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Pocahontas

Iniciado por Elyven, 02/12/2012 às 17:20

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Notas da Autora
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Conto relatando no meu ponto de vista, -  sem perder o foco narrativo em terceira pessoa - como eram feitas às negociações dos casamentos das filhas índias, em especial, Pocahontas. Esta personagem não faz referencia à personagem da Disney. É só um nome fictício que achei bonito. Quem se puser a lê-lo,gostaria de ser avaliada, obrigada .by—Elyven  Velvet.
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Pocahontas
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Foi em maio de 1882 que Gabriel  Salvator chegou a uma pequena cabana a que chamava de lar e sentou pesadamente numa caixa que lhe servia de cadeira. Em silêncio, sua mulher índia esquentou um pouco de café e colocou-o diante dele.  Ela se movia pesadamente pois estava em adiantada gravidez. Gabriel ficou sentado ali muito tempo, deixando o café esfriar. De vez em quando olhava para a planície que se estendia até as montanhas onde ainda se viam uns restos de neve. E uma lembrança há muito que esquecida, recobrou sua consciência.  Lembrara da noite que conhecera sua mulher, Pocahontas.

Pocahontas completara dezesseis anos naquela primavera e fora só no verão anterior que o caçador de búfalos chegara à aldeia de sua tribo na intenção de comprar uma esposa. Chegara montado em uma mula. O chefe apanhou o cachimbo e Salvator tirou uma garrafa de uísque. Em silêncio, o chefe acendeu o cachimbo nas brasas e, após tirar uma fumaça, passou-o a Gabriel, que fez o mesmo e passou ao guerreiro sentado ao seu lado, no círculo do conselho da tribo.

Quando o cachimbo voltou às mãos do chefe, Gabriel abriu a garrafa de uísque. Limpou cuidadosamente o gargalo e tomou um grande gole; depois a ofereceu ao chefe. Este fez o mesmo e sentiu o ardor na garganta, o que lhe provocou lágrimas nos olhos além de uma insuportável necessidade de tossir. Mas dominou a tosse e passou a garrafa ao guerreiro que estava ao seu lado.

Quando a garrafa voltou às mãos de Gabriel, ele a colocou no chão, diante do chefe. Curvou-se para a frente e tirou da penela um pedaço de carne. Mastigou com força, lambendo os beiços. 

     — Boa raposa —  disse ele ao chefe
     — Cortamos a língua dela e a amarramos num toco para que engordasse bem.

Guardaram silencio durante alguns momentos e o chefe estendeu de novo a mão para pegar a garrafa de uísque. Gabriel sabia que estava na hora de dizer o que queria.   

— Sou um grande caçador. Com minha arma, já matei milhares de búfalos. Minhas proezas são conhecidas em todas as planícies. Não há guerreiro que possa alimentar tantas pessoas como eu.

O chefe assentiu solenemente com a cabeça.
     
     — Os atos de Barba Vermelha são bastante conhecidos da gente. É uma honra recebê-lo em nossa tribo.
     — Vim pedir a meus irmãos a moça chamada Pocahontas. Quero que ela seja minha mulher. 

O chefe deu um suspiro de alívio. Pocahontas era a mais moça de suas filhas e a menos favorecida. Era alta demais para uma moça, quase tão alta quanto o guerreiro mais alto, e magra, com a cintura tão fina que era possível abraçá-la com as duas mãos.   Seu corpo era miúdo, a tal ponto que não conseguiria ter uma criança crescendo dentro dela. Seu rosto era magro e comprido e não gordo e redondo como deve ser o de uma moça. Pocahontas deixaria de ser um problema.

—É boa escolha —disse o chefe.—A moça pocahontas está pronta para ser mãe. Quando a lua está alta, o sangue dela já corre abundante para o chão.

Gabriel levantou-se e foi até a mula.  Abriu uma das malas e tirou seis garrafas de uísque e uma pequena caixa de madeira. Levou-as para o círculo. Colocou-as no chão e tornou a sentar.

