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Noite Feliz

Iniciado por Moon[light], 24/12/2013 às 23:52

24/12/2013 às 23:52 Última edição: 26/12/2013 às 09:48 por Moon[light]

Ele estava sozinho no bar. Último cliente daquela noite. O ar cheio de jazz abafava a cantoria do lado de fora. O brilho das luzes piscantes entrava um pouco, quase nada. Era fácil de esquecer depois de um, dois conhaques. A vitrola velha tocava a mesma música fazia... uma, duas horas? Já nem lembrava mais. Quando entrara ali mesmo? Tinha mais gente antes. Casaizinhos, homens nas últimas farras antes de terem de voltar para casa. Todos haviam ido embora. Só sobrava ele ali, e o conhaque.
Foi lá pelas onze e alguma coisa que as sinetas da porta balançaram de novo e ela entrou no bar. Foi direto para a bancada, sentou uns dois lugares longe dele, pediu um uísque. Blue Label. Deixaram o copo na frente dela e saíram. Bebeu um gole e seu olhar foi longe. Tinha olhos bonitos, a mulher. Azul horizontal, difícil de alcançar. Cabelos escuros, fartos. Jeito de gente nova.
Ela percebeu que ele a olhava. Sorriu-lhe.
— Noite bonita – ela disse.
— É? – ele disse. – Não sei. Parece igual.
— Bastante bonita, a noite. Bonita demais para estar num bar. Você não devia estar em casa, com sua família ou qualquer coisa do tipo? Como seu cachorro.
— Você também não devia?
Ela só riu. Recostou os cotovelos no balcão, curvou-se num pensamento perdido. Fechou até os olhos por um momento. Estava onde? Em casa? Em uma praia? Numa cama? Quem sabe. Estava feliz. Parecia estar. Feliz de um jeito triste, jeito de felicidade que não volta. Nunca volta.
— Não tenho família – ela disse. – Minha mãe morreu quando eu era criança. Nunca conheci meu pai. Era um desgraçado qualquer que engravidou uma jovenzinha e fugiu num trem.
— Conheço os tipos.
— Imagino. Sem irmãos, nunca conheci nenhum tio, primo, nada. E não gosto de animais. Não sou boa com eles. Eles sabem disso.
— Festa de funcionários? Sempre tem uma dessas. Ou uma daquelas coisas grandes com muitas pessoas que nem se conhecem.
— Não gosto disso. Muita complicação, muito rito social. Só um bando de gente procurando uma cama em que se enfiar. Não faz meu tipo.
— E o que faz o seu tipo?
Ela levantou o copo e o apontou para ele.
— Uísque. Sem gelo. Melhor companheiro para uma noite fria. Mas você não me respondeu. Não tem uma festa para ir?
— Não. Não mais.
— Isso é bastante triste para um homem da sua idade.
— Nem tanto. Nenhuma perda, sabe? Essa coisa toda é pura enganação. Só lojas tentando vender mais. Amor, família uma ova. Tudo por um pouco mais de grana no bolso no começo do ano. Balela. Uma grande mentira. Nem a data é real.
— Não acho que seja isso que importe. Mesmo que a data fosse completamente outra, ainda seria triste. Não são os presentes ou o aniversário de seja lá quem for que importa. Não para mim pelo menos. Quando eu era menina, eu gostava dessa época. Minha mãe costumava cozinhar para mim. Adorava ver ela cozinhando. Ela sempre gostou disso. Dizia que queria ter um programa desses de receitas na TV. Ela ficava feliz cozinhando e eu ficava feliz de ver ela feliz. Para mim era isso que importava.
Ela bebeu o uísque quase todo num gole e novamente se foi, de volta para casa, provavelmente, na porta da cozinha, observando escondida pela fresta da porta, se esgueirando para roubar bolo tirado do forno.
— Eu perdi minha família numa acidente – ele disse. – Atropelamento. O vagabundo saiu correndo depois. Filhinho de político. Nunca foi para a cadeia. Eu perdi minha família, minha casa, meu emprego. Tudo. Foi nesse mesmo dia, dez anos atrás.
Do lado de fora, os corais ainda cantavam seus jingle bells e sabe-se lá quantas outras invenções importadas enquanto um velho de barbas atirava doces fabricados para crianças. Ele puxou um cigarro do bolso, acendeu, tragou, deixou a nicotina encher o sangue, a fumaça subir alto, se dissipar, desaparecer. Percebeu que ela o observava, sorrindo. Tentou sorrir de volta. Saiu um meio sorriso acanhado, enferrujado. Bateu a meia-noite. Ela levantou o copo de novo, desta vez apontou-o para ele. Um brinde. Ele aceitou.
— Feliz Natal.
— Feliz Natal.

Eu realmente estou ficando muito babaca... ou muito velho. Você decide.