura que você tem contigo não me parece estar no estágio dois — pelo menos não ainda.
Então você sabe que ela é uma criatura, perguntei com uma mão em meu revólver. O homem notou isso, e novamente procurou sua arma. Você disse algo sobre a Torre, falei. O que há na Torre? Não sei. Nunca entrei nela; o lugar é infestado de Criaturas no segundo estágio, caçando humanos sem o menor remorso. Bem, isso vai prejudicar meus planos.
Seus planos? O homem perguntou, curioso. Pretendo ir à Torre. Tem uma coisa lá que eu preciso ver. Um quarto que... Parei. Ele obviamente já me achava insano. Continuar com a história só iria confirmar suas suspeitas. Um quarto que eu me lembro ter um estoque de comida. Bem, se sua Criatura está algemada... O homem tornou a falar. Suponho que você possa passar a noite aqui. Você pode dormir no sofá, e sua Criatura pode dormir no chão. Agradeci-o e ele subiu as escadas novamente. Olhei para a mulher. Ela me fitava com ódio nos olhos, mas não dizia uma palavra. Provavelmente tinha medo de ser baleada pelo outro homem. Ou por mim, pensei logo em seguida. Ou por mim.
Deitei-me no sofá, e imediatamente meu corpo explodiu-se em prazer. O conforto de um simples sofá foi o suficiente para me fazer esquecer as noites dormindo em concreto, no chão, e, em meus dias de sorte, o de sofás e colchões rasgados e com buracos variados e molas saindo de certos lugares. Mas aquele sofá estava intacto. Espreguicei-me nele e dormi quase imediatamente, finalmente estando calmo.
Sonhei com a Torre, novamente. Eu entrava em seu saguão, um saguão branco e limpo, mas ao mesmo tempo simples e agradável, e subia ao 42º andar. Eu andava pelos corredores, todos brancos e estéreis e agradáveis de se olhar, e chegava ao apartamento 4213. Eu abria a porta e entrava, mas meus olhos nunca me diziam o que havia atrás da porta. O sonho acabou, como sempre acabava, e eu não sabia o que havia atrás da porta. Se ao menos eu pudesse continuar no sonho, talvez eu soubesse.
Ouvi um barulho e acordei. Olhei pelo escuro, procurando a fonte, e quase tomei um susto quando vi a mulher, em cima de mim, com uma faca. Meus músculos foram mais rápidos que meu raciocínio, pois em dois segundos eu já estava armado com minha faca, apontando-a para o pescoço da mulher. Ela começou a sussurrar. Seu maldito, porco, babaca, filho da puta! Você matou meu marido, e agora me trata como uma cachorra! Eu quero que você morra, quero que você queime no inferno e sinta o que eu senti por sua culpa dez vezes mais! Morra, seu filho da puta! Ela tentou me atacar com a faca, mas eu fui mais rápido e cortei-lhe o pescoço. Ela atingiu meu braço antes de cair morta, mas apenas abriu um corte médio. Ela não era uma Criatura. Merda. Cobri o corte com as roupas da mulher, deixando seu cadáver nu, e olhei-o uma nova vez. Estava numa posição adulterada, e aquilo me incomodava. Peguei-a pelas pernas, e pude sentir que ainda estavam quentes enquanto seu sangue jorrava pelo pescoço. Talvez fosse ter mais alguns minutos de calor, mas não mais que meia-hora. Sua pele era macia, e meus dedos correram por sua carne por instinto, chegando ao seu ponto vulnerável. Impedi-me, e fiz pela primeira vez em anos o sinal da cruz. Virei seu corpo de barriga para cima e pus-lhe os pés juntos e cruzei-lhe os braços por cima dos seios. Se memória não falha, era assim que os mortos eram enterrados, quando eram enterrados.
Deitei-me no sofá novamente, mas a imagem da mulher gritando ainda estava em minha mente. Ouvi barulhos estranhos, parecidos com choro baixo. Vinham do porão. Minha curiosidade ganhou de meu bom-senso, e desci ao porão. O porão era um lugar escuro, mas meus olhos já estavam acostumados. Havia sangue no chão e nas paredes e conforme desci vi no nível mais baixo diversas celas, cada uma delas com no mínimo oito mulheres, cada uma delas nua e algumas sem certos membros de seu corpo. No centro do porão havia uma mesa, e ela estava coberta de sangue e pedaços de carne crua, alguns deles estragados. Olhei as mulheres novamente; elas todas tinham sangue em seus rostos. Peguei minha mochila e dentro dela o pedaço de carne que o velho havia cortado. Coloquei-o na mesa. Em outros tempos, talvez aquilo tivesse me enojado. Saí do porão e voltei ao sofá, e dormi pesado até o dia seguinte.
Acordei com o som de algo borbulhando. Água, talvez. Levantei-me, e vi o homem cozinhando com seu fogão. Olhei para onde estava o corpo da mulher, e ele já não estava mais lá. Mais um presente ao homem, pelo visto. Contanto que eu não fosse o próximo, não me importava mais. Fui à cozinha e ele serviu-nos feijão com carne. Comi apenas o feijão e dei-lhe a carne de volta. Ele comeu sua carne e a minha e então eu peguei minha mochila e me preparei para ir embora. Você vai à Torre, então? O homem perguntou, sorrindo. Vou. Aquele quarto é minha única esperança agora. Bem, se importa se eu for contigo? Alguém com uma escopeta pode vir a ser útil para minha pesquisa. Você pode vir junto, sim. Não me importo.
Saímos e seguimos a rua até a Torre, e a cada esquina, eu pude ver a rua alargar e alargar, até o ponto em que a rua se tornaria uma rua circular, ao redor da Torre. E como o homem disse, em frente à Torre haviam Criaturas. Uma muralha de Criaturas, cada uma delas olhando diretamente para nós. Eu saquei meu revólver por instinto, e imediatamente elas correram até nós. Corremos contra elas, em direção a torre, e eu comecei a atirar nelas. Era fútil, mas era melhor que morrer sem lutar. Minhas balas acabaram, e havia apenas uma Criatura morta. Continuamos correndo, e então ouvi o homem gritar. Ele estava preso, com duas Criaturas segurando seus braços. Ele gritou por socorro, mas eu continuei correndo, olhando para trás. Uma Criatura arrancou-lhe o coração, e então eu fiquei chocado. O homem se decompôs. Era uma Criatura. Continuei correndo, e pude ouvir as Criaturas chegando perto. Não sei como penetrei a muralha delas, mas de alguma forma o fiz. A Torre estava logo adiante, e eu podia vê-la inteira agora, com toda sua opulência. Corri e entrei e caí no chão, tropeçando. Era o fim. Eu estava morto. Mas não estava. Olhei para a porta, e as Criaturas me observavam, mas não entravam na Torre. Me levantei, cauteloso, e elas não fizeram nada. Não querendo aproveitar-me da sorte, corri ao elevador e chamei o botão. Subitamente me senti um tolo. O elevador não devia estar funcionando há anos.
Um ding. O elevador estava no Térreo. Entrei, suspeito, e apertei o 42º. O elevador subiu. Por que as Criaturas não vieram atrás de mim? O que havia de tão perigoso na Torre para Criaturas não quererem caçar? Talvez fosse a entidade... O que eu senti no prédio, quando fomos atacados... Ele teria me caçado?
Saí no 42º andar. O corredor, como em meus sonhos, era branco e iluminado. Não haviam sombras ou sujeira, nem sequer som. Estava absolutamente quieto. Segui o corredor, como em meu sonho, e senti algo se mover atrás de mim e virei-me rapidamente. Não havia nada. Continuei o caminho, e as paredes pareciam sussurrar contra mim. A entidade estava me caçando. O que haveria dentro daquele apartamento, me perguntava. Não havia sombras no corredor, nenhum lugar onde me esconder. Estava com a pistola sacada, mas era inútil. Não tinha balas, e mirar com o rifle em lugares fechados era má ideia. Andei devagar, olhando cada encruzilhada com extremo cuidado. A qualquer momento, a entidade iria pular de lugar nenhum e me matar.
Passos atrás de mim. Virei-me novamente, e novamente não havia nada. Não havia nada ali, senão a entidade. Aquele filho da puta, me caçando desde aquela noite. Andei de costas para não ser surpreendido por trás. E se ele viesse pela frente? Virei-me correndo, e novamente não havia nada. Onde quer que a entidade estivesse, ela estava bem escondida. Meus passos apressaram conforme eu sentia a entidade se aproximando, e comecei a correr quando ela já estava ao meu lado. Já era tarde demais. Subitamente, a entidade desapareceu. Olhei ao redor e vi, quase emocionado, a porta. 4213. Eu havia chegado. Minha mão foi à maçaneta, e meu corpo tremeu de medo. Criaturas, entidades... O que haveria agora? Talvez fosse uma cura para isso, para essa loucura toda. Talvez fosse um estoque de comida, como eu havia mentido ao homem. Talvez fosse até mesmo um revólver com uma única bala dentro, ou uma corda. De qualquer forma, aquele era o fim de minha jornada. Abri a porta e entrei no apartamento 4213.
O apartamento estava absolutamente vazio.

Gostei bastante, no começo não havia entendido muito destas criaturas e ainda continuo sem entender elas.(Só que caçam os humanos) Os canibais eu entendi(mas para pessoas estarem comendo pessoas deve estar numa situação bem mais do que pós-apocalíptica)

Achei que seria uma história de zumbis(desculpe mas sempre vejo isto kkkkkk), mas me surpreendi.
Bem não preciso dizer que está bom, porque eu já disse.

Moral da história: As vezes seu trabalho pode ser em vão.^~

(Coitado do moço, se bem que num mundo deste não se tem nada a perder, eu não faria diferente)

Edit: Por que você acha que está tendo textos de terror ultimamente? Isto não ocorre por acaso não é... pode ser algum motivo especial de Halloween kkkkkkkkkk