—Trouxe presentes para meus irmãos kiriks, em retribuição a honra que me deram, fazendo-me participar de seu conselho.

Alinhou as garrafas de uísque diante do chefe e abriu a caixa,cheia de contas coloridas e outras quinquilharias. Segurou a caixa pra que todos pudessem ver e a colocou diante do chefe.

—Os Kiriks são gratos por presentes de Barba Vermelha—disse o chefe.—Mas a perda da moça Pocahontas será dura para nossa tribo. Ela já ganhou um lugar entre nós por suas artes femininas. É uma guerreira caçadora, sabe costurar e é muito hábil em alguns outros trabalhos.

—Bem sei do alto preço que o chefe Kirik tem por sua filha Pocahontas. E vim preparado para compensá-lo. Pela perda de sua ajuda em preparar a comida da tribo, darei a carne de dois búfalos, pela perda de seu trabalho, darei a meus irmãos a mula que trouxe para cá. E, pela perda de sua beleza, trago para a tribo...

Aí fez uma pausa teatral. Voltou para onde estava a mula, desamarrou um grande fardo e o levou para o circulo de guerreiros, depositando-o no chão. Depois desembrulhou-o lentamente.

Um murmúrio de admiração elevou-se da roda. Os olhos do chefe brilharam.

—Aqui está o couro sagrado do búfalo branco—disse Gabriel. Os olhos dos índios fitavam magnetizados o belo couro branco, resplandecente como a neve.

Os búfalos brancos eram uma raridade.  O chefe que fosse depositado para o seu derradeiro sono num daqueles couros sagrados certamente entraria nos campos de caça eternos. Mas Gabriel sabia o que queria.
Queria uma mulher. Havia cinco anos habitava aquelas planícies, e só uma vez por ano deitava com alguma mulher no quartos do fundo do armazém de couros quando chegava o tempo de fazer negócios. O chefe ficou tão impressionado com o presente de Gabriel que desistiu de continuar as negociações.

—É uma honra para nós dar ao grande caçador Barba Vermelha a moça Pocahontas para ser sua mulher.

E se levantou, dando sinal de que a reunião do conselho estaria encerrada.

—Preparem minha filha Pocahontas para o marido—determinou, encaminhando-se para sua tenda, seguido de Gabriel.

Em outra tenda, Pocahontas esperava. Sabia que Barba Vermelha fora buscá-la. O pudor vaginal a obrigara a ir para a tenda de espera para não ouvir as negociações. Ali aguardara calmamente, porque não tinha medo de Barba Vermelha. Tinha-o visto nas várias vezes em que fora caçar na floresta. Mas tímida, nunca tentou uma aproximação.

Ouviu as conversas das mulheres que corriam para a tenda. Olhou pela porta. As negociações haviam terminado. Esperava que Barba Vermelha tivesse oferecido ao menos um búfalo por ela. As mulheres irromperam a tenda, falando todas ao mesmo tempo. Nenhuma noiva levara ainda tantos presentes para a tribo.  A mula. Contas coloridas. Uísque. O couro de um búfalo branco, sagrado. A carne de dois búfalos.

Pocahontas sorriu orgulhosa. Sabia naquele momento que Barba Vermelha a amava. De fora da tenda, subia o som dos tambores que começavam a soar ao ritmo da canção de casamento. As mulheres reuniram-se num círculo em torno dela, com os pés batendo ao compasso dos tambores.

Pocahontas deixou cair o vestido do corpo e as mulheres se aproximaram. Duas, uma de cada lado, começaram a destrancar-lhe os cabelos, que caía abaixo dos ombros. Outras duas trataram de untar-lhe o corpo com banha de urso para torná-la fértil. Quando tudo que era preciso foi feito, elas se afastaram para os lados.

Pocahontas ficou ali, nua no centro da tenda, olhando para e entrada. O corpo rebrilhava com a gordura que nele haviam passado. Era rígido e alto, seus seios empinados, o ventre liso, as pernas compridas e retas.  A porta da tenda se abriu e o pajé entrou. O pajé começou a dançar em torno dela, dando grandes pulos e murmurando frases ininteligíveis. Por fim o pajé deu um grande salto com um grito horrível e, quando seus pés tocaram de novo o chão, tudo ficou em silêncio, até os tambores. Pocahontas entrou em transe. 

Os tambores começaram a bater de novo, agora num ritmo mais lento. Gabriel Salvator abraçou- a deixando seu corpo delinear sobre o dela. Em cadencia com aquele ritmo  ela baixou o bastão até colocá-lo entre as pernas. Os pés se moviam no compasso dos tambores, cada vez mais depressa à medida que o ritmo acelerava. Por fim, girou alucinadamente com o negro cabelo solto a rodar em torno dela, enquanto segurava o bastão de Gabriel apontando para as mulheres, que davam gritos de benção e inveja. Ouve um momento de tensa expectativa  quando mais uma vez o bastão começou a entrar nela.  As mulheres lembavam-se cada qual de seu casamento, quando também haviam ficado assim no centro de um círculo de mulheres, suplicando em vão, alguma ajuda. Aquilo era coisa que a noiva devia fazer por si mesma.

Os tambores vibravam enquanto Pocahontas sofria.  Aquele era seu marido Barba Vermelha, o grande caçador.  Ela não podia desmoralizá-lo ali na tenda das mulheres. Olhou para Gabriel entre a luz fraca que invadiu a tenda, seus seios ofegantes, suas pernas  levemente trêmulas. Estava ansiosa que Barba Vermelha estivesse satisfeito.

—Veja como ela sangra bastante. Vai dar a você muitos filhos —disse o chefe tirando uma fumaça de seu cachimbo.
—Sim,muitos filhos—murmurou Gabriel—, e para mostrar como estou satisfeito com ela, prometo a meus irmãos mais um búfalo.

Pocahontas sorriu, saiu da tenda e foi banhar-se no rio. Suas preces haviam sido ouvidas. Barba Vermelha estava satisfeito com ela.

Agora ela se movia lentamente com o peso do filho que levava, enquanto Gabriel Salvator ficava sentado à mesa pensando no desaparecimento dos búfalos. Talvez nunca mais aparecessem. Naqueles últimos anos, tinham sido mortos búfalos demais.

Afinal, levantou-se e disse a Pocahontas:

—Arrume tudo, vamos embora daqui.

Pocahontas começou, obediente, a arrumar os objetos da casa, enquanto ele saia para amarrar as mulas ao carro. Quando acabou, Gabriel voltou a cabana.

Pocahontas pegou a primeira trouxa. A trouxa lhe caiu das mãos e ela se dobrou toda. Olhou para o marido, dando a entender tudo.

—Agora?—perguntou Gabriel, quase incrédulo.

Ela confirmou com a cabeça.

—Vou ajudá-la.

Ela se ergueu pois a dor já passara.

—Não—disse ela em língua Kirik—isto é coisa para mulher,não para um guerreiro.
—Está bem. Vou esperar do lado de fora.

Já eram duas da madrugada quando Gabriel Salvator ouviu choro de criança dentro da cabana. Tinha cochilado e o choro o acordara naquela noite cheia de estrelas.

Cerca de vinte minutos depois, a porta da cabana se abriu e Pocahontas apareceu. Ele se levantou e correu para dentro da cabana.  Num canto, estendida num lençol diante do fogo, estava a criança nua. Gabriel ficou ali parado de pé, admirando.

—Um filho—disse Pocahontas,com orgulho.
—Sim,um filho—murmurou Gabriel, tocando a criança, que começou a chorar.—Um filho!

Abaixou-se para olhar o filho mais de perto. A barba tocou nele e o choro se repetiu. A pele era branca e os olhos azuis como o do pai, mas o cabelo era preto e abundante. 

—Como a amo, Pocahontas!—murmurou suavemente.
—Também o amo, meu marido—disse ela, com os olhos cheios de lágrimas.

E pela primeira vez, Gabriel  Salvator beijou-a na boca.

Na manhã seguinte, deixaram a cabana.