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O Fim (e Outras Coisas)

Iniciado por JackFrost, 24/05/2014 às 20:44

24/05/2014 às 20:44 Última edição: 24/05/2014 às 23:43 por JackFrost
Eu escrevi uns dois contos situados no fim do mundo, talvez eu continue no futuro (ou talvez não).
Ler no Google Drive.
1.
Sempre soube que um dia o fim acabaria chegando durante minha vida. Já havia falado isso para amigos e outros conhecidos, mas todos falavam que era besteira minha. Fim do mundo? Só daqui a milhões de anos.
Era o que eles achavam.
Acharam errado.
Fazia sol naquele dia. Os jovens sentiam-se confiantes para usar aquela regata enterrada no fundo do armário. Eu me limitei a ficar sentado numa cadeira de madeira em minha varanda com um copo de limonada na mão. Observava o quintal e sua pequena biosfera, com alguns pássaros, árvores e poças d'água. Os pequenos jambeiros e mangueiras que existiam em minha propriedade faziam a felicidade de alguns pássaros de espécie que eu nunca reconheceria. De fato, nunca imaginaria que aquele dia era o último dos dias.
O sol já se preparava para ir embora. E eu me levantei aos poucos da cadeira, embora a minha vontade tenha sido nula. Tomei mais um pouco de limonada no lado de dentro e vi se recebera alguma mensagem no celular. Minha esposa viajava há 2 semanas e dava cada vez menos notícias, minhas preocupações quanto a isso eram as mais variadas. Mas no momento, só queria assistir um pouco de TV com os pés para cima esperando o sono bater à minha porta. No final, não foi o sono quem bateu à minha porta.
Não foi bem uma batida. Dedos magros apertaram firmemente a campainha, irritando minha cabeça. Em passos curtos e velozes fui até a porta, abri-a com rispidez e um pouco de grosseria para quem estava do outro lado. Este alguém era a Morte, ou algo do tipo.
- Tu és aquele nomeado Fergulino Ferreira?
- Pelo visto sou, o que quer comigo?
A Morte possuia um semblante bem diferente daquele difundido pela cultura, constítuido apenas de ossos e uma capa preta. A Morte se assemelhava ao cadáver mais bem conservado da história: possuia uma pele extremamente pálida, um olhar vazio e sem brilho junto de um corpo aparentemente pelado, seu rosto era o mais neutro possível. Não digo que se assemelhava a um ser humano vivo, pois lhe faltava vida nos movimentos e olhares.
- Sabe quem sou?
- Testemunha de Jeová?
- Não. Eu sou aquela chamada de A Morte.
- Oh, pelo visto tens forma física. Muitos pensavam que era apenas um conceito de quando alguém deixava sua pele.
- Sou uma entidade, mas também sou um conceito.
- O que viestes fazer em minha casa? Terá chegado minha hora?
- Não apenas a sua, caro Marcos. Mas chegou a hora de todos que habitam esta Terra. O aluguel de vocês acabou e o senhorio está os expulsando.
- Você é o senhorio?
- Sou aquele contratado para lhe expulsar.
Olhei para o chão sem graça. Não sabia que curso de ação tinha de tomar frente a presença literal da Morte. Ainda mais que ela veio para buscar a todos.
- Devo pegar malas?
- Não precisarás desse tipo de coisa para onde vais.
- Claro. Esqueci que vou para um plano não material.
- Não foi definido seu destino ainda.
- Destino? Como Céu e Inferno?
- Na verdade é um pouco mais complicado. Peço que me siga. Temos um horário apertado.
- Tudo bem, então.
Assim, acompanhei a pequena manifestação da Morte e vi toda minha vizinhança seguir a sua própria. Andavam calados e pacíficos como se algo tivesse os deixados serenos. Agora percebo que também estou assim. Fomos todos até uma praça, talvez tenha sido o local aberto mais próximo encontrado por quem quer que tenha arquitetado tudo aquilo. Esperamos mais alguns minutos e o silêncio imperava no local. As Mortes haviam evaporado subitamente. Talvez todos da área estivessem no local. A Morte ressurgiu flutuando sobre nós e sua voz ressoou pelo que parecia ser todo o Universo.
- A areia parou de cair. A hora de vocês já se foi.
Foi tudo tão belo, o jeito que o mundo simplesmente acabou.
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2.
Todo dia era a mesma coisa.
Eu desci outra vez pela garganta do planeta e me encontrei no mais escuro dos buracos, senti o mesmo que senti em todas as vezes que desci. Ligaram as luzes e a grandiosidade que a escuridão trazia se foi, era agora só mais uma mina cheia de homens procurando ouro, carvão ou qualquer que seja a coisa a qual eu minero todos os dias.
Alguns ao meu redor conversavam, outros apenas se sentavam sem fazer nada. Eu trabalhava normalmente, batia nas pedras com minha picareta e as via quebrar aos poucos. Depois de alguns minutos passo o antebraço na testa e está encharcado de suor. Melhor beber um pouco de água.
Não sou alguém de conversas. Ainda que eu passe a maior parte do dia com as mesmas pessoas, o máximo que dirijo a elas é um mero "Bom dia". Acredito que, pelo meu comportamento reservado, alguns não vão com a minha cara. Acho que faria a mesma coisa no lugar deles. Nos momentos em que água descia pela minha garganta, um de meus colegas de trabalho apareceu do meu lado.
- Você tem família?
Não acho que esse seja o melhor jeito de iniciar uma conversa.
- Não. Por quê?
- Motivos.
- Meus ou seus?
O estranho calou-se. Bebeu um copo d'água e deu um risinho quase cínico. Não era a mais confortável das situações. De jeito nenhum.
- No que você acredita?
- Como assim?
- Quais são suas crenças?
- Eu... eu não sei.
- Não sabe no que acredita?
Não, eu não sabia. Virei a cara e pensei: "Afinal, quem é esse cara?". Era algum intrometido que fazia perguntas estranhas, mas que me levou a um pensamento que nunca tinha me vindo a cabeça: "No que eu acredito?".
- Por que tu me perguntas isso? Por que queres saber tanto de minha vida?
- Algumas pessoas são mais interessantes que as outras. Você não ficou abaixo de minhas expectativas.
- Por que as coisas as quais acredito são tão interessantes para você?
- Sou apenas curioso. Você é um indivíduo dos mais interessantes, quero conhecê-lo.
- Quem é você?
- Alguém desinteressante.
- Por que você está aqui?
- Porque o mundo está a acabar.
Acreditei que ele daria uma risada profunda da minha face pasma, rindo de minha inocência perante uma situação ridícula, mas não foi assim. Do início ao fim, ele me olhava com uma expressão dura e séria.
- Como sabes que o mundo está a acabar?
- Me contaram. Assim como estou contando a você.
- Porque contas para mim mas não para os que estão ao meu redor? Por que sou eu alguém mais importante? Importante o suficiente para ser avisado.
- Não és como estes ao teu redor. És diferente, mais esclarecido. Seus pensamentos vão além da vida e morte, és alguém como eu.
- Como você poderia saber? Não sou nenhum tipo de filósofo ou escritor. Apenas um trabalhador braçal que passa os dias quebrando pedras como se a vida fosse resumida a isso.
- As coisas não se limitam a vida e morte. Eu posso lhe mostrar o além de tudo, eu posso andar através do tocável e intocável, eu posso lhe levar por caminhos que ninguém mais trilhou.
- As coisas estão bem aqui em baixo. Prefiro deixar tudo dentro de minha cabeça e continuar atrás desses malditos minérios.
No exato momento, peguei minha picareta e voltei a bater nas pedras, irritado com aquele sujeito. O mundo acabando e eu me limitava a ficar irritado com um qualquer. Ele fez um gesto para os outros, que depois de um primeiro momento, foram para fora até o que quer que o destino tenha lhes reservado.
Enquanto todos iam embora, o sujeito me olhou.
- Vais mesmo ficar ai?
- Sim.
- Batendo essa picareta nas pedras pelo resto da existência?
- Provavelmente.
- Qualquer coisa, só me chamar.
E ele foi embora. Me deixou sozinho com meus pensamentos. Temi a pertubação externa, mas ninguém apareceu. Algumas vezes o mesmo sujeito aparecia para conversar, ele queria noticiar o que acontecia na Terra que não era mais, porém eu persistia em não sair daquele lugar.
O universo engolia a si mesmo e eu continuava em busca do minério, qualquer que seja ele.
[close]

