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Divagações da Limyaael [Tradução]

Iniciado por judeau, 16/07/2014 às 14:58

Milhares de textos de "como escrever bem" estão espalhados pela nossa linda Internet. Mas sinceramente, o aproveitamento é bem pequeno (pelo menos pra mim). Numa dessas andanças, caí num LiveJournal com esses textos dessa moça. Principal, mas não exclusivamente falando de histórias fantásticas, ela dá boas dicas (ou opiniões) sobre como é uma boa história. Eu me balizo muito pra escrever por ela e vou compartilhar algumas coisas com vocês.

O link pro original (e pra todos os outros), tá aqui: http://curiosityquills.com/limyaaels-rants

Espero que gostem!
Judeau





Divagação nº1: Da Fantasia Clichê

Eu estava pensando que talvez eu fiquei muito nervosa sobre essa coisa toda de "fantasia clichê" no Fictionpress.net. Talvez a maioria das histórias de fantasia são assim na verdade, e feitas para serem lidas por quem gosta do enredo: "Amanda Rose, uma garota de 15 anos aparentemente normal, acorda uma manhã e descobre que ela é a Princesa do mundo de Nedelia, e seu nome é Mytharillia, e ela tem que lutar contra a feiticeira das trevas Heldigga." Talvez, simplesmente porque faz muito tempo desde que li um livro onde alguém da Terra vai para outro mundo (eu os evito de propósito), eu esteja perdendo o foco da fantasia.

E então eu li "Sobre Histórias de Fadas" (J. R. R. Tolkien, 2006, Ed. Conrad) hoje cedo e percebi que não, eu não acho que esteja. Porque mesmo que aquilo seja fantasia, não é como tem que ser ou como necessariamente deveria ser.

"Ao forjar Gram o ferro frio foi revelado; ao criar Pégaso os cavalos foram enobrecidos; nas Arvores do Sol e da Lua raiz e tronco, flor e fruto manifestam-se em glória."

Histórias de fantasia podem falar coisas sobre o Mundo Primário (como Tolkien chama) sem fazer sermão; isso pode ser seguramente deixado pra panfletos e fábulas. Podemos fazer coisas maravilhosas e apresentá-las sem ter que usá-las para o bem de uma história desgastada. E isso pode, como Tolkien afirma, "satisfazer desejos humanos primordiais" sem recair na satisfação vazia de alguém que tem o anseio pessoal de ser o centro do mundo (NdT.: ou seja, você, escritor).

Com tanta beleza, compreensão, profundidade e estatura, não entendo como alguém poderia perder seu tempo escrevendo uma história daquele jeito e tentando fazer com que seja fantasia. Tais histórias são boas para satisfazer um desejo pessoal. Mas para ser fantasia?

"Mas o mundo que continha até mesmo a imaginação de Fáfnir era mais rico e mais belo, não importava o custo do perigo."

Às vezes eu vejo a domesticação, o silenciamento e o clichezamento (se não era uma palavra, agora é) da fantasia como uma tentativa de domar essa estranheza, esse perigo, essa beleza. Não estou nem falando sobre os medos que pais tem, de vez em quando, da fantasia tornar seus filhos satânicos ou esquizofrênicos, isso é outro assunto. Mas alguns colegas escritores de fantasia seguem a trilha já lisa e gasta, acredito. Não só porque outros estão fazendo isso e então eles acham que é assim que tem que ser feito, mas porque eles já viram o que fantasia pode fazer - em Tolkien, em Dulsany, em Martin, em Hobb e em outros - e eles estão com medo de que peçam pra fazer a mesma coisa.

Robin Hobb, em Meditations on Middle-Earth (não publicado no Brasil), diz que Tolkien criou o padrão para ela quando escreveu Senhor dos Anéis. Ela não acreditava que ultrapassaria aquilo, mas continuou tentando.

Talvez esses escritores não querem tentar. Seguindo o caminho da princesa os mantêm a salvo. Se eles saíssem do caminho, poderiam saltar e falhar, e eles não estão preparados para lidar com isso ainda.

"Achamos difícil conceber o mal e a beleza juntos. O temor da bela fada que perpassava as eras antigas quase nos escapa das mãos."

Um pouco fora do meu argumento principal, mas queria falar sobre. Coisas são tão simples em algumas histórias (e isso permanece mesmo nas publicadas, como nas do FictionPress.net). Isso é Negro e Isso é Branco. Isso é Trevas e isso é Luz. Mal é feio, Orc, errado, descomplicado. Bom é lindo, Elfo, certo - também descomplicado. Não existe mal bonito, lado perigoso, herói que não triunfa.

Mas existe algumas histórias antigas que são assim, e mesmo algumas fantasias modernas que são assim. O Senhor dos Anéis não permite triunfo sem exaustão. Termina com tristeza e grande felicidade, ambas, misturadas e intrincadas. Mesmo O Hobbit termina mais ou menos assim. Certamente nem todos os personagens sobrevivem, o que o leitor espera que o façam. E alguns escritores, como Kay (Tigana - A Lâmina da Alma) e Martin, alcançam isso, de forma que os personagens que você odeia são perfeitamente compreensíveis e podem cair numa glória sombria.

Eu ouvi falar de pessoas que discutem que o local da fantasia é ser moralmente mais clara que o nosso mundo. Acho que isso é falso. Nosso próprio mundo, mesmo que saibamos em um nivel de nossas mentes que é complicado, é simplificado em Nós e Eles, Preto e Branco, Errado e Certo. Acho que a história de fantasia pode perfeitamente explorar complexidade, nuance de caráter e moralidade, e fazê-lo lindamente para que o leitor não tenha escolha a não ser pensar sobre isso.

"É curiosa a ideia de que automóveis são mais 'vivos' do que, digamos, centauros e dragões. E pateticamente absurdo dizer que são mais 'reais' do que, digamos, cavalos."

Se algo se torna "normal" em fantasia, ou se o escritor sente que tem que se basear fortemente na vida real - digamos, na forma de uma adolescente do nosso mundo com depressão, que é real para ele - então acho que aqui é a hora certa e abandonar essa ideia. Fazer árvores e córregos, centauros e dragões, parecer real para o leitor é uma coisa. Argumentar que fantasia tem que tomar tudo da vida real para ser boa, ou cruzá-la com isso, é simplesmente idiota. Faça o que Tolkien disse: se jogue totalmente em outro mundo, sem desculpas, sem ter que levar religiões ou costumes do nosso mundo, sem ter que apresentar pessoas da Terra sendo mecânicas.

Suponho que tudo acaba em quatro palavras:

Vá e invente coisas.