Cara, eu preciso dizer que esses textos são fantásticos.
Não tenho nem o que dizer, essa narrativa simplesmente extrapolou todas as minhas expectativas.
Espero mais de ti, continue postando!
Blog com meus textos, poemas e inspirações.
Basicamente onde eu devolvo pra vida todos os tapas que ela me dá.


25/05/2014 às 10:01 #2 Última edição: 25/05/2014 às 10:02 por RuanCarlsyo
Nossa. Clap, clap, clap. Preciso aplaudir porque encontrar coisa que presta hoje em dia tá difícil.

Não sei se foi só impressão minha, mas esse texto ficou com uma cara de crônica (por causa do primeiro conto e do título, principalmente, e do tom bastante informal das conversas, fora o destaque mais às situações e menos aos dramas), com umas doses de fantasia. À medida que lia, ia torcendo para não encontrar uma mensagem muito gospel. Você não me desapontou, obrigado.

De novo pensando como uma crônica, não consigo imaginar muitos cenários melhores (ou mais estratégicos) para se situar do que esses de fim dos tempos. Abre espaço para ótimas piadas de alívio cômico, fora as oportunidades de debates filosóficos, que são um prato cheio. Vendo desse lado pode até parecer oportunismo, hahah...

Mas, bom, acho que você pode ir além do que escreveu. Acho que até saquei ~acho~ o que você quis passar, e tudo mais, e o texto terminou com um certo estilo. Mas tudo isso ficou com um gosto de que tem muita coisa faltando. Obviamente que não vai parar por aí, não é? Você escreve muito bem, e deve continuar.

Pô, valeu ai gente.
Sobre isso de ir além do que escrevi e tals, não sei se vou fazer isso, esses contos são mais sobre situações particulares mesmo, acho que não cairia muito bem, sla. Bom, valeu de novo